Olá,
esse é o nosso primeiro encontro do ano. Fico feliz que 2011 tenha acabado e
espero que em 2012 seu sonho de chegar a universidade se realize. Estamos
trabalhando muito para isso.
Faltam 06 dias para o vestibular do UESC e
sei que para alguns é muito pouco tempo ... fica aquela sensação de que ainda
falta estudar muita coisa... Relaxe e continue fazendo o que você pode,
buscando ultrapassar um pouco os seus limites.
Fernando Pessoa disse: A minha parte é feita,
o por fazer-se é só com Deus. Então faça a sua parte e deixe o resto com quem
pode mudar destinos.
Tem sido uma honra compartilhar dessas
preciosas horas com você!
Mara Rute
Lima
A história
Esse livro pertence ao gênero romance.
Único no processo da UESC. A trama é simples, trata-se de um jovem do interior
que sonha em ser doutor (como forma de melhorar de vida e limpar-se da condição
de “azeitonado”) e para isso vai para o
Rio de Janeiro. Lá, presencia a
dura realidade de uma cidade
preconceituosa e cruel. Peregrina durante muito tempo passando até necessidade.
Consegue um emprego no jornal, mas sua melhoria de vida não se relaciona ao
estudo e sim as relações que estabelece e a segredos que passa a guardar.
Termina a história percebendo que a cidade lhe corrompeu e, sobretudo que os valores vigentes não são os de estudo e mérito.
1. A
abertura do livro é feita por Isaias que se lembra da educação que recebeu na
infância e já claramente estabelece uma distinção entre a relação com o pai –
padre instruído e sua mãe, leiga. De que maneira se percebe no livro a
influência do pai como maior que a mãe?
Isaias escolhe estudar e
doutorar-se, inclusive como forma de livrar-se de sua condição racial –
azeitonado. Aliado a isso, em suas memórias, lembra-se sempre a da
superioridade do pai sobre a mãe que lhe aparecia triste e humilde diante da
capacidade do pai de dizer os nomes das estrelas do céu e explicar a natureza da
chuva.
Leia
o trecho:
Passava por um
largo descampado e olhei o céu. Pardas nuvens cinzentas galopavam, e, ao longe,
uma pequena mancha mais escura parecia correr engastada nelas. A mancha
aproximava-se e, pouco a pouco, via-a subdividir-se, multiplicar-se; por fim,
um bando de patos negros passou por sobre a minha cabeça, bifurcado em dois
ramos, divergentes de um pato que voava na frente, a formar um V. Era a inicial
de “Vai”. Tomei isso como sinal animador, como bom augúrio do meu propósito audacioso.
No domingo, de manhã, disse de um só jato à minha mãe:
—
Amanhã, mamãe, vou para o Rio.
2. Com base no trecho acima comente sobre a
visão de Isaias, aliado a circunstância em que tal visão acontece e a realidade
encontrada no Rio de Janeiro.
Ao concluir os estudos Isaias, com uma boa reputação de estudante,
ainda esperou pelo menos dois anos para ir ao Rio de Janeiro. A maior parte do
tempo vivia pela manhã decidido a ir a cidade grande e a tarde a pensar nas
dificuldades da cidade com seus egoísmo e sua falta de protetores para vencer
nela. Ao ler uma notícia no jornal sobre seu colega Felício que recebia o
elogio pela formação em farmácia pensou que se seu amigo tão burro a quem deu
aula de português tinha conseguido, porque ele não. Pouco depois viu os pássaros no trecho acima
e tomou isso com um sinal de que deveria partir.
Diferente de Felício não se formou no Rio, apenas transformou-se em
jornalista, não por mérito, mas por depois de muito tempo trabalhando como
auxiliar ter descoberto um segredo do chefe do jornal. E, antes da condição de trabalhar
no Globo enfrentou a fome, o preconceito racial e a solidão na grande cidade do Rio.
E seu tio Valentim – quase um pai,
conseguiu para Isaias o que considerava elemento fundamental para a vida no
Rio: uma carta do coronel Belmiro para o deputado Castro que ele ajudou a
eleger. Na carta pedia para que o deputado providenciasse um trabalho para
Isaias. Aqui o narrador deixa antever a sensação de poder do coronel. Porém,
quando Isaias chega ao Rio Isaias percebe que a carta não tem validade alguma e
que ele não é sequer bem recebido pelo deputado. Esse inclusive lhe manda
voltar num dia em que sabe que não vai estar. Logo, as impressões primeiras
sobre sua vida no Rio se desfazem e ele vivencia um Rio de Janeiro cruel e não
acolhedor como esperava que fosse. O leitor também percebe um coronel que já
não tem poder na sociedade do século XX.
