terça-feira, 30 de abril de 2013

Textos complementares para o tema Anistia


Texto Complementar I

Anistia: as dúvidas que persistem

Apesar de ter sido sancionada em 1979, a Lei da Anistia no Brasil completou 30 anos, em 29 de agosto, ainda provocando muita polêmica.  A questão central, diretamente ligada à sua formulação, é que além de anistiar os ativistas que cometeram crimes políticos contra a ditadura militar, a Lei “apagou” delitos comuns, praticados por torturadores, beneficiando quem matou, feriu e manchou de sangue a História do país, sob a proteção do Estado.

Os que defendem a punição dos torturadores consideram essa “proteção” ilegal, alegando que a prática de tortura constitui crime contra a humanidade e não crime político, esse sim, passível de perdão. Desse lado encontram-se a Comissão de Anistia do Ministério de Justiça, membros do Ministério Público Federal e juristas, que se baseiam nas normas usadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA) que defendem o julgamento e a punição dos que cometem crimes contra a humanidade. 



Para essas pessoas não há que se mudar a Lei da Anistia brasileira, pois a legislação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é integrante, impede que leis internas anistiem crimes de tortura.

No rastro desse pensamento, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, em 2008, uma ação civil pública contra dois ex-comandantes reformados das Forças Armadas, responsáveis, em certo período, pelo DOI-Codi de São Paulo. O processo pretende cobrar desses militares as indenizações pagas pela União às vítimas de tortura durante a gestão de ambos. O DOI-Codi foi o principal órgão militar de repressão à oposição política durante a ditadura. O processo aguarda o pronunciamento do STF sobre o assunto.

Do lado oposto está a Advocacia-Geral da União (AGU), que considera, com base na Lei da Anistia, todos os crimes do regime militar, inclusive os de tortura, perdoados. A essa posição se unem outras vozes, como a de políticos, advogados e membros expressivos da sociedade civil brasileira, que defendem a virada de página, considerando que a Lei pacificou o país e consolidou sua democracia, permitindo a volta dos exilados e o fim das perseguições políticas. Para eles, a Anistia deve ser entendida como uma espécie de pacto constitucional para reconciliação política brasileira e como tal deve continuar a ser respeitada.

Indenizações, outro ponto polêmico

O Estado brasileiro reconheceu na Constituição de 1988 as arbitrariedades cometidas durante a ditadura ao estabelecer o pagamento de indenizações a quem requeresse e comprovasse ter sofrido perseguição política durante a ditadura militar. No entanto, só em novembro de 2002 a forma de reparação econômica foi regulamentada pelo Estado e, a partir daí, os processos começaram a ser analisados por advogados e assessores técnicos e julgados por 21 conselheiros da Comissão de Anistia.

Pela legislação, os prejudicados pelo regime que eram na época estudantes ou não tinham emprego formal têm direito a receber o correspondente a 30 salários mínimos por ano, até o teto de R$ 100 mil reais. O ressarcimento daqueles que perderam o emprego e foram impedidos de exercer suas atividades profissionais por perseguição política deve ser estimado pelo que teriam ganho se tivessem continuado na profissão.

Por conta dessa estimativa algumas compensações têm sido particularmente altas e bastante questionadas. Houve quem recebesse mais de R$ 1 milhão, além de uma aposentadoria mensal, pelas perdas durante o período de luta política. Quem sofreu alega que “não há dinheiro que pague” o tempo de clandestinidade, o exílio, as perdas, as humilhações, as torturas e todo tipo de sofrimento causado pela perseguição política, que deixou traumas inesquecíveis e roubou a esperança de tantos jovens brasileiros. Em muitos casos, roubou até a vida deles.

A denúncia de que as indenizações se transformaram numa indústria muito rendosa, praticada por falsos perseguidos e advogados inescrupulosos, vem, principalmente, da ala militar.

Mas, mesmo que a Lei da Anistia e a regulamentação das indenizações sejam imperfeitas e, hoje, comecem a ser questionadas, é preciso lembrar que esse debate só é possível por causa da transparência e da liberdade de expressão que o regime democrático proporciona.  A polêmica, portanto, é saudável e o país não deve ter medo de reavaliar sua História e de corrigir rumos se assim achar melhor.  



Texto Complementar II

MOVIMENTO CONTRA A ANISTIA DOS TORTURADORES A AJD
Por Associação dos Juízes para a Democracia 13/12/2009 às 08:50

APELO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: NÃO ANISTIE OS TORTURADORES!

Exmo. Sr. Dr. Presidente do
Supremo Tribunal Federal
Ministro Gilmar Mendes


Eminentes Ministros do STF: está nas mãos dos senhores um julgamento de importância histórica para o futuro do Brasil como Estado Democrático de Direito, tendo em vista o julgamento da ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito 
Fundamental) nº 153, proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que requer que a Corte Suprema interprete o artigo 1º da Lei da Anistia e declare que ela não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra os seus opositores políticos, durante o regime militar, pois eles não cometeram crimes políticos e nem conexos.

Tortura, assassinato e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade, portanto não podem ser objeto de anistia ou auto anistia.

O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente os carrascos da ditadura militar e é de rigor que seja realizada a interpretação do referido artigo para que possamos instituir o primado da dignidade humana em nosso país.

A banalização da tortura é uma triste herança da ditadura civil militar que tem incidência direta na sociedade brasileira atual.

Estudos científicos e nossa observação demonstram que a impunidade desses crimes de ontem favorece a continuidade da violência atual dos agentes do Estado, que continuam praticando tortura e execuções extrajudiciais contra as populações pobres.

Afastando a incidência da anistia aos torturadores, o Supremo Tribunal Federal fará cessar a degradação social, de parte considerável da população brasileira, que não tem acesso aos direitos essenciais da democracia e nesta medida, o Brasil deixará de ser o país da América Latina que ainda aceita que a prática dos atos inumanos durante a ditadura militar possa ser beneficiada por anistia política.

