domingo, 23 de março de 2014
Proposta de Redação tempo - com Redação Modelo
Proposta de Redação
O
futuro do tempo
Por
que suscitar a questão do tempo, do futuro do tempo e dos futuros possíveis?
Porque nossa sociedade vive sob a tirania do tempo. Como mostra Milan Kundera,
ela "está imobilizada na estreita passarela do presente".
O
século XX foi o das previsões arrogantes, quase sempre desmentidas. O XXI será
o século da incerteza; portanto, das previsões. Menos que nunca, poderemos
prever em que tempo viveremos. Na realidade, ocorreu uma revolução maior na
concepção científica do tempo. Segundo a teoria clássica, a de Newton, o tempo
passava uniformemente e com a mesma velocidade: era universal, absoluto e
neutro. Nesse sentido, o passado e o futuro eram idênticos.
Sabemos
que, com a teoria moderna da relatividade, formulada por Einstein, a noção de
tempo modificou-se profundamente. O conceito espaço-tempo se impôs e substituiu
as noções separadas de espaço e de tempo. O tempo perdeu, então, sua idealidade
física e newtoniana. Como não é possível ir mais rápido que a velocidade da
luz, é impossível voltar ao passado.
Rumos da história são o extravio
Ilya
Prigogine tentou ir mais longe, introduzindo a ideia de incerteza na ideia de
tempo. Talvez a incerteza venha a ser o fato marcante do século XXI
Perguntado
sobre o futuro do tempo, Ilya Prigogine tentou ir mais longe, introduzindo a ideia
de incerteza na ideia de tempo. Essa ideia de incerteza talvez venha a ser o
fato marcante do século XXI. Ilya Prigogine mostra que as leis reversíveis de
Newton só dizem respeito a uma pequena parcela do mundo em que vivemos.
Permitem, é claro, descrever o movimento dos planetas. Mas o que neles se passa
- a geologia, o clima, a vida - exige a formulação de leis que implicam
fenômenos irreversíveis.
Será
que avaliamos devidamente a revolução que essas descobertas introduzem na noção
do tempo? Chegou o fim das certezas: o tempo não tem um futuro, mas, sim,
futuros. Porque, daqui por diante, a natureza é imprevisível: ela é história.
Que
concepção da História e do futuro do tempo aparece nessa revolução
epistemológica? Precisamente, a da liberdade. Segundo Robert Musil2: "A
trajetória da história não é como a de uma bola de bilhar que, uma vez lançada,
percorre um caminho definido: ela se parece mais com o movimento das nuvens, ou
com o trajeto de um homem vagando pelas ruas e que muda de direção por causa de
uma sombra aqui, por causa de um grupo de curiosos, ou por causa de uma
estranha combinação de fachadas ali, e que vai dar num lugar desconhecido onde
não pensava ir. Os rumos da história", conclui Robert Musil, "são
muito frequentemente o extravio. O presente representa sempre a última casa de
uma cidade, aquela que, de um modo ou de outro, não faz mais parte do povoado.
Cada nova geração pergunta-se, admirada: quem sou eu? Quem eram meus
antepassados? Seria melhor que se perguntasse: onde estou? E supusesse que seus
antepassados não eram diferentes dela, mas, simplesmente, outros".
A contração do tempo e do espaço
Diante
da mudança nas concepções de tempo, como nos surpreendermos se vivemos uma
crise do tempo social e cultural? A história é sempre contemporânea
Os
desafios dessa revolução são consideráveis, tanto para as "ciências
duras" quanto para as ciências humanas e para a previsão. Ilya Prigogine
resume da seguinte maneira a amplitude da reviravolta introduzida na esfera dos
saberes: "Que rumo tomará o século XXI? Qual o futuro do futuro? (...) Com
a noção de probabilidade, as idéias de incerteza e de múltiplos futuros entram
nas ciências do microscópico. (...). Passamos de um mundo de certezas para um
mundo de probabilidades. Devemos encontrar a via estreita entre um determinismo
alienante e um universo que seria regido pelo acaso e, por conseqüência,
inacessível a nossa razão".
Diante
dessa imensa mudança em nossas concepções de tempo, como nos surpreendermos se
também vivemos uma crise do tempo social e cultural? Como dizia Benedetto
Croce, a história é sempre contemporânea.