Denúncia
do voto de cabresto, da política do interior.
3. O
livro aborda um tema constante na obra de Lima Barreto: o do preconceito
racial. Assinale a alternativa que não contenha um trecho que permita antever
isso:
a) “Ah! Seria doutor! Resgataria o pecado
original do meu nascimento humilde, amaciaria o suplício premente, cruciante e
onímodo de minha cor...”
b)” Doutor, como passou? Como está, doutor?
Era sobre-humano!...”
c) “ Não tenho pejo em confessar hoje que quando me ouvi tratado assim, as
lágrimas me vieram aos olhos.”
d) “ Entretanto, isso tudo é uma questão de semântica: amanhã, dentro de um século,
não terá mais significação injuriosa.”
e) “ se me esforço em fazê-lo
literário é para que possa ser lido, pois quero falar das minhas dores e dos
meus sofrimentos ao espírito geral eno seu interesse, com a linguagem acessível
a ele.
“O
trem parara e eu abstinha-me de saltar. Uma vez, porém, o fiz; não sei mesmo em
que estação. Tive fome e dirigi-me ao pequeno balcão onde havia café e bolos.
Encontravam-se lá muitos passageiros. Servi-me e dei uma pequena nota a pagar.
Como se demorassem em trazer-me o troco reclamei: "Oh! fez o caixeiro
indignado e em tom desabrido. Que pressa tem você?! Aqui não se rouba, fique
sabendo!" Ao mesmo tempo, a meu lado, um rapazola alourado reclamava o
dele, que lhe foi prazenteiramente entregue. O contraste feriu-me, e com os
olhares que os presentes me lançaram, mais cresceu a minha indignação. ...
Mesmo de rosto, se bem que os meus traços não fossem extraordinariamente
regulares, eu não era hediondo nem repugnante. Tinha-o perfeitamente oval, e a
tez de cor pronunciadamente azeitonada”.
Trecho
em que o autor deixa claro a questão racial.
4. Machado
de Assis em suas obras e também em Papéis Avulsos ressalta a questão do título
como importante na sociedade. Explique
como tal questão aparece nas
obras de Machado e de Lima Barreto respectivamente.
Em Memórias Póstumas Machado propõe a ideia de Brás de tornar-se doutor para
apenas aprender o esqueleto do código, deixando antever a busca do título não pelo conhecimento, mas pelo reconhecimento
social que esse porventura vem a oferecer. No conto Machadiano em Papéis
Avulsos o pai chega a aconselhar o filho para que esse busque parecer, mais do
que ser sábio. Não é diferente de Isaias Caminha: seu desejo de ser doutor
revela seu anseio de ser esquecido pela condição racial e social. Afirma
inclusive que a palavra doutor na sociedade era mágica (As pessoas, de fato,
respeitavam). Quando se fez jornalista aprendeu a servir-se de outros jornais,
a calcar seus artigos no que todo mundo dizia, não ter opinião divergente e assimilou
de outros jornalistas o hábito de aprender ciências como Finanças e Economia Política
lendo as notícias superficiais do jornal e citações de autores Célebres. Ao
comportar-se assim age tal qual as recomendações do pai ao seu filho quando alcançou
a maioridade em A Teoria do Medalhão.
“Escrevendo estas
linhas, com que saudades me não recordo desse heróico anseio dos meus dezoito
anos esmagados e pisados! Hoje... É noite.
Descanso a pena. No
interior da casa, minha mulher acalenta meu filho único. A sua cantiga chega-me
aos ouvidos cheia de um grande acento de resignação. Levanto-me, vou à varanda.
A lua, no crescente, banha-me com meiguice, a mim e a minha humilde casa
roceira. Por momentos deixo -me ficar sem pensamentos, envolto na fria luz da
lua, e embalado pela ingênua cantilena de minha mulher. Correm alguns
instantes; ela cessa de cantar e o brilho do luar é empanado por uma nuvem
passageira. Volto às minhas reminiscências: vejo o bonde, a gente que o enchia,
os sofrimentos que me agitavam, a rua transitada...