Estamos certos que o Supremo Tribunal Federal dará a interpretação que fortalecerá a democracia no Brasil, pois Verdade e Justiça são imperativos éticos com os quais o Brasil tem compromissos, na ordem interna, regional e internacional.

Os Ministros do STF têm a nobre missão de fortalecer a democracia e dar aos familiares, vítimas e ao povo brasileiro a resposta necessária para a construção da paz.

Não à anistia para os torturadores, sequestradores e assassinos dos opositores à ditadura militar.

Comitê Contra a Anistia aos Torturadores


http://brasil.indymedia.org/pt/blue/2009/12/460728.shtml


Em 20 de outubro de 1979, Prestes foi recebido pelas suas irmãs e por velhos companheiros da Aliança Nacional em solo nacional, após quase 20 anos de exílio. A anistia se deu por conta da sanção da lei 6.683, em 28 de agosto de 1979, instituída pelo general João Baptista Figueiredo.

A lei concedia anistia a todos os que haviam cometido crimes políticos desde setembro de 1961 até aquela data. Duas mil e duzentas pessoas puderam sair da clandestinidade ou retornar ao Brasil após longo exílio no exterior. Porém, houve reivindicações de movimentos sociais com relação à extensão da anistia.

No trecho abaixo extraído de "A História do Brasil no Século 20: 1960-1980", Oscar Pilagallo explica em detalhes como se deu o processo de anistia no fim da década de 1970 e permitiu a volta do líder revolucionário ao país.

Ao tomar posse, em 15 de março de 1979, Figueiredo deixou claro que levaria adiante o compromisso assumido com Geisel. O propósito de seu governo seria "fazer deste país uma democracia".

Figueiredo tinha uma concepção estreita de democracia. Para ele, como o povo não sabia votar, eleições diretas para presidente não deveriam fazer parte da agenda política. Definidos seus limites, no entanto, a abertura teria prosseguimento. Conhecido pelo estilo direto, que com frequência resvalava em grosseria, o presidente se manifestava com ênfase na defesa da redemocratização. "Prendo e arrebento", afirmava ele, referindo-se aos que se opunham ao processo.

O primeiro teste de Figueiredo foi a anistia. A defesa da anistia "ampla, geral e irrestrita" estava na rua na época da posse. Embora as primeiras manifestações datassem de 1975, o movimento só se intensificou a partir do final do governo Geisel, quando foi revogada parte dos atos de banimento e se facilitou a concessão de passaportes para exilados.

O que se discutia não era propriamente a anistia, mas sua extensão. Os militares não queriam perdoar os que haviam realizado sequestros ou cometido "crime de sangue" durante a luta armada. A oposição, por sua vez, exigia punição aos torturadores.

A reivindicação da sociedade civil não foi atendida, mas isso não impediu que se encaminhasse para o fim do impasse, com a sanção da lei, em 28 de agosto de 1979. Os considerados terroristas não foram anistiados, mas uma redução de penas acabou beneficiando muitos deles. Quanto aos torturadores, acabaram incluídos na anistia, decisão que só não pareceu mais ofensiva às vítimas e a seus familiares devido à morte acidental e misteriosa do maior símbolo da repressão, Sérgio Paranhos Fleury, quatro meses antes da aprovação da lei.

"Era uma anistia pela metade, que atendia os propósitos do governo de permitir o retorno ao Brasil de antigos líderes políticos visando implodir a frente oposicionista", na avaliação de Bernardo Kucinski. "Na origem da anistia como concessão do governo, estava a nova decisão do Palácio [do Planalto], tomada após a contagem dos votos em novembro de 1978, de dissolver o MDB."

Ainda assim, quase 5 mil pessoas foram beneficiadas. Após 15 anos de regime militar - dez dos quais sob o AI-5 -, tornou-se palpável a sensação de que o pior período da ditadura havia ficado para trás. O ciclo autoritário ainda teria um mandato inteiro, mas, no final de 1979 e início de 1980, o clima era de festa. No Rio, exilados iam às praias e, depois de anos de contato com outras culturas, influenciavam o comportamento dos jovens. Em São Paulo, fundava-se, entre outros, o Partido dos Trabalhadores, que pouco mais de 20 anos depois elegeria um ex-operário para a Presidência da República. O "verão da abertura" prenunciava os novos tempos que o Brasil estava prestes a viver.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u640677.shtml

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Em 22 de agosto de 1979, após uma longa luta que começara em 1968 pelo então deputado Paulo Maccarini (MDB-SC), o Congresso Nacional, em tumultuada sessão, aprovava a Lei de Anistia (nº 6683/79).
Naquela ocasião as galerias do Congresso foram totalmente tomadas pelo público e, como queria o governo, foi aprovada a anistia – geral, porque abarcava todos os episódios ocorridos até aquele ano, e recíproca, pois aplicava-se tanto aos opositores do regime quanto aos militares e outros servidores públicos.

Passados 30 anos desde a sua entrada em vigor, a lei de anistia ainda provoca divergências no que tange, principalmente, à sua aplicabilidade e abrangência. Nesta breve análise tratar-se-á da questão da tortura cometida por agentes militares no período da ditadura militar, questionando se esta poderia ser ou não alcançada pela Lei de Anistia.

Primeiramente, faz-se necessário definir o significado de anistia. A palavra “anistia” deriva do grego amnestía que significa esquecimento. Cesar Roberto Bittencourt define anistia como “a forma mais antiga de extinção da punibilidade, conhecida no passado como a clemência soberana – indugencia principis”. Fernando Capez define anistia como sendo a “lei penal de efeito retroativo que retira as conseqüências de alguns crimes já praticados, promovendo o seu esquecimento jurídico”. Nas palavras de Alberto Silva Franco “é o ato legislativo com que o Estado renuncia ao jus puniendi”.

A polêmica existente em relação à Lei de Anistia reside no disposto no artigo 1º e parágrafo 1º dessa lei, que assim versam:

“Art. 1º: É concedida a anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, os que tiverem seus direitos políticos suspensos e os servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

§1º: Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionadas com crimes políticos ou praticados por motivação política (...)”.