Primeiro
fenômeno: a contração do tempo e do espaço, essa compressão que está no cerne das
análises da terceira revolução industrial. Quando se buscam referenciais
cronológicos sobre a contração do tempo na história, é necessário lembrar que
se começou a falar de décimo de segundo em 1600, de centésimo de segundo em
1800, de milissegundo em 1850, de microssegundo (milionésimo de segundo) em
1950, de nanossegundo (milésimo milionésimo de segundo) em 1965, de
picossegundo (milésimo de bilhão de segundo) em 1970, de femtossegundo
(milionésimo bilionésimo de segundo) em 1990 e que, provavelmente por volta de
2020, se falará de attossegundo, isto é, de trilionésimo de segundo!
Um tempo quase fantasmagórico
Os
efeitos da contração do tempo estão no cerne do capitalismo da terceira
revolução industrial e invadem o campo político, social, cultural e simbólico
Nosso
conhecimento do tempo parece avançar rumo a uma decomposição cada vez mais
fina, rumo ao infinitamente breve, coisa de que cada área da vida social, mesmo
na cultura, na comunicação e na política, parece fornecer inúmeros exemplos eloquentes.
Andy Warhol dizia que qualquer um poderia tornar-se famoso durante quinze
minutos, na era dos meios de comunicação de massa. Mas a teoria do marketing já
procura nos convencer de que sete segundos seria a duração máxima de uma
mensagem audível e apreensível para a massa dos telespectadores.
Segundo
os especialistas, seriam necessários três meses, em 1990, para se conceber e
realizar um novo protótipo de carroceria de automóvel, ao passo que, em 1950,
eram necessários três anos. "Bastam alguns minutos para se obter o
conjunto dos artigos científicos, alvarás, decisões de justiça, relativos, em
escala planetária, a um novo produto químico. Há trinta anos, essa pesquisa
simplesmente não teria sido feita porque teria mobilizado uma enorme equipe de
documentaristas durante vários anos3".
Tais
efeitos da contração do tempo estão no cerne do novo capitalismo da terceira
revolução industrial e também invadem o campo político, social, cultural e
simbólico. A obsolescência corrói o tempo da história, o tempo dos grandes
ciclos e os ciclos da vida humana: foram necessários 500 mil anos para se
passar do fogo à arma de fogo e, depois, muito pouco tempo para se passar do
automóvel ao avião4. Essa aceleração do tempo provoca o desaparecimento dos
objetos mesmo no interior de uma vida humana, que vão sendo substituídos por
outros. Daqui por diante, o tempo tecnológico, mas também social, é volátil,
quase fantasmagórico.
Uma revolução silenciosa
Foram
necessários 500 mil anos para se passar do fogo à arma de fogo e, depois, muito
pouco tempo para se passar do automóvel ao avião
Quanto
mais se contrai, mais o tempo se torna mundial. Quanto mais se reduz ao
presente, mais a história se torna contemporânea. Quanto mais o tempo se
comprime, mais a competição se aguça e mais o tempo se torna, por excelência, o
trunfo estratégico e o fantasma perdido de nossa modernidade tardia.
Nessa
perspectiva, vivemos uma revolução silenciosa do tempo, que afeta as relações
que ele mantém com o trabalho. Segundo Adam Smith, a essência abstrata da
riqueza era o trabalho. Mas o trabalho era o tempo. E o que ocorre hoje?
Assistimos à crise simultânea do trabalho e do tempo como temporalidade social.
Trata-se de uma crise fundamental, pois, como observou Roger Sue: "A
história do trabalho confunde-se com a dos Tempos Modernos. O tempo de trabalho
na modernidade desempenhava, nesse sentido, um papel similar ao do tempo
religioso na Idade Média." Aliás, derivava historicamente do tempo
religioso e, de certa forma, "copiou-o".
Desempenhando
um papel central, o tempo de trabalho, como o tempo religioso, assegurava, na
realidade, três grandes funções: a produção de vínculo social e de identidade
(o tempo de trabalho "estrutura o tempo dos indivíduos, fixa-lhe
referências"); o vínculo entre atividade e "salvação" (segundo
Max Weber, o tempo religioso organiza a "economia da salvação",
enquanto o tempo de trabalho representa "a salvação pela economia").