Os meus desejos de
vingança fazem-me agora sorrir e não sei por que, do fundo da minha memória,
com essas recordações todas, chega-me também a imagem de uma pesada carroça,
com um grande lajedo suspenso por fortes correntes de ferro, vagarosamente
arrastada sobre o calçamento de granito, por uma junta de bois enormes, que o
carreteiro fazia andar com gritos e ferroadas desapiedadas...”
5. A
partir do trecho acima e considerando a totalidade da obra comente sobre as
características do narrador nessa obra.
Ao afirmar que seus sonhos de dezoitos anos estão esmagados e
pisados o autor remete-se ao menino estudioso do interior que sonhava em
fazer-se doutor no Rio de Janeiro. Em seguida ao utilizar o termo “ é Noite” revela
ao leitor que não conseguiu, fruto de um comodismo como um auxiliar no jornal o
Globo e um jornalista, não por mérito.
6. Quando
Isaias vai procurar o deputado Castro na câmara o narrador revela a admiração
que esse tem pelos legisladores em seguida mostra a grande decepção que terá
depois da visita a que se deve sua decepção?
No seu
imaginário Isaias pensava numa câmera de deputados associando-a aos grandes
reis Assírios e aos filósofos Gregos. Sua decepção foi perceber que os
legisladores da pátria eram sem organização e grandes causas. Estranhou inclusive que em tal lugar de
arquibancada grosseira e tanto barulho se produzisse leis. Não foi diferente sua
decepção com o deputado Castro - tinha uma carta do coronel pedindo emprego
para ele. Não o encontrou na câmera, nem em casa, só na casa de sua amantes.
7.
Assinale a alternativa que não contenha um trecho em que haja a presença da
metalinguagem:
a) “Penso — não sei
por quê — que é este meu livro que me está fazendo mal... E quem sabe se
excitar recordações de sofrimentos, avivar as imagens de que nasceram não é
fazer com que, obscura e confusamente, me venham as sensações dolorosas já
semimortas?”
b) “Talvez mesmo seja angústia de escritor,
porque vivo cheio de dúvidas, e hesito de dia para dia em continuar a
escrevê-lo. Não é o seu valor literário que me preocupa; é a sua utilidade para
o fim que almejo”
c)“ Se me esforço
por fazê-lo literário é para que ele possa ser lido, pois quero falar das
minhas dores e dos meus sofrimentos ao espírito geral e no seu interesse, com a
linguagem acessível a ele.”
d) É este o meu
propósito, o meu único propósito (...)Confesso que os leio, que os estudo, que
procuro descobrir nos grandes romancistas o segredo de fazer. Mas, não é a
ambição literária que me move o procurar esse dom misterioso para animar e
fazer viver estas pálidas Recordações.
e) Com
elas, queria modificar a opinião dos meus concidadãos, obrigá-los a pensar de
outro modo; a não se encherem de hostilidade e má vontade quando encontrarem na
vida um rapaz como eu e com os desejos que tinha há dez anos passados. Tento
mostrar que são legítimos e, se não merecedores de apoio, pelo menos dignos de
indiferença”.
Sobre ele mesmo e sua personalidade ele vai
propondo ao leitor:
“O caminho na vida
parecia-me fechado completamente, por mãos mais fortes que as dos homens. Não
eram eles que não me queriam deixar passar, era o meu sangue covarde, era a
minha doçura, eram os defeitos de meu caráter que não sabiam abrir um. Eu mesmo
amontoava obstáculos à minha carreira; não eram eles...
Não seria tolice,
pusilanimidade escondida fazer repousar a minha felicidade na presteza com que
um qualquer deputado atendesse um pedido de emprego? Era possível tê-los sempre
à mão para os dar ao primeiro que aparecesse?
As condições de
minha felicidade não deviam repousar senão em mim mesmo — conclui... Mas não
era só isso que eu via. O que me fazia combalido, o que me desanimava eram as
malhas de desdém, de escárnio, de condenação em que me sentia preso.”