A divergência é tanta que recentemente a Ordem dos Advogados do Brasil protocolou uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental no Supremo Tribunal Federal (ADPF/153), na qual questiona a concessão de anistia aos militares, que durante o regime militar, praticaram atos de tortura. Quanto a isto há dois posicionamentos, como se verá a seguir.

O primeiro posicionamento é o da Ordem dos Advogados do Brasil que entende ser impossível a aplicação da anistia aos militares que praticaram atos de tortura. Dentre os diversos argumentos suscitados pela OAB na ADPF, alega-se que os crimes cometidos pelos militares naquela época não eram crimes políticos e sim crimes comuns. De forma que a tortura jamais poderia ter conexão com crimes políticos ou ser considerada como tal. Argumentam, ainda, que embora não expresso explicitamente na Lei 6683/79, a tortura, homicídio e estupro configurariam um terrorismo de Estado, de modo que por ser uma lei recíproca – concedida a todos – o disposto no parágrafo 2º do artigo 1º (“Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”) aplicar-se-ia também aos agentes da repressão e não somente aos opositores do regime.

Entendem, também, que o artigo 1º e parágrafo 1º da lei em questão ofende vários preceitos fundamentais consagrados na constituição Federal tais como o princípio do Estado Democrático de Direito, o princípio republicano, a isonomia social, a dignidade da pessoa humana e o inciso XLIII do artigo 5º da constituição Federal, que considera o crime de tortura como sendo inafiançável e insuscetível de anistia ou graça.

O segundo posicionamento é defendido pela Advocacia Geral da União e, inclusive, pelo Presidente do STF Gilmar Mendes que disse publicamente que a anistia política concedida no final do regime militar teve caráter amplo, geral e irrestrito, abrangendo também os acusados de crimes contra os direitos humanos, como a tortura.

Em parecer enviado ao STF, a Advocacia Geral da União manifestou-se no sentido de que a anistia geral ou absoluta “não conhece exceção de crimes ou de pessoas nem se subordina a limitações de qualquer espécie”. Admite que, em regra, a anistia é dirigida aos chamados crimes políticos, no entanto, nada impede que seja concedida a crimes comuns.

A AGU cita ainda pareceres elaborados pela Ordem dos Advogados do Brasil e Instituto dos Advogados Brasileiros, divulgados na época da promulgação da lei, em que estes consignam que a “anistia representa a conciliação da nação consigo mesma, devendo ser ampla, geral e irrestrita”. E que, embora a tortura mereça repulsa, isso não impede seu reconhecimento pela Lei de Anistia, pois não seria “admissível manter no cárcere umas poucas dezenas de moços a quem a insensatez da luta armada pareceu, em anos de desespero, a única alternativa para a alienação”.

Justifica a Advocacia Geral da União que a Constituição Federal é posterior a Lei de Anistia e em virtude do princípio da anterioridade e o princípio da irretroatividade da lei penal mais severa, não poderia o disposto no inciso XLIII do artigo 5º da CF atingir os militares, até mesmo porque este dispositivo não tem eficácia retroativa. Afirmam, por fim, que não há o que se falar quanto a imprescritibilidade da tortura pretendida por alguns, haja vista que esta é prescritível sendo somente crimes imprescritíveis os crimes de racismo e de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, incisos XLII e XLIV, da Carta Magna).

Concernente ao abordado em relação ao primeiro posicionamento é essencial definir crime político. Na definição de Delmanto os crimes políticos podem ser: “próprios – que somente lesam ou põem em risco a organização política – ou impróprios – que também ofendem outros interesses, além da organização política”. Por esta definição observa-se que, realmente, a tortura não é crime político e sim crime contra a humanidade.

Com efeito, embora não aludido anteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo V já instituía que ninguém seria submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel desumano ou degradante. Tem-se o entendimento que os direitos humanos são os direitos inerentes à própria pessoa humana de modo que estes não precisariam estar expressos numa Constituição. Assim, a tortura, mesmo que implícita na legislação brasileira da época, essa seria tida como crime.

Importante destacar também que, como bem lembrado pela AGU, a Ordem dos Advogados do Brasil já teve entendimento diverso do agora pretendido perante o STF.

Contudo, embora convincentes os argumentos formulados pela OAB, parece que o segundo posicionamento é o mais acertado. A Lei de Anistia não fala de tortura, fala somente de terrorismo. Uma interpretação extensiva do termo “terrorismo” jamais poderia incluir crimes não especificados na lei, porque sequer há regulamentação legal que defina o que é de fato terrorismo.

Fantasioso seria, ainda, acreditar que os militares capturados pelos opositores ao regime não seriam vítima de nenhum tipo de violência ou agressão. Se todos são iguais perante a lei, porque esta parece pesar mais aos militares do que às pessoas comuns?

É bem verdade que o legislador foi infeliz ao utilizar-se da expressão “conexos” ao relacioná-los aos crimes políticos. Porém percebe-se que a expressão “conexos” pode abranger o crime de tortura ao dispor no parágrafo 1º que para efeito do artigo 1º da Lei de anistia “consideram-se conexos os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou pro motivação política” (grifei). Observa-se neste dispositivo que a lei de anistia é irrestrita, isso se verifica também no artigo 1º que concede a anistia a todos quantos.

Se mesmo assim persistir o posicionamento de que os militares que praticaram atos de tortura não foram alcançados pela Lei 6683/79 e supondo que tais crimes não estivessem prescritos, dois institutos do Direito Penal poderiam amenizar ou até excluir a culpa de tais agentes.

A história revela que na época do regime militar o nacionalismo e o patriotismo eram fortemente inculcados na população brasileira. Tanto que a própria legislação militar, em seu estatuto, sempre consagrou como valor o patriotismo, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever militar e solene juramento de fidelidade à Pátria, até com o sacrifício da própria vida (por exemplo: artigo 31, I, da Lei 5774/71).

Este patriotismo constantemente difundido na população e principalmente nas academias militares, além de incentivar e propagar a prática de determinadas atitudes, mesmo que incorretas, pareciam aos alienados por essa idéia serem absolutamente corretas uma vez que visava a proteção da Pátria e a manutenção do Poder Público vigente.

