quinta-feira, 1 de junho de 2017

Tema de Redação Bahiana 2017

Suicídio
Texto I

O número de estudos científicos sobre o suicídio nas ciências humanas, na estatística, na bioética e na neurociência cresceu de modo considerável. Nos tempos modernos, sob o olhar das ciências, o julgamento moral e as penalidades legais e religiosas em torno do ato suicida deram lugar à constatação de um problema científico. (Botega, Neury José. Crise suicida (Locais do Kindle 6396-6398). Edição do Kindle.)
Texto II

Texto III
Enquanto o suicídio segue sendo um assunto sobre o qual se fala pouco, o número de pessoas que tiram a própria vida avança silenciosamente. No Brasil, o índice perde apenas para homicídios e acidentes de trânsito entre as mortes por fatores externos (o que exclui doenças). Em todo o mundo, entre os jovens, a morte por suicídio já é mais frequente que por HIV. Entre idosos, assim como entre pessoas de meia-idade, os índices também avançam.
Falar de suicídio, na maioria das vezes, é falar de depressão. Falar de depressão, no entanto, não necessariamente é falar de suicídio. (http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/suicidio-e-preciso-falar-sobre-esse-problema.ghtml)
Considerando a leitura dos textos e suas reflexões a respeito da questão como um problema de saúde pública, escreva um texto dissertativo-argumentativo sobre o desafio do profissional médico lidar com o suicídio em sua prática médica, considerando as situações de atendimento e os desafios dos grupos sociais que estão em vulnerabilidade para a questão.
Redação modelo 1

13 razões
No perpassar da história, a temática do suicídio sempre esteve atrelada à vida humana. De um lado, a difícil tarefa de viver com as adversidades que compõem a existência e, do outro, o guardador da vida, desafiado pelos números cada vez maiores de pessoas que, em suas crises existenciais, não conseguem superar os obstáculos, precisa de uma formação para lidar com a vulnerabilidade para o suicídio.
Pecado mortal na Idade Média, heroísmo para Sansão, grandeza de espírito para os filósofos como Sócrates que preferiram a morte a render-se, o ato de tirar a vida sempre esteve presente na história da humanidade. Na esteira desse processo, estão discussões como liberdade, envelhecimento e amores permeando a linha tênue entre a morte e a vida. Assim, eternizada pela literatura como Romeu e Julieta ou, na contemporaneidade com as polêmicas fitas de Hanna na busca de explicar o “ porquê? ”, a questão do suicídio envolve-se em ambivalência e é objeto dos humanos seres com o poder da escolha entre vida e morte.
Para além do motivo está o papel do médico que lida hoje com um problema tão crescente que se transformou em questão de saúde pública. Segundo estimativas da ONU foram 800 mil mortes em 2015, um número que equivale a um suicídio em algum lugar do planeta a cada 45 segundos. Por isso, essa problemática deve ser abordada com seriedade e indica um alerta para os fenômenos psicossociais complexos da sociedade líquida pós-moderna que vem dizimando jovens e adultos e desafiando o médico a voltar sua prática para aspectos que o estetoscópio não é capaz de mensurar.
Edwin Shneidman, pai da suicidologia, defende que a vitória sobre o suicídio decorre do atendimento das necessidades psicológicas do indivíduo, do amparo social e fuga da situação que gera no individuo o desejo de ceifar sua vida. Partindo dessa verdade é preciso conscientização da população associada à divulgação responsável da mídia e programação nas escolas para o debate da questão. Os herdeiros de Hipócrates precisam atuar construindo redes de proteção psicológicas e sociais para os seus pacientes em associação com uma prescrição ponderada de psicofármacos e psicoterapia. Somente assim, as razões serão equacionadas como obstáculos e não como motivos para o fim da equação do viver.