8. A
partir do trecho acima trace a personalidade de Isaias Caminha:
A personagem narradora associa a ideia de seu fracasso na vida ao
elemento do destino, proposto com a ideia de que possuía um sangue covarde e um
caráter defeituoso. Seu caráter fica bem visível quando aceita viver “a vidinha”
no jornal em detrimento de sua ambição: estudar e virar doutor. Também reflete
que o sonho de chegar no Rio e encontrar um emprego dado por um deputado e uma
vida sem dificuldades parece, com os olhos do presente, um sonho tolo e que a sua
felicidade ou a vida no Rio deveria provir dele mesmo. De seu esforço.
Um tema importante no livro, senão o mais
importante é o tema do jornalismo.
Como ele é produzido, a mediocridade que o cerca, o poder da mídia sobre a
sociedade, a defesa de interesses pessoais. Segue em seguida algumas das importantes
reflexões que o livro faz a esse respeito:
“Pagou sim,
apressou-se em responder Plínio de Andrade; mas um dos empregados da livraria
disse-lhe insolentemente: Você paga este sobre a Grécia, que queria levar agora
e também o romance francês que levou anteontem... A Imprensa! Que quadrilha!
Fiquem vocês sabendo que, se o Barba-Roxa ressuscitasse, agora com os nossos
velozes cruzadores e formidáveis couraçados, só poderia dar plena expansão à
sua atividade se se fizesse jornalista. Nada há tão parecido como o pirata
antigo e o jornalista moderno: a mesma fraqueza de meios, servida por uma
coragem de salteador; conhecimentos elementares do instrumento de que lançam
mão e um olhar seguro, uma adivinhação, um faro para achar a presa e uma
insensibilidade, uma ausência de senso moral a toda a prova... E assim dominam
tudo, aterram, fazem que todas as manifestações de nossa vida coletiva dependam
do assentimento e da sua aprovação... Todos nós temos que nos submeter a eles,
adulá-los, chamá-los gênios, embora intimamente os sintamos ignorantes, parvos,
imorais e bestas... Só se é geômetra com o seu placet, só se é calista com a sua confirmação e se o sol nasce é
porque eles afirmam tal coisa... E como eles aproveitam esse poder que lhes dá
a fatal estupidez das multidões! Fazem de imbecis gênios, de gênios imbecis;
trabalham para a seleção das mediocridades, de modo que...”
—Oh! Caminha! Onde
tens andado? Que tens, rapaz?
Era Gregoróvitch
Rostóloff. Falei, contei-lhe a vida. Os seus olhos de conta mais se
arredondaram de
desconfiança; mas,
depois de duas ou três perguntas, de examinar-se o vestuário e algumas palavras
de consolo, ao despedir-se, assim me convidou:
—Aparece-me
logo, à noitinha, na redação do O
Globo.
9. Qual a
importância dessa cena para a vida de
Isaias Caminha?
Isaias Caminha acreditou que sua chegada ao Rio fosse garantir-lhe uma
vida melhor do que a que tinha no interior. No curto período, porém, ele não conseguiu
o emprego que supostamente teria do deputado como garantia do coronel do
interior que utilizou inclusive meios ilícitos para elegê-lo; a família
enfrenta as doenças da mãe que impede de enviar mais ajuda financeira; é
acusado de roubo no hotel por causa da sua cor e chega mesmo a passar fome.
Quando recebe o convite do jornalista tem também a oportunidade de ser contínuo
do jornal. E assim, condições de viver no Rio de Janeiro - não na vida que imaginava.
“De tal maneira é
forte o poder de nos iludirmos, que um ano depois cheguei a ter até orgulho da
minha posição. Senti-me muito mais que um continuo qualquer, mesmo mais que um
continuo de ministro. As conversas da redação tinham-me dado a convicção de que
o doutor Loberant era o homem mais poderoso do Brasil; fazia e desfazia
ministros, demitia diretores, julgava juizes e o presidente, logo ao amanhecer,
lia o seu jornal, para saber se tal ou qual ato seu tinha tido o placet desejado do doutor Ricardo.
Participar de uma redação de jornal era algo extraordinário, superior, acima
das forças comuns dos mortais; e eu tive a confirmação disso quando, certa vez,
na casa de cômodos em que morava, dizendo-o ao encarregado que trabalhava na
redação do O Globo, vi o pobre
homem esbugalhar muito os olhos, olhar-me de alto a baixo, tomar-se de grande
espanto como se estivesse diante de um ente extraordinário. As raparigas que
residiam junto a mim, lavadeiras e costureiras, criadas de servir,
apelidaram-me “o jornalista”, e mesmo quando vieram a ter exato conhecimento da
minha real situação no jornal, continuei a ser por esse apelido conhecido,
respeitado e debochado”.