E uma terceira grande função: a orientação do futuro - o tempo central dava um
sentido ao futuro. Um sentido transcendente ao tempo religioso, um sentido
imanente, ou secular, ao tempo de trabalho.
As demandas
"pós-materialistas"
A
nova revolução que solapa as bases do trabalho nos faz passar da identidade à
incerteza
O
trabalho seria capaz de ainda garantir essa tríplice função? Há motivos para
duvidar. Primeiramente, o trabalho se torna raro. Porque a extraordinária
criação de riqueza engendrada pelas duas primeiras revoluções industriais - e,
atualmente, pela terceira - se fez acompanhar por uma não menos extraordinária
redução do tempo de trabalho.
Para
citar o exemplo da França, em 1850 o tempo passado no trabalho representava 70%
do tempo de vida sem dormir. Em 1900, já eram necessários apenas 42% e, hoje,
com a redução do tempo de trabalho, o aumento da duração da vida e do tempo de
escolaridade, não passa de 7% a 8%. Quando se toma como referência o conjunto
dos países industrializados, o tempo de trabalho representa atualmente de 10% a
15% do tempo de vida sem dormir.
Segunda
característica que assinala uma crise do trabalho: o deslizamento cultural de
valores nas sociedades industrializadas, e de modo especial na Europa, com o
aumento das demandas "pós-materialistas6". As aspirações dos
indivíduos que as compõem, e principalmente dos jovens, mudam. Falou-se de
"fechamento em si". Talvez fosse necessário falar também de
"fechamento sobre o si", ou da redescoberta de si.
Tempo de educação e formação
O
tempo de trabalho, na modernidade, desempenhou um papel similar ao do tempo
religioso na Idade Média. Aliás, derivou do tempo religioso e
"copiou-o"
Terceira
característica que põe o valor trabalho em crise: seria o trabalho ainda o
principal fator de produção? Também disso se pode duvidar, e por quatro razões,
pelo menos. Com a irrupção da economia política - em 1776, data da publicação
de A Riqueza das Nações, de Adam Smith - o trabalho passou a ser entendido como
a essência abstrata da riqueza. Notemos que, a esse respeito, houve um
surpreendente acordo entre os socialistas, os liberais e os cristãos sociais. Ora,
já há mais de um século, com a teoria do equilíbrio geral formulada por Léon
Walras, a troca e as relações entre a oferta e a demanda é que passaram a
ocupar o lugar central. Nesse sentido, a idade de ouro do trabalho, em sua
acepção conceitual, teria sido realmente o século XIX, embora, em termos
humanos, tenha sido seu inferno.
Segunda
razão: o capital - produto do trabalho e de sua acumulação - tende, cada vez
mais, a substituir o trabalho. Terceira razão: à medida que fomos passando de
sociedades de produção a sociedades de consumo, foi preciso não só aumentar o
poder de compra dos trabalhadores (o que fez o fordismo), mas também liberar
tempo para o consumo.
Quarta
razão: para aumentar a produtividade do trabalho, principalmente graças ao
progresso tecnológico, é e será necessário dedicar uma parte crescente do tempo
de vida à educação e à formação profissional. Em outros termos, "os
fatores externos ao trabalho acabam por se tornar mais importantes que o
próprio trabalho e, em todo o caso, contribuem para reduzir sensivelmente sua
duração". O antigo vínculo que ligava o tempo ao trabalho afrouxou-se
progressivamente. Estaria em vias de se desfazer?
A desagregação das competências
À
tirania do imediatismo corresponde a tirania da urgência. Esta faz-se
acompanhar pela retração acelerada das referências à ideia de projeto coletivo
Quarta
característica que indica a crise do trabalho: o trabalho torna-se precário,
frágil, volátil e, portanto, fonte de tensões extremas. Há anos se vem
insistindo, com razão, no problema do desemprego - principalmente na Europa - e
no dramático aumento da exclusão. Viu-se também aparecer, em diversas regiões
do mundo, o fenômeno do "crescimento sem criação de empregos". Devido
à precariedade do trabalho, a sociedade se quebra em duas. Entretanto, a crise
do desemprego deveria ser compreendida como um aspecto de uma crise mais ampla
e mais duradoura: a do próprio trabalho.