Redação modelo 2
Sobre pedras e cicatrizes
A temática do suicídio possui natureza dilemática, complexa e multidimensional. Nesse sentido, a construção de uma percepção sobre a questão exige permeabilidade do profissional de saúde para garantir um contato empático a fim de assegurar uma genuína aliança terapêutica. Além disso, o fortalecimento de fatores de proteção que se encontram enfraquecidos ou ausentes é uma valiosa ação dos cuidadores da vida.
Poucos profissionais de saúde são capazes de amparar pacientes mergulhados em crise suicida pela exigência da combinação de conhecimento com intuição, experiência clínica com a serenidade da escuta e prontidão para agir aliado à proteção ao paciente. Dentre os desafios clínicos está o caso dos adolescentes – grupo social propenso ao imediatismo e impulsividade e que não possui maturidade emocional para lidar com estresses agudos. Portanto, para além de algo abstrato e desconfortante é preciso entender a questão como propôs Shakespeare em Hamlet: como dilema humano.
Em 1610 John Donne escreveu Biathanatos, primeiro livro inglês abordando a temática do suicídio. Nele e em muitas obras posteriores como a de Freud e Durkheim, o suicídio aparece como uma dimensão social. Essa visão precisa permear a prática do profissional que deve lidar com a questão através de uma conversa clara com o paciente e seus familiares ao mesmo tempo em que busca tecer um ambiente de compreensão e apoio para o ser assistido. Assim, esse encontro terapêutico deve ser entendido como linha para a vida.
O suicídio é como uma pedra posta no caminho da vida. Ela bloqueia a capacidade de pensar e faz o indivíduo parar na estrada da existência. Cabe ao médico ajudar esse ser a enxergar a pedra para ser capaz de carregá-la ou tomar distância e mapear o terreno em busca de atalhos. Isso se dará através de um atendimento fundamentado num olhar holístico com o sentido de acolher o paciente mantendo-o em segurança e garantindo que a prescrição de psicofármacos e psicoterapia aconteçam em consonância com o fortalecimento das proteções sociais dos pacientes em vulnerabilidade.  Assim, o caminhante poderá dar mais passos e as razões para a morte transformar-se-ão em cicatrizes da vida. (Equipe Eu Quero Passar)

Admirável Mundo Novo
 De Sócrates a Robin Williams, o suicídio é uma prática recorrente na história da humanidade, possuindo natureza dilemática, complexa e multidimensional. No despertar do século XXI, surge a necessidade de se revisar o papel do médico frente a esse fenômeno. De um lado, a formação clínica voltada à auto exigência do curar, aliada aos estigmas relacionados ao suicida, dificulta um diagnóstico preciso. Do outro, a abordagem centralizada exclusivamente na medicação impede a formação de uma genuína aliança terapêutica.
 “Quem quer se matar, se mata mesmo”.  Essa máxima social compartilhada, associada a ideia de que o médico é um salvador de vidas, desprepara o profissional para enfrentar a prática do suicídio e o conduz ao imobilismo terapêutico. Nesse sentido, segundo Dráuzio Varella, é preciso que o clínico abandone a autoexigência do curar e seus preconceitos, de modo a se colocar integralmente à disposição do paciente suicida em potencial, construindo com este uma parceria. Assim, o operador de saúde é uma peça fundamental na construção de uma rede de suporte para superação da crise.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, somente no Brasil, a cada 100 casos de suicídio, 75 são reincidentes. Esse índice exacerbado se dá, sobretudo, devido ao olhar médico restrito a prescrição de psicofármacos. Nessa seara, um estudo realizado pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) identificou que em quase 90% dos atendimentos de casos envolvendo indivíduos que atentaram contra a própria vida, a primeira e às vezes única intervenção foi a medicamentosa. Desse modo, o controle do episódio torna-se apenas momentâneo e tende a se repetir.
 Na distopia “Admirável Mundo Novo”, Aldous Huxley introduz o leitor a uma sociedade cujas emoções são controladas através de drogas. Em sentido contrário a obra, a atuação do médico na questão do suicídio deve ser holística, pautada no acolhimento, controle da situação, orientação da família, internamento e apenas um último caso a prescrição de psicofármacos. Apenas assim, o profissional de saúde poderá construir uma aliança terapêutica eficaz e duradouro. Para que ele chegue a esse discernimento faz-se preciso uma formação pautada em princípios humanísticos e com projetos educacionais que coloque o vocacionado diante de realidades capazes de produzir uma formação cujo pilar seja o homem em suas dimensões. (Rafael Calheira)