Depois
revela como eram as relações
no jornal ...
“Quando se tratava
de per si com qualquer dos empregados do jornal, ficava-se admirado que a folha
se imprimisse e se escrevesse diariamente. Floc tinha em pouca conta Losque: um
bufão, dizia ele; Bandeira desprezava Floc: um eunuco; e todos como que
pareciam querer entredevorar-se até aos ossos. Entretanto, quando um fazia
anos, a seção competente gemia e os adjetivos mais ternos e mais camaradários
não eram poupados. De seção para seção, a guerra era terrível. A revisão dizia
que a redação era analfabeta; a tipografia acusava ambas de incompetentes; e
até a impressão que não lia nem via originais tinha uma opinião desfavorável
sobre todas três.
A redação não
perdoava a menor falha da revisão. Às vezes, eram os originais defeituosos; em
outras, havia descuido ou a pretensão fazia emendar o que estava certo; mas
sempre as reclamações choviam por parte dos redatores, dos colaboradores e dos
repórteres.
O livro trata de uma questão interessante
que permeava o contexto em que foi
produzida a obra: a reforma do Rio de Janeiro para
não perder da argentina - tida
como européia. Sem planejamento resolvemos reformar o Rio e, para ilustrar
essa ação meio louca ele conta do projeto
dos sapatos obrigatórios .
Questão
“ O motim não tem
fisionomia, não tem forma, é improvisado. Propaga-se, espalha-se, mas não se
liga. O grupo que opera aqui não tem ligação alguma com o que tiroteia acolá.
São independentes; não há um chefe geral nem um plano estabelecido. Numa
esquina, numa travessa, forma-se um grupo, seis, dez, vinte pessoas diferentes,
de profissão, inteligência, e moralidade. Começa-se a discutir, ataca-se o
Governo; passa o bonde e alguém lembra: vamos queimá-lo. Os outros não
refletem, nada objetam e correm a incendiar o bonde.
No jornal
exultava-se. As vitórias do povo tinham hinos de vitórias da pátria.
Exagerava-se, mentia-se, para se exaltar a população. Em tal lugar, a polícia
foi repelida; em tal outro, recusou-se a atirar sobre o povo. Eu não fui para
casa, dormi pelos cantos da redação e assisti à tiragem do jornal: tinha
aumentado cinco mil exemplares. Parecia que a multidão o procurava como
estimulante para a sua atitude belicosa. O serviço normal da folha fazia-se com
atividade. Os repórteres iam aos lugares perigosos, aos pontos mais castigados
pela polícia, corriam a cidade em tílburis. Nem os revisores nem os seus
suplentes faltavam à chamada; outro tanto sucedia com os tipógrafos e os outros
operários.
Toda essa abnegação
era para garantir os seus mesquinhos empregos. Um pobre tipógrafo, que morava
para a Saúde, onde o transito se fazia com os maiores perigos, ficou todos os
três dias no jornal. Temia ser morto por uma bala perdida. Houvera muitas
mortes assim, mas os jornais não as noticiavam. Todos eles procuravam lisonjear
a multidão, mantê-la naquelas refregas sangrentas, que lhes aumentava a venda.
Não queriam abater a coragem do povo com a imagem aterradora da morte. A
polícia atirava e não matava; os populares atiravam e não matavam. Parecia um
torneio... Entretanto eu vi morrer quase em frente ao jornal um popular. Era de
tarde. O pequeno italiano, na esquina, apregoava os jornais da tarde: Notícia! Tribuna! Despacho!”(
Memórias do Escrivão Isaias Caminha)
Na
canção O Salto o Rappa diz: “Aos jornais
eu deixo meu sangue como capital e às famílias um sinal”
10. É possível
estabelecer uma clara relação entre o trecho acima e a canção? Justifique.
O trecho
propõe uma relação forte entre a violência – em partes comandada pelo próprio
jornal, a venda (a mais) de 5 mil exemplares e o uso do jornal pelo povo como
estimulante para seus atos de violência. Ao propor dessa forma, o autor
estabelece uma relação capital – lucratividade - que o jornal (nesse caso O
Globo onde trabalhava Isaias) tinha com aquele motim no Rio de Janeiro. A
reflexão que a canção O Salto faz de que os jornais receberiam o sangue (representação
de morte) como capital cumpre o mesmo sentido.