Isso
porque a precariedade não atinge só o desempregado, mas o próprio trabalho. Tal
evolução provoca um profundo esgarçamento no tecido da sociedade. Na
Grã-Bretanha, especialistas avaliam que uma pessoa que tenha feito dois anos de
curso superior mudará de empregador pelo menos dez vezes durante sua vida
profissional. As mudanças aceleradas de emprego são agravadas por uma
degradação de conhecimentos, acentuada pela obsolescência rápida dos saberes, e
por uma desagregação das competências induzidas pelo deslocamento constante dos
indivíduos. Em resumo, "a acumulação dos conhecimentos e a trajetória profissional
deixaram de ser valorizadas positivamente8". Principais vítimas: as
classes médias e os operários e técnicos superiores, sendo que se acentua o
contraste com a elite.
Um fator de confusão e incerteza
A
construção de uma ética do futuro exige que se inaugure uma perspectiva de
valores. Para isso, três evoluções são determinantes
Essa
mutação acarreta uma crise dos valores do trabalho e uma profunda reviravolta
da relação com o tempo. Como destacou Richard Sennett, em Les Clés du XXIe
siècle, o modelo pós-fordista, ao valorizar o efêmero e a rápida rotatividade,
destruiu a fraternidade no trabalho, a lealdade para com a instituição ou a
sociedade, a fidelidade à empresa e a confiança entre os trabalhadores. Cada um
procura salvar seu lugar no imediato e vê nos riscos, valorizados, entretanto,
pelo capitalismo fexível, uma exposição ao perigo. O medo e a depressão
predominam, exceto entre os altos executivos dirigentes. Como o trabalho deixa
de se basear em "esquemas de gratificação distintos" (a
"salvação pela economia", segundo Max Weber), o longo prazo é
sacrificado à tirania da urgência, à luta pela sobrevivência e ao ganho
imediato.
A
estética do mercenário leva a melhor sobre a ética da duração. O contrato
social e o contrato salarial são cada vez mais substituídos pelo contrato
comercial, baseado na exterioridade da terceirização. O horizonte da empresa
concebida como empresa virtual é uma sociedade sem assalariados: uma mera
etiqueta que cobre uma sucessão indefinida de associações efêmeras, de alianças
provisórias por necessidade.
Em
resumo, a nova revolução que solapa as bases do trabalho nos faz passar da
identidade à incerteza. O trabalho é cada vez menos um pólo de referência e
cada vez mais um fator de confusão ou de incerteza com o qual os jovens mantêm
uma relação de exterioridade, uma relação manipuladora que provoca mais
estresse e descontentamento do que satisfação e que não cristaliza mais a
identidade.
A lógica do tempo real e do imediato
É
hora de lembrar que a política consiste, antes de tudo, em estruturar o tempo,
já que "a tarefa específica do homem político" é "o futuro e a
responsabilidade diante do futuro"
Essa
nova revolução da flexibilidade mina também a identidade porque o trabalho não
faz mais "história". Ele era uma história, uma narrativa linear;
tornou-se uma sucessão de fragmentos, de cenas que já não formam um roteiro. O
trabalho cimentava o vínculo social. Hoje o desata e o desagrega, provocando,
de uma só vez, a decomposição do vínculo civil e cívico, do cimento familiar e do
sentimento nacional. O trabalho, enfim, estruturava o tempo: a crise e a
mutação do trabalho quebram a flecha do tempo vivido e, valorizando o
instantâneo, o presente e o curto prazo, destroem a representação do futuro e o
sentido de qualquer projeto de longo prazo.
O
paradoxo, portanto, é que se fala cada vez mais do trabalho, quando ele existe
cada vez menos. No fundo, é o mesmo paradoxo que leva a falar cada vez mais do
meio ambiente e da natureza, quando a natureza, a olhos vistos, se torna
artificial, e o meio ambiente é cada vez mais desnaturado. Como dizia Walter
Benjamin: "A verdade da essência de uma coisa se manifesta quando a coisa
está ameaçada de desaparecer".