Sabe-se que a forte emoção não exclui a imputabilidade penal, entretanto essa, em determinadas circunstâncias, pode ser considerada como atenuante do crime. Assim, poder-se-ia dizer que a forte emoção ocasionada pela propaganda do patriotismo que, no caso dos militares, sempre foi valor essencial, já seria uma atenuante aos crimes por ele praticados. Contudo, para aqueles que estão respondendo a um processo, a mera atenuação da pena não seria algo de grande valia.

Assim, não é absurdo sustentar que grande parte militares que praticaram atos de tortura durante o regime militar não cometeram crimes. Dentre os deveres e obrigações dos militares estão, e sempre estiveram, a necessidade ética militar de cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes, sendo essencial a disciplina e o respeito à hierarquia. Se o país era governado por militares, ditadores e regulamentado por Atos Institucionais abusivos, como poderia o militar recusar-se a praticar determinado ato? Além da pressão exercida pelo governo, existia também a disposição penal militar que considerava crime o descumprimento de qualquer dever ou obrigação instituída do estatuto militar.

Portanto, se considerarmos crime como fato típico, antijurídico e culpável, na questão dos militares, não há o que se falar em crime por faltar um dos elementos da culpabilidade, qual seja, a exigibilidade de conduta diversa.

A doutrina corrobora no sentido de que a coação moral irresistível e a obediência hierárquica são causas de inexigibilidade de conduta diversa. Esta inexigibilidade é a impossibilidade do agente agir de maneira diversa daquela praticada. Como dito alhures, a maioria dos militares poderiam utilizar-se de ambas as hipóteses (coação moral irresistível e obediência hierárquica) para justificarem suas ações.

É certo que o artigo 22 do Código Penal delega a responsabilidade do fato criminoso ao autor da coação ou da ordem. Difícil seria encontrar o autor da ordem, visto que a opressão era regulamentada em lei através de Atos Institucionais e realizada com a aprovação dos Presidentes.

Pessimista, porém realista, é concluir que os reais responsáveis pelas torturas e atrocidades praticadas na época da ditadura jamais seriam devidamente responsabilizados. Cabendo às vítimas de tais torturas a mera indenização civil pelo Estado.

Pelo exposto, a Lei de Anistia parece ter alcançado também os militares que praticaram atos de tortura, porém efetivamente, esta questão só será resolvida quando o Supremo Tribunal Federal julgar a ADPF nº 153.


Bibliografia

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal: volume 1: parte geral (arts. 1º a 120)/ Ricardo Antonio Andreucci – 3 ed. Atual. E aum.- São Paulo: Saraiva, 2004.

BITTENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: volume 1./ Cesar Roberto Bittencourt – 10ed. –São Paulo: Saraiva, 2006.

CAPEZ, Fernando.Curso de direito penal, volume 1 : parte geral (arts. 1º a 120) / Fernando Capez. — 11. ed. rev. e atual. — São Paulo :Saraiva, 2007.

COMPARATO, Fabio Konder, 1936. A afirmação histórica dos direitos humanos/ Fabio Konder Comparato -3ed.rev.eampl.- São Paulo: Saraiva, 2003

DELMANTO, Celso..[et.al]. Código Penal Comentado – 6ed.atual.eampl.- Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação penal especial/ Victor Eduardo Rios Gonçalves. – 5ed.reveatual. – São Paulo: Saraiva, 2007

NOSSO TEMPO- A cobertura jornalística do século. São Paulo: Klick Editora:1995


segunda-feira, 29 de abril de 2013

Vamos dançar hoje? Dia Mundial da dança!



         Dos ritos religiosos aos pagodes e arrochas do século XXI a dança sempre esteve presente no cotidiano do homem. Ela auxiliou em revoluções e também se fez presente na forma de esconder a arma de luta e da cultura do negro do Brasil colonizado. Antes de polir a pedra e construir abrigos, os homens já se movimentavam ritmicamente para se aquecer e comunicar.
        Considerado a mais antiga das artes, a dança é também a única que dispensa materiais e ferramentas. Ela só depende do corpo e da vitalidade humana para cumprir a sua função. 
        Já foi arma de sedução nos tempos das Cleópatra, fez sucesso com a dança do ventre do médio oriente e Gueixas chinesas associam a dança ao poder maior da sedução humana.
A dança, junto com canções, ajudaram o Brasil no tropicalismo como forma de conquistar a liberdade em tempos de Ditatura e é a expressão corporal que mais associa-se aos instintos.
       Com o tempo, o homem em suas diferentes culturas desenvolveu formas mais técnicas para essa expressão. Surge o Ballet, o sapateado  e as danças rítmicas, todas associadas as formas como o homem se entretinha.

Quer conhecer mais? Vá ao evento promovido pela FICC
Roberto José da Silva

Vamos dançar? 

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Redação de memória no século XXI de Jéssika Morais - Perfeita!!!!

Aluna: Jéssica Ferreira Morais
Tema: Crise da memória no século XXI
A persistência da memória
                A história é feita pelo viés da memória. Partindo dessa égide, dos Hitlers aos Che Guevaras, a identidade dos povos foi sendo construída e a essa tornou-se um espaço de luta política. Entretanto, a sociedade pós-moderna do século XXI trouxe consigo o esvaecimento da memória e, desse modo, transformou o homem em um ser desmemoriado.
                O fascismo, comunismo, nazismo e todos os outros ismos totalitários produziram, ao longo dos tempos, as mais pavorosas cenas de intolerância que iniciaram como utopias e terminaram como barbáries. Nesse contexto, as fogueiras, guilhotinas, os campos de concentração e o Index dos livros proibidos fazem parte da nossa história e da nossa realidade. Tais fatos nos permitem ressaltar a importância da memória como um espaço de luta política, em que é construída a identidade de cada povo junto as suas derrotas e vitórias.