A construção de
um herói
O homem que acaba de
morrer não era um homem vulgar. No domínio de sua difícil arte, era uma
notabilidade respeitada. Para nós, era muito mais: era um amigo, um dedicado e
leal amigo a quem muito devíamos e prezávamos. Todos os que mourejam nesta
tenda de trabalho, certamente não hão de esquecê-lo e não há nenhum que não
tenha recebido um favor, uma alegria, uma satisfação de suas mãos.
O público que nos
lê, não sabe o quanto esta vida de jornalista é esgotante e ingrata; não sabe
que soma de energia ela exige e como nos tira os melhores momentos de ócio e os
melhores minutos de prazer. Vivemos por assim dizer para os outros; e quem vive
para os outros, é claro que muito pouco pode viver para si.
Charles de
Foustangel atravessava a nossa vida como um anjo protetor; dele, tirávamos
alguns raros instantes de alegria no meio das agruras que nos cercam. Era de
ver como ele sabia desenvolver um menu,
como imaginava um ‘quitute’ inédito, um prato saboroso, que verve especial punha nos nomes com
que os batizava e que raros gozos eles traziam aos nossos paladares fatigados
por esses hotéis detestáveis que nos impingem solas duríssimas por bifes de
grelha. Quantas ocasiões não fomos nós de mau humor para a mesa de jantar,
enervados, sem vontade de trabalhar, com a encomenda do artigo, da reportagem,
da crônica para o dia seguinte e sem coragem para fazê-los, e nos levantávamos,
graças à brandura do seu tempero e a eurritmia dos seus molhos, satisfeitos,
solertes, cheios de novas energias!
......
Todos os jornais se
referiram ao inditoso Charles de Foustangel e alguns abriram subscrições para
socorrer a família do cozinheiro. Fora do convívio jornalístico, as
manifestações de pesar não foram menores: o Centro dos Estudantes passou um
telegrama de pêsames ao presidente da República Francesa e ao cortejo do
enterro concorreram mais de cinqüenta carros, levando perto de uma centena de
pessoas, entre as quais altas patentes do Exército e Marinha, diretores de
repartições, homens da bolsa, literatos aclamados, revolucionários temidos e um
capitão do Estado Maior, representando o presidente da República.
..............................
Seguiam-se-lhe as
caleças, as vitórias e coupés, transportando
a alta administração, civil e militar, as finanças, as letras e a revolução
profissional, em tocante homenagem ao grande homem que era o cozinheiro do
doutor Ricardo Loberant, diretor-proprietário d'O Globo.
Questão
11. Qual é o juízo crítico que se pode estabelecer
do texto acima?
O trecho, mas, sobretudo, o livro passa a
limpo o cotidiano num jornal fazendo reflexões sobre a produção da notícia, o
poder da mídia e as construções alienantes que essa propõe. Essa é tida como um
quarto poder que subjuga políticos e homens importantes a um jornalista. A
trecho em destaque possui uma crítica sutil à construção de um herói póstumo. O
tal homem não passava de um cozinheiro do diretor do jornal que assume notoriedade
post-mortem depois de uma nota no Jornal O Globo que leva a produção em
cadeia de condolências ao cozinheiro – visto agora como herói. Não é incomum
casos de construções de noticias em cadeia como o Caso Bruno, Menino Hélio ou
outros que a mídia explora e demoniza ou exalta.
Adelermo, antes que
tomássemos qualquer providência, entrou. Correu ao telefone para avisar o
diretor. O doutor Loberant não estava; tinha saído às dez horas para o jornal.
A polícia fora avisada e era preciso que ele o fosse também. Onde estaria? Veio
o Rolim. Adelermo e ele cochicharam. O redator de plantão chamou-me.
— Caminha! Tu vais
aí a um lagar e do que vires não dirás nunca nada a ninguém. Juras?
— Juro.
— Vais à casa da
Rosalina, procurar o doutor Loberant... É preciso discrição, hein? O Rolim não
pode ir, tem que ficar aqui, para o que der e vier... Vai! Mas não fales nada,
nunca!
—
Entra, custe o que custar, recomendou-me Adelermo ao sair, e deu-me dinheiro.