As
sociedades humanas passam por um desregramento de sua relação com o tempo. Uma
contradição maior está colocada. Elas precisam, gradativamente, projetar-se no
futuro, para sobreviver e prosperar. E, cada vez mais, falta-lhes um projeto.
Fala-se de um divórcio entre projeção e projeto. Esse divórcio tende a se
aprofundar. De um lado, porque os grandes esquemas de pensamento e de
representação parecem, a longo prazo, ter desmoronado; de outro lado, porque a
globalização e o aparecimento de novas tecnologias impõem às sociedades a
lógica do "tempo real" e o horizonte do curto prazo: hegemonia da
lógica financeira e midiática; ajuste das decisões políticas - nas sociedades
democráticas - ao horizonte da próxima eleição; atribuição de importância
extrema ao humanitário, quando diminui a ajuda ao desenvolvimento.
O
modelo ético do contrato social
À
tirania do imediatismo, que serve de desculpa para o "depois de mim, o
dilúvio" dos príncipes, corresponde a tirania da urgência. Esta faz-se
acompanhar pela retração acelerada das referências à idéia de projeto coletivo.
Não conseguimos mais nos projetar numa perspectiva do tempo longo. Deste ponto
de vista, a urgência desestrutura o tempo e deslegitima a utopia. O tempo
parece abolido pelo instante. Por toda parte, o homem de hoje se arroga
direitos sobre o homem de amanhã, ameaçando seu bem-estar, seu equilíbrio e, às
vezes, sua vida.
Longe
de ser um dispositivo transitório, a lógica da urgência torna-se permanente:
impregna todo o tecido da sociedade, erigindo em princípio absoluto da ação
coletiva o imperativo do resultado imediato. Entretanto, teria o uso de
dispositivos de urgência desembocado na solução de problemas de longo prazo? Os
fracassos da ação humanitária e os medíocres resultados obtidos pela comunidade
internacional em matéria de gestão multilateral dos problemas mundiais parecem
demonstrar o contrário.
Mas
como reconstruir o tempo na hora da globalização? Como reabilitar o tempo
longo? Dois obstáculos, observa o filósofo belga François Ost, opõem-se ao
levar em conta o futuro. Trata-se, em primeiro lugar, do predomínio do modelo
ético do contrato social, que não concebe obrigações senão entre sujeitos mais
ou menos iguais e engajados em relações de troca baseadas em cláusulas
recíprocas, quando se trata, com a noção de ética do futuro, de "ampliar a
comunidade ética a sujeitos por vir, diante dos quais estamos numa relação
totalmente assimétrica".
A flexibilidade como princípio
absoluto
O
segundo obstáculo é a "miopia temporal" da época, "que se
traduz, ao mesmo tempo, em uma amnésia em relação ao passado, inclusive
recente, e numa incapacidade em nos inserirmos num futuro sensato". É
necessário refletir sobre os meios de superar esses dois obstáculos,
estabelecendo os primeiros elementos de uma ética do futuro10.
A
reconstrução do tempo também pressupõe que os atores sociais e os tomadores de
decisão parem de se "ajustar" ou de se "adaptar"; que se
antecipem e tomem a dianteira. O século XXI será de previsões ou não será;
prever para prevenir: este é o objetivo. Porque a demora entre o enunciado de
uma idéia e sua realização é sempre muito grande. Uma geração, ou mesmo várias,
é sempre o tempo mínimo para que uma política dê todos os frutos. Como o curto
e o médio prazo já estão "nos trilhos" no que se refere ao essencial,
o destino das gerações futuras dependerá cada vez mais de nossa capacidade para
associar visão de longo prazo e decisões presentes. O fortalecimento das
capacidades de antecipação e de previsão é, pois, uma prioridade para os
governos, para as organizações internacionais, para as instituições
científicas, para o setor privado, para os atores da sociedade e para cada um
de nós.
Ora,
como observa Hugues de Jouvenel, invoca-se cada vez mais, principalmente no
Ocidente, a aceleração da mudança e a multiplicação dos fatores de ruptura para
proclamar o caráter cada vez mais imprevisível do futuro e para daí deduzir que
só uma coisa importa: a flexibilidade. "Opõe-se assim, cada vez mais, a
cultura do ?apenas a tempo?... à do tempo longo que, no entanto, continua sendo
o único limite em que podem ser empregadas verdadeiras estratégias de
desenvolvimento." A construção de uma ética do futuro exige, pois, um
questionamento dos modos de gestão que se baseiam na flexibilidade erigida em
princípio absoluto e na recusa da previsão.