                Contudo, o homem pós-moderno perdeu a capacidade de conservar e fazer recordar as imagens e sensações recebidas do mundo. Nessa perspectiva, a era da informação, da descartabilidade e dos excessos trouxe a destruição dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas. Dessa forma, os homens crescem numa espécie de presente contínuo, em que se é valorizado mais o novo do que o antigo, mais o jovem do que o velho, mais o futuro do que o passado.

                Para Silvio Tendler, a forma como recordamos a nossa vida nos é dada pelos instrumentos que são oferecidos pela sociedade. Assim, a mudança nessa questão exige mudança social. Partindo dessa verdade, cabe a nós compreendermos que a relação entre história, memória e identidade é indissociável e fazer com que as nossas lembranças sejam os degraus para a construção de um futuro melhor, afinal, somos aquilo que nos lembramos e não podemos esquecer das nossas lutas.














Redação Mil sobre a Crise da memória no século XXI de Márcio Porto



                                                            Resgate evolutivo
   No bojo da relatividade contemporânea, a humanidade encontra-se mergulhada em uma de suas máximas – a velocidade. Tal égide condena a sociedade a uma constante mutação que nem sempre leva ao aprimoramento do homem. Analogamente, o exercício da memorização vai perdendo espaço perante o grande acervo informacional que assola constantemente as inúmeras associações pós-modernas.
   É fato que, do limiar do extinto século XX ao recente século XXI o homem transpôs um significativo número de barreiras que lhe proporcionou uma evolução notável. Portanto, dos meios de comunicação aos meios de produção, o aumento do arsenal tecnológico garantiu mudanças nas relações homem-terra, homem-sociedade, homem-eu. Contudo, diante dessas transformações, a capacidade memorial da espécie perde a sua importância e o seu espaço gradativamente para as constantes explosões informacionais que inundam a vida atual. Por conseguinte, evidencia-se a formação de indivíduos sem um passado cultural e social.

   Partindo desses aspectos, na atual conjuntura da humanidade, o sincero descaso que acomete a memória, é responsável por gerar danos que vão da esfera psicológica à ambiental. Como resultado, no período que se desdobra, há uma expressiva formação de sujeitos sem uma identidade social e sem o sentimento de pertencimento ao panorama que os cercam. Logo, essa não identificação, fruto da falta de reminiscência, pode culminar no mal que mais se alastra no século XXI – a depressão. Somando-se a essa configuração, e nessa mesma tangente, as lembranças de acontecimentos diversos como as Grandes Guerras Mundiais ou até mesmo a recente Primavera Árabe, servem para ratificar a importância da memória, ao passo que, mostra ao homem os tortuosos caminhos gerados pela intolerância, pela violência e pela escassez da clarividência.
   Para Eduardo Galeano, a memória não perde o que merece ser salvo. Desse modo, a humanidade – sem discriminar os fatos - deve-se recordar constantemente de seus feitos e das consequências geradas por tais. Assim, prosseguirá na trilha da evolução. Afinal, parafraseando Salvador Dali, é admitindo a persistência da memória que o homem conhece o passado, entende o presente e projeta perspectivas para o futuro.

Seja um agente de Cultura e Cidadania em Itabuna


quarta-feira, 24 de abril de 2013

Ganhe R$ 400 reais e ainda transforme Itabuna em uma Cidade de Paz


A Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania está selecionando jovens de 18 a 29 anos para participarem do Projeto Agentes de Cultura e Cidadania. O projeto tem o objetivo de formar agentes multiplicadores de cultura e cidadania, que possam contribuir com a transformação da realidade em que se encontram as comunidades carentes e periféricas de Itabuna, promover cidadania e inclusão social de jovens e suas comunidades, por meio da cultura e arte-educação, além de valorizar o talento regional e auxiliá-lo no seu desenvolvimento. A 1ª fase do projeto terá duração de 08 meses, e pelo trabalho de 20h semanais os agentes receberão uma bolsa auxílio no valor de R$ 400,00. Para maiores informações acesse o edital no diário oficial, na página da Prefeitura Municipal de Itabuna: http://www.itabuna.ba.io.org.br/diarioOficial/download/353/84/0 



quinta-feira, 11 de abril de 2013

Orientação para os alunos do curso de Itabuna


Oi gente....
Sei que vcs do terceiro ano estão numa correria para terminar as provas...desejo sucesso para vcs tá...
Eis nossas tarefas:
1.       Já coloquei no blog o tema de redação que deverá ser mandado por e-mail até domingo à  noite. É sobre a memória no século XXI. Tem uma relação com as discussões que fizemos a partir do filme utopia e Barbárie.
O prazo desse texto é irrevogável para evitarmos também atrasos na entrega.
2.       Na próxima aula faremos atividades relacionadas ao Barroco, estudaremos arcadismo e faremos uma atividade envolvendo temas transversais.
Para a realização dessa atividade vocês escolheram um tema entre ética, trânsito, meio ambiente  -orientação sexual – pluralidade cultural e demais  temas....
O que  fazer?
a)      Estudar o que é um tema transversal e ver qual é o recorte pedido para o seu tema. Com base nele faça uma seleção de argumentos que poderia ser utilizado.
b)      Pesquise questões  recentes relacionadas ao seu tema
c)       Produza uma proposta de redação baseada no seu tema ou verifique se há algum processo seletivo que fez uma redação baseada nesse tema transversal e traga para a proxima aula.
Lembrem-se de assistir aos filmes Zuzu Angel, Utopia e barbárie e O que é isso companheiro e de lerem o Livro  A Arte da  Guerra.

Boa Semana para todos 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A UFBA vai adotar o ENEM para 2014


Depois da visita do diretor da INEP professor Luiz Cláudio Silva e das discussões feitas sobre o SISU a Universidade Federal da Bahia adotará no ano de 2013 para o Processo Seletivo de 2014 o ENEM como única forma de Acesso à instituição, abolindo a 2º fase com provas discursivas.
Na semana passada, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), anunciou o fim do vestibular para aderir ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), seguindo o exemplo da Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Federal Fluminense (UFF), Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e praticamente 100 outras universidades públicas de todo o País que passaram a usar o Sisu.
Agora....estudar por matrizes para garantir uma vaga.
Os alunos que foram entrevistados por esse blog sobre o assunto se disseram tranquilos e já acostumados com o sistema do Enem. 

domingo, 7 de abril de 2013

Religiosidade no Séc XXI Redação nota mil de Paulo Ramires....