12. Qual
a importância disso para a vida de Isaias?
Justifique
Ao encontrar o diretor do Jornal em plena Orgia na casa de Rosalinda
e deixando-o em situação vexatória ganhou do diretor uma atenção maior. Esse
começou a lhe fazer perguntas de boa amizade.
O diretor achava extraordinário
a formação familiar e educação de Isaias deixando claro para o jovem do
interior que os homens e mulheres do Brasil são quase sempre iletrados e os
primeiros tornam-se malandros, planistas e as mulheres, fêmeas. Depois de ser
elevado a condição de Jornalista, bater em um dos seus colegas e jantar com o
diretor Isaias, por causa da intimidade com Loberant, passou a ser respeitado
no jornal.
O
final...
Chegamos afinal a
uma casa. Lembrei-me da minha casa paterna. Era o mesmo aspecto, baixa, caiada,
uma parte de tijolos, outra de pau-a-pique; em redor, uma plantação de aipins e
batata-doce. Deram-nos água, ofereceram-nos café e continuamos para o Galeão
que estava próximo. Quando chegamos à praia, o dia tinha agonizado de todo.
Fomos a uma venda, pedimos algumas latas de sardinha, pão e vinho. Fomos
servidos em velhos pratos azuis com uns desenhos chineses e as facas tinham
ainda aquele cabo de chifre de outros tempos. À vista deles, dos pratos velhos
e daquelas facas, lembrei-me muito da minha casa, e da minha infância. Que tinha
eu feito? Que emprego dera à minha inteligência e à minha atividade? Essas
perguntas angustiavam-me.
Voltamos de bote
para a ponta do Caju. Durante a viagem a angústia avolumou-se-me. As pás dos
remos, caindo nas águas escuras, abriam largos sulcos luminosos de minúsculas
estrelas agrupadas e todo o barco vogava envolvido naquele estrelejamento,
deixando uma larga esteira fosforescente.
Lembrava-me da vida
de minha mãe, da sua miséria, da sua pobreza, naquela casa tosca; e parecia-me
também condenado a acabar assim e todos nós condenados a nunca a ultrapassar.
A italiana
conversava com o remeiro sobre a pesca. Ela conhecia a vida e fazia perguntas
nítidas
Saltamos
do bonde, no Campo de Sant'Ana, eu e Leda tomamos um carro; o diretor continuou
para o jornal.
Em vão ela me fazia
falar. Respondia-lhe por comprazer. Lembrava-me... Lembrava-me de que deixara
toda a minha vida ao acaso e que a não pusera ao estudo e ao trabalho com a
forca de que era capaz. Sentia-me repelente, repelente de fraqueza, de falta de
decisão e mais amolecido agora com o álcool e com os prazeres... Sentia-me
parasita, adulando o diretor para obter dinheiro.
Às minhas
aspirações, àquele forte sonhar da minha meninice eu não tinha dado as
satisfações devidas.
A má vontade geral,
a excomunhão dos outros tinham-me amedrontado, atemorizado, feito adormecer em
mim com seu cortejo de grandeza e de força. Rebaixara-me, tendo medo de
fantasmas e não obedecera ao seu império.
O carro atravessara
o Largo da Lapa e o seu caminho foi interrompido por uma aglomeração de
populares.
Da caleça, pude ver
o que havia. Era uma mulher das muitas que povoam o largo e proximidades, que
ia entre dois soldados. Recordei-me que já tinha visto aquela fisionomia.
Esforcei-me por lembrar. A minha vida começou a desfilar e quando cheguei à
casa da italiana, lembrei-me que era a amante do Deputado Castro.
Perguntei então a
mim mesmo por que não casara aquela rapariga, por que não vivera dentro dos
costumes tidos por bons. Não achei resposta, mas julguei-me, não sei por quê,
um pouco culpado pela sua desgraça.
O carro chegou e eu
saltei para ajudar Leda a apoiar-se. Paguei ao cocheiro e, na calçada, e a
perguntou-me:
— Não entras?
— Não,
obrigado.
Insistiu
várias vezes, mas recusei. Vim vagamente a pé até ao Largo da Carioca, sem
seguir um pensamento.