A "vontade de viver junto"
Mas
é preciso ir mais longe: se não agirmos a tempo, as gerações futuras não terão
tempo algum para agir. Correrão o risco de ser prisioneiras de evoluções
tornadas incontroláveis, tais como o crescimento demográfico, a degradação do
meio ambiente global, ou as disparidades entre o hemisfério Norte e o
hemisfério Sul e dentro das próprias sociedades, o apartheid social e a
influência mafiosa que se propaga.
Amanhã
é sempre tarde demais. Um exemplo? Dez anos após a Cúpula da Terra, a Agenda 21
permaneceu, quanto aos aspectos essenciais, letra morta, com exceção dos
tímidos avanços da Cúpula de Kyoto sobre a redução dos gases de efeito estufa,
hoje questionados. Rio de Janeiro mais dez, ou será Rio menos dez? Por quanto
tempo poderemos nos oferecer o luxo da inação? Alguém já calculou o custo da
inércia e da ausência de ética do futuro?
A
construção de uma ética do futuro exige que se inaugure uma perspectiva de
valores. Três evoluções são determinantes: a primeira é a mutação temporal da
responsabilidade. Éramos responsáveis apenas por nossos atos passados;
atualmente, nossa responsabilidade incide sobre o futuro longínquo. Como diz
Paul Ric?ur, "confiaram-nos algo que é essencialmente frágil" e
perecível: a vida, o planeta ou a cidade. Porque a cidade é perecível. Sua
sobrevivência depende de nós (Hannah Arendt). Na verdade, nas palavras de Paul
Ric?ur, nenhum sistema institucional sobrevive "sem ser sustentado por uma
vontade de viver junto... Quando esse querer se desmorona, qualquer organização
política se desfaz muito depressa".
Em
busca do tempo perdido
A
emergência internacional do princípio da precaução, baseado na incerteza,
constitui uma segunda evolução maior: qualquer previsão é, realmente, gestão do
imprevisível e da incerteza; portanto, do risco. Segundo François Ewald, o novo
paradigma da precaução "demonstra uma relação profundamente conturbada com
uma ciência que é interrogada menos pelos saberes que propõe do que pelas
dúvidas que sugere. As obrigações morais assumem aí a forma da ética".
Terceira
evolução: ampliando sem cessar seu domínio de extensão, o patrimônio funda,
daqui por diante, uma responsabilidade humana em relação às gerações futuras.
Era um simples legado do passado, mas atualmente, e em última instância,
abrange toda a cultura e toda a natureza. Não se limita mais às pedras, mas
integra o patrimônio imaterial e simbólico, ético, ecológico e genético.
A
construção de uma ética do século XXI exige a "refor ma do
pensamento" citada por Edgar Morin. Essa reforma também pressupõe uma
reforma dos vínculos entre o pensamento e a ação, baseada, por exemplo, na
evolução rumo a um "direito comum" da humanidade (Mireille
Delmas-Marty).
A
crise do político coincidiu amplamente, no Oeste, no Leste e no Sul, com a
"crise do futuro" e sua ilegibilidade crescente11. Chegou a hora de
lembrar que a política consiste, primeiro e antes de tudo, em estruturar o
tempo, já que "a tarefa específica do homem político" é "o
futuro e a responsabilidade diante do futuro" (Max Weber).
Partindo
dessa premissa, não cabe opor a solidariedade às gerações presentes à
solidariedade às gerações futuras. A generosidade não se divide. O pouco caso
que se faz dos excluídos do Terceiro Mundo e do Quarto Mundo é a outra face da
moeda; o esquecimento das gerações futuras é seu reverso. A ética do futuro é
fundamentalmente uma ética do tempo que reabilita o futuro, mas também o
presente e o passado.
Se
quisermos mudar de modo radical nossa relação com o tempo, deveremos
redescobrir, neste início do século XXI, uma sabedoria antiga: habitar o tempo
e, como Marcel Proust nos convidava a fazer, saber encontrar o tempo perdido...