Sei que alguns de vocês resolveram aproveitar essa semana como de um feriadão e descansar, mas que tal aproveitar o ensejo da festa para refletir sobre um tema importante nos próximos processos seletivos? 

 Religiosidade no século XXI.


Quem não assistiu aula deve pesquisar um pouco sobre o tema e seguir  uma das linhas delineadas abaixo:
1.   a)  Fazer um passeio sobre as grandes religiões e seu poder em outras eras e na contemporaneidade.  EX: O protestantismo e o capitalismo, o catolicismo e a expansão marítima,  o mundo islâmico e a primavera árabe.
2.    b)   A fé é o tema da campanha da fraternidade esse ano. Trabalhar o tema da fé ainda movendo o homem, mesmo com os avanços da ciência.
3.  c) Outros recortes como a religiosidade como elemento de construção da sociedade serão aceitos....

Leiam – há muitos textos sobre o assunto. Digitem no Google. Vejam o de Frei Betto religião X espiritualidade. O papa Joseph escreve também sobre a religiosidade no século XXI. Muito interessante.

 lembrem-se o poder das Igrejas ainda realizam guerras santas - Veja que  a Guerra  contra o Terror é de Deus contra Alá e o mundo àrabe ainda é dominado pela Igreja no Poder. 

Redação de  Paulo Ramires 





No limiar do século XXI, a sociedade é confrontada com inúmeras culturas religiosas. Contrariando as expectativas iniciais de que a religião acabaria por enfraquecer em face da evolução da ciência e da lógica, ela está extremamente viva na contemporaneidade. Assim, os homens continuam indo para guerras e sendo mortos entre bênçãos e orações.   
Desde o surgimento das primeiras civilizações que a religiosidade desempenha um papel central na vida dos homens. Partindo dessa máxima, o mítico surge como sustentação para a vida e para os atos racionais dos seres humanos. A sociedade pós-moderna amplia essa base com uma pluralidade de culturas religiosas, e o acesso fácil a qualquer cultura, seja por meio físico ou virtual, acaba por estimular a necessidade de o homem conhecer melhor o seu interior. Com a internet e a movimentação de pessoas, um hindu é questionado mais facilmente o porquê dele crer em vários deuses e o protestante apenas em um deus.
A religião é, historicamente, o instrumento mais amplo e efetivo de legitimação. De César e seu império ao Iraque e suas facções, que o sangue derramado em guerras é lavado com água benta e abençoado com palavras santas. Sustentando essa égide, o muçulmano, em sua essência, ratifica o expansionismo violento através do Jihad, uma espécie de “esforço” para levar a teoria do Islã a outras culturas, assim como Santos Agostinhos, expões a doutrina da guerra justa no cristianismo, servindo de justificativa para as Cruzadas e para as guerras preventivas contra o Terror na contemporaneidade.
Platão apregoava que a espiritualidade independente de qualquer crença e, deve ser levada seriamente, com total convicção de que foi uma escolha pessoal. No bojo dessa premissa, o homem pós-moderno alimenta a cultura da fé e se faz crente tão quanto os seus antepassados, mesmo tendo ao seu redor uma cultura imperante de superficialidade e individualismo.





Barroco - Capítulo XVII do livro O mundo de Sofia



Gente,
Não há melhor forma de entender o Barroco no seu contexto se não for lendo esse capítulo. Bom proveito!!!!!