Vinha triste e com a
inteligência funcionando para todos os fados. Sentia-me sempre desgostoso por
não ter tirado de mim nada de grande, de forte e ter consentido em ser um
vulgar assecla e apaniguado de um outro qualquer. Tinha outros desgostos, mas
esse era o principal. Por que o tinha sido? Um pouco devido aos outros e um
pouco devido a mim. Encontrei Loberant:
— Então? perguntou
maliciosamente.
— Deixei-a em casa.
— Pois se eu me
tinha separado de vocês de propósito... Tolo! amos tomar cerveja...
Antes de entrar,
olhei ainda o céu muito negro, muito estrelado, esquecido de que a nossa
humanidade já não sabe ler nos astros os destinos e os acontecimentos. As cogitações
não me passaram... Loberant, sorrindo e olhando-mecom complacência, ainda
repetiu:
— Tolo!
Todos os Santos, Rio de Janeiro — 1908
Questões
UESC e Questões de Interpretação
Chegou e eu esperei ainda. Afinal, fui
levado à sua presença. Ao lado, em uma mesa mais baixa, lá estava o Capitão
Viveiros, o tal escrivão, muito solene, com a pena atrás da orelha, o seu olhar
cúpido e a sua papada farta. O delegado pareceu-me um medíocre bacharel, uma
vulgaridade com desejos de chegar a altas posições; no entanto, havia na sua
fisionomia uma assustadora irradiação de poder e de força. Talvez se sentisse tão
ungido da graça especial de mandar, que na rua, ao ver tanta gente mover-se
livremente, havia de considerar que o fazia porque ele deixava. Interrogou-me de
mau humor, impaciente, distraído, às sacudidelas. Repisava uma mesma pergunta;
repetia as minhas respostas.
BARRETO, Lima. Recordações do escrivão Isaías
Caminha. São Paulo: Ática, 1994. p. 63. (Série Bom Livro).
UESC
2010 - 1. Com base no fragmento inserido na obra, está correto o que se afirma
na alternativa
01) A mudança de condição de vida de
Isaías, quando passa de contínuo a repórter no jornal “O Globo”, provoca uma alteração
radical em seus conceitos sobre os outros e sobre si mesmo.
02) O escrivão Isaías Caminha considera os
literatos com os quais conviveu, quando trabalhou na
redação de um jornal, como modelos a imitar no seu fazer literário.
03) O narrador escreve as suas
“Recordações” com o intuito de alcançar a glória literária e, com ela, a
ascensão social.
04) O delegado representa a
autoridade que, movida pelo preconceito, exerce, de forma arbitrária, o poder.
05) O narrador-personagem, ao descrever o
delegado, revela-se imparcial.
[...] Considerei-me feliz no lugar de
contínuo da redação do O Globo. Tinha atravessado um grande braço de mar, agarrara-me
a um ilhéu e não tinha coragem de nadar de novo para a terra firme que barrava
o horizonte a algumas centenas de metros. Os mariscos bastavam-me e os insetos já
se me tinham feito grossa a pele...
De tal maneira é forte o poder de nos
iludirmos, que um ano depois cheguei a ter até orgulho da minha posição.
Senti-me muito ma i s q u e um c
o n t í n u o q u a l q u e r, me smo
ma i s q u e um contínuo de ministro. As conversas da
redação tinham-me dado a convicção de que o doutor Loberant era o homem mais
poderoso do Brasil; fazia e desfazia ministros, demitia diretores, julgava
juízes e o presidente. Logo ao amanhecer, lia o seu jornal, para saber se tal
ou qual ato seu tinha tido o placet desejado do doutor Ricardo.
BARRETO, Lima. Recordações do escrivão
Isaías Caminha. 3. ed. São Paulo: Ática, 1994. p. 99.
UESC
2011 - 2. O texto, articulado com a obra, permite considerar correta a alternativa
01) Isaías Caminha revela-se um ser humano
desprovido de qualquer vaidade.
02)
O n a r r a d o r u t i l i z a , n o
s e u r e l a t o , u m a
l i n g u a g e m essencialmente objetiva e precisa.
03) O narrador atribui tão somente aos
outros a não realização de seus projetos de vida.
04) O narrador reconhece, na narrativa, a
atuação da imprensa de seu tempo como
marcada pela ética e pelo compromisso com o social.
05) Isaías, através do relato de
sua trajetória de vida, mostra o ambiente social como discriminador de pessoas
pobres e de negros e mulatos.