(Trad.: Iraci D. Poleti)
Proposta de Redação: O imediatismo e a urgência são a marca do nosso tempo.
A instabilidade e a precariedade do trabalho encurtam o tempo presente. Essa situação
impede qualquer projeto de longo prazo, fazendo prever grande incerteza sobre o
futuro. É preciso estruturar uma ética do futuro, uma ética do tempo que
reabilita o futuro, mas também o passado e o presente.
Escreva um texto dissertativo-argumentativo
que contemple as questões acima.
Utilize o texto da Revista Le Monde
Diplomatique como base de sua produção
Redação Modelo
Depressa,
depress, pressa
Com o
recorrente avanço da tecnologia, a humanidade deparou-se com a instabilidade de
um futuro antes previsível, hoje inimaginável. A aceleração do tempo potencializada
pelo trabalho em crise mascara o fato de as pessoas estarem mais voluptuosas e,
diante disso, dificilmente podem-se definir com clareza os rumos de um país ou
mesmo da economia mundial, pior, o sentimento de ansiedade atormenta cada vez
mais indivíduos, regendo por sua vez, todas as ações humanas.
A
“correria” do tempo provocou o desaparecimento de objetos, que vão sendo
substituídos por outros, tornando-o fantasmagórico. Foram necessários 500 mil
anos para se passar do fogo à arma de fogo e, depois, muito pouco tempo para se
passar do automóvel ao avião. Essa velocidade de acontecimentos juntamente com
bombardeio de informações é que aprisiona o homem na esfera do quão frágil são
seus planos para o futuro, ocorrendo que suas implicações serão cada vez mais
antecipadas.
A relação
do tempo com trabalho exemplifica claramente a inconstância do modo vida e
produção que regem a história. Ao pensar que primordialmente o trabalho era o
principal fator de produção e que com as mudanças da sociedade e as
necessidades do mercado tornou-se precário, percebe-se que o capital, atual
motor da economia, também pode ser rebaixado futuramente. Contudo o homem busca
apoiar-se em diferentes âmbitos para traçar seus rumos, como a educação e a
ética, flexibilizando-se.
Percebe-se
então que a o imediatismo corresponde à tirania da urgência, fazendo com que o
instante substitua o tempo. Para tanto na era da aceleração pensar a longo
prazo teoricamente, tornou-se utopia, porém é preciso reger cada atitude com
cautela e responsabilidade, pois como disse Paul Ricoeur, "confiaram-nos
algo que é essencialmente frágil: a vida, o planeta ou a cidade. Sua
sobrevivência depende de nós."
Alanna
Nascimento Esteves
Não somos Chronos
O século XXI é notadamente
marcado pela sensação da falta de tempo. Isso porque a sociedade está imobilizada na
estreita passarela do presente. Tal condição acarreta no prejuízo de
perspectivas à longo prazo, condição que evidencia
o quanto o homem de hoje se arroga direitos sobre o homem de amanhã, ameaçando o seu
bem-estar.
A
ideia do químico russo Ilya Prigogine de ir mais longe na
concepção de tempo, introduzindo a incerteza é espelho do
homem contemporâneo. Foram necessários 500 mil
anos para se passar do fogo à arma de fogo e, depois, muito pouco tempo
para se passar do automóvel ao avião. Essa velocidade de acontecimentos
juntamente com bombardeio de informações é que aprisiona o homem na esfera do
quão frágil são seus planos para o futuro,
ocorrendo que suas implicações serão cada vez mais antecipadas.
Richard Sennett, em Les Clãs du XXI e siècle defendia
que ao valorizar o efêmero e a rápida rotatividade, o homem destruía a
fraternidade no trabalho, a lealdade para com a instituição ou sociedade.
Criou-se o que define Bauman de Relações líquidas, as relações são virtuais e o trabalho
fragmentou-se.
Parafraseando o Pe. Vieira o tempo gasta tudo
atreve-se a colunas de mármores e corações de cera. Portanto, depois de séculos de evolução, o homem se
perde em sua própria ignorância ao tentar controlar tudo e
todos. Nesse sentido, para ter uma relação favorável com o tempo quando conseguir
entender que nem tudo está ao seu controle.
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