CAPÍTULO XVII: O BARROCO
“... da mesma matéria de que são feitos os sonhos...” .
Durante alguns dias, Sofia não teve mais notícias de Alberto, mas procurou por
Hermes no jardim várias vezes ao dia. Dissera à mãe que o cão fora sozinho para casa, e o
seu dono, um velho professor de física, a convidara para tomar café. Ele falara a Sofia
acerca do sistema solar e da nova ciência que nascera no século XVI.
Contou mais a Jorunn. Falou-lhe da sua visita a Alberto, do postal no vão da
escada e da moeda de dez coroas que encontrara no caminho para casa. Mas guardou para
si o sonho com Hilde e a história do crucifixo de ouro.
Na terça-feira, dia 29 de Maio, Sofia estava na cozinha e enxugava a louça,
enquanto a mãe via as notícias na sala de estar. Quando a música de abertura esmoreceu,
Sofia ouviu na cozinha que um major do contingente norueguês da ONU fora morto por
uma granada.
Sofia deixou cair o pano da louça no lava-louça e correu para a sala de estar.
Durante alguns segundos tremeluziu uma fotografia do soldado da ONU na tela - depois, as
notícias continuaram.
- Oh, não! – exclamou Sofia. A sua mãe voltou-se.
- Sim, a guerra é terrível...
Sofia desfez-se em lágrimas.
- Mas, Sofia. Não é assim tão grave.
- Disseram o nome dele?
-Sim... mas já não me recordo. Ele era de Grimstad.
- Isso não é o mesmo que Lillesand?
- Não, estás a brincar?
- Mas quando se é de Grimstad, também se pode ir à escola em Lillesand. Já não
chorava. Por sua vez, a mãe reagiu. Levantou-se e desligou o televisor.
- Mas que excessos são estes, Sofia?
- Ah, nada...
- Sim, tem de haver alguma coisa! Tu tens um namorado, e eu começo a acreditar
que ele é muito mais velho que tu. Responde-me agora: conheces algum homem no
Líbano?
- Não, não é bem isso...
- Conheces o filho de alguém que esteja no Líbano?
- Não, ouve. Eu nem sequer conheço a filha dele!
- De quem é que estás a falar?
- Não tens nada a ver com isso.
- Ah, não?
- Talvez devesse ser antes eu a interrogar. Porque é que o pai nunca está em casa?
Talvez porque vocês sejam demasiado cobardes para se separarem? Terás um namorado do
qual o pai e eu nada sabemos? E assim por diante. Ambas temos as nossas perguntas.
- De qualquer modo, acho que temos de conversar uma com outra.
- Talvez. Mas agora estou tão cansada que prefiro ir para a cama. E além disso,
estou com o período.
Saiu da sala a correr com um nó na garganta.
Mal saíra da casa de banho e se enfiara nos lençóis, a mãe entrou no quarto. Sofia
fingiu que dormia, apesar de saber que a mãe não acreditava. Também sabia que a mãe
sabia que Sofia sabia que ela não acreditava nisso.
No entanto, a mãe fez como se Sofia já estivesse a dormir.
Sentou-se ao canto da cama e acariciou-lhe a cabeça. Sofia pensou como era difícil
levar uma vida dupla. Começava a alegrar-se com o fim do curso de filosofia. Talvez
terminasse até ao dia dos seus anos - ou pelo menos até à noite de S. João, quando o pai de
Hilde regressasse do Líbano...
- Eu queria fazer uma festa no meu aniversário - afirmou então.
- É uma boa idéia. E quem queres convidar?
- Muitas pessoas... posso?
- Claro. Temos um jardim grande. E talvez o bom tempo se mantenha.
- Mas, de preferência, eu gostaria de festejar só na noite de S. João.
- Está bem, então fazemos isso.
- É um dia importante - afirmou Sofia, e não estava a pensar apenas no seu
aniversário.
- Ah...
- Acho que me tornei tão adulta nos últimos tempos.
- Sim, não é bom?
- Não sei.
Sofia mantivera a cabeça enterrada na almofada enquanto falavam. A mãe sondou
então:
- Mas Sofia, tens de me contar porque é que... porque é que agora estás tão
desequilibrada.
- Tu não eras assim com quinze anos?
- Certamente. Mas tu sabes o que quero dizer.
Sofia voltou-se para a mãe.
- O cão chama-se Hermes - afirmou.
- Sim?
-Pertence a um homem chamado Alberto.
- Ahá.
- Ele mora na parte antiga da cidade.
- Foste tão longe atrás do cão?
- Mas não é perigoso.
- Tu disseste que o cão já tinha estado aqui outras vezes.
- Sim!
Sofia tinha de refletir. Ela queria revelar o máximo que lhe era possível, mas não
podia contar tudo.
- Tu quase nunca estás em casa - começou.
- Não, estou muito ocupada.
-Alberto e Hermes já estiveram aqui muitas vezes.
- Mas por quê? Também já estiveram dentro de casa?
- Podes fazer uma pergunta de cada vez? Eles não estiveram na casa. Mas vão
freqüentemente passear no bosque. Achas isso estranho?
- Não, isso não é nada estranho.
- Como todos os outros, passam pelo nosso portão ao passearem. Uma vez em que
eu vinha da escola, Hermes farejava aqui à volta. Foi deste modo que eu conheci o Alberto.
- E quanto ao coelho branco e todas as outras coisas?
- Foi o Alberto que falou nisso. É que ele é um verdadeiro filósofo. Falou-me dos
filósofos
- Assim por cima da vedação do jardim?
- Não, sentamo-nos. Mas ele também me escreveu cartas, bastantes. Por vezes,
vieram pelo correio, outras vezes ele pô-las na nossa caixa do correio ao passar.
- Essas eram então as "cartas de amor" de que falamos.
- Só que não eram cartas de amor.
- Ele só escreveu sobre filósofos?
- Sim, imagina tu. E já aprendi mais com ele do que em oito anos de escola. Já
ouviste falar, por exemplo, de Giordano Bruno, que morreu na fogueira em 1600? Ou da lei
da gravitação de Newton?
- Não, há muita coisa que eu não sei...
- Se bem te conheço, nem sequer sabes por que é que a Terra gira à volta do Sol, e
não o contrário.
- Que idade é que ele tem, aproximadamente?
- Não faço idéia. Pelo menos cinqüenta.
-E o que é que ele tem a ver com o Líbano?
Isso era mais complicado. Sofia pensou em dez respostas possíveis ao mesmo
tempo. Depois escolheu a única que lhe parecia credível:
- O irmão do Alberto é major na ONU. E ele é de Lillesand. Deve ter morado a
certa altura na cabana do major.
-Alberto não é um nome um pouco estranho?
- Talvez.
- Soa a italiano.
- Eu sei. Quase tudo o que é importante vem da Grécia ou da Itália.
- Mas ele fala norueguês?
- Sim, fluentemente.
- Sabes o que acho, Sofia? Acho que devias convidar o Alberto para nossa casa.
Nunca estive com um verdadeiro filósofo.
- Vamos ver.
- Talvez o possamos convidar para a tua grande festa.
É divertido misturar as gerações. E nessa altura, eu podia estar também presente.
Eu poderia servir à mesa. Achas uma boa idéia?
- Sim, se ele quiser. De qualquer modo, é muito mais interessante conversar com
ele do que com os rapazes da minha turma. Mas... nesse caso, todos acharão que o Alberto
é o teu namorado.
- Então, dizes-lhes que isso não é verdade.
- Vamos ver.
- Sim, vamos ver. E Sofia - é verdade que nem tudo foi fácil entre mim e o pai.
Mas eu nunca tive um namorado...
- Agora, quero dormir. Tenho uma dor de barriga horrível.
- Queres uma aspirina?
- Está bem. Quando a mãe voltou com um comprimido e um copo de água, Sofia já
tinha adormecido. O dia 31 de Maio era uma quinta-feira. Sofia esteve preocupada durante
as últimas aulas. Em algumas disciplinas tinha melhorado desde que o curso de Filosofia
começara.
Na maioria das disciplinas estivera sempre entre "bom" e "muito bom"; mas nos
últimos meses tinha conseguido um "muito bom" num trabalho escrito de ciências humanas
e numa composição de casa. Na matemática as coisas não estavam tão bem...
Na última aula, o professor entregou uma composição que tinha corrigido. Sofia
tinha escolhido o tema "O homem e a técnica". Escrevera sobre o Renascimento e o
desenvolvimento científico, sobre a nova visão da natureza, sobre Francis Bacon, que
afirmara "saber é poder", e sobre o novo método científico.
Explicara detalhadamente que o método empírico era mais antigo do que as
invenções técnicas. Escrevera depois o que lhe ocorrera acerca das desvantagens da técnica.
Tudo o que os homens faziam podia resultar no bem ou no mal, escrevera no fim. Bem e
mal eram como um fio branco e um fio preto que se estavam sempre a entrelaçar. Por
vezes, ambos os fios estão tão unidos que é impossível separar um do outro.
Ao entregar as composições, o professor olhou para Sofia e piscou-lhe o olho.
Teve um cinco, e o professor perguntou: - Como é que sabes isso tudo?
Sofia agarrou numa caneta de feltro e escreveu em maiúsculas na folha: "Eu
Estudo Filosofia". Ao fechar o livro de exercícios, algo caiu das páginas do meio. Era um
postal ilustrado do Líbano. Sofia debruçou-se sobre a mesa e leu:
“Querida Hilde: Quando leres isto, já teremos falado ao telefone acerca da trágica
morte ocorrida aqui. Por vezes, pergunto-me se a guerra e a violência não poderiam ser
evitadas se os homens pudessem pensar de outro modo. Talvez o melhor meio contra a
guerra e a violência fosse um pequeno curso de filosofia. Que tal um "Pequeno livro de
filosofia da ONU" - de que cada novo cidadão do mundo receberia um exemplar na língua
materna? Vou expor esta idéia ao secretário-geral.
Ao telefone, contaste que agora já prestas mais atenção às tuas coisas. Isso é bom,
porque és realmente a maior cabeça de vento que eu conheço. Depois, disseste que desde a
nossa última conversa apenas perdeste uma moeda de dez coroas. Farei o possível para te
compensar. Eu estou muito longe de casa, mas ainda tenho uma mão amiga na velha pátria.
(Se encontrar a moeda de dez coroas, junto-a ao teu presente de aniversário).
Beijos do pai, que tem a sensação de já ter iniciado a longa viagem de regresso”.
Sofia acabara de ler o postal quando a aula terminou.
De novo se desencadeou uma forte tempestade de pensamentos na sua mente.
No pátio da escola, Jorunn esperava por ela como sempre.
A caminho de casa, Sofia abriu a sua pasta da escola e mostrou à amiga o postal.
- De quando é o carimbo? - perguntou Jorunn.
- De certeza que é de 15 de Junho...
-Não, espera... aqui está 30-5-1990.
- Isso foi ontem... ou seja, no dia a seguir à tragédia no Líbano.
- Não acredito que um postal leve apenas um dia do Líbano até à Noruega - refletiu
Jorunn.
-Pelo menos não com esta direção: Hilde Mõller Knag, a/c Sofia Amundsen,
Escola Secundária Furulia...
- Achas que veio pelo correio? E o professor meteu-o simplesmente no livro?
-Não faço idéia. E também não sei se me atrevo a perguntar.
Não falaram mais acerca do postal.
- Na noite de S. João, vou fazer uma grande festa no jardim - contou Sofia.
- Com rapazes?
Sofia encolheu os ombros.
- Não precisamos de convidar os mais bobos.
- Mas vais convidar Jõrgen?
- Se quiseres. Talvez convide o Alberto Knox.
- Deves estar doida.
- Eu sei.
Não falaram mais, e separaram-se no supermercado. A primeira coisa que fez
quando chegou a casa foi procurar Hermes no jardim. E nesse dia, ele andava de fato entre
as macieiras.
- Hermes!
O cão ficou parado por um momento. Sofia sabia exatamente o que se iria passar
nesse segundo. O cão ouvira-a chamar, reconhecera a sua voz e decidira verificar se ela
estava ali, e de onde viera o ruído. Só então a descobriu e decidiu correr para ela. As suas
quatro pernas desataram a agitar-se.
Era de fato muito para um só segundo.
Foi ter com ela a correr, abanou a cauda energicamente e saltou para ela.
-Bonito cão, Hermes! Não... não, pára de lamber, estás a ouvir? Senta... assim,
sim!
Sofia abriu a porta de casa. Sherekan surgiu então dos arbustos. O animal estranho
era um pouco sinistro para o gato. Mas Sofia colocou comida no prato dele, pôs sementes
no comedouro dos pássaros, deixou à tartaruga uma folha de alface e escreveu um bilhete à
mãe.
Escreveu que queria levar Hermes para casa e que telefonaria caso não pudesse
estar em casa antes das sete.
Depois, puseram-se a caminho pela cidade. Desta vez, Sofia tinha trazido dinheiro.
Pensou em apanhar o ônibus com Hermes, mas depois se lembrou que Alberto
podia não estar de acordo.
Ao andar atrás de Hermes, começou a pensar no que era um animal. Qual era a
diferença entre um cão e um homem? Ela ainda sabia o que Aristóteles dissera a esse
respeito. Afirmara que homens e animais eram seres vivos com muitas semelhanças
importantes. Mas havia também uma diferença essencial entre um homem e um animal, a
razão.
Como é que ele tinha a certeza desta diferença?
Demócrito, por seu lado, não vira uma grande diferença entre homens e animais,
visto que ambos são compostos por átomos. Também não acreditava que homens ou
animais tivessem almas imortais. Acreditava que a alma era formada por pequenos átomos
que se separavam em todas as direções quando as pessoas morriam. Para ele, a alma do
homem estava indissociavelmente ligada ao cérebro.
Mas como é que a alma podia ser constituída por átomos? É que a alma não podia
ser tocada, ao contrário de todas as outras partes do corpo. Era algo "espiritual".
Tinham atravessado a praça principal e aproximavam-se da parte antiga da cidade.
Quando chegaram ao local onde Sofia encontrara a moeda de dez coroas, o seu olhar
dirigiu-se instintivamente para o chão. E ali – precisamente ali, onde já se inclinara uma
vez para apanhar uma moeda de dez coroas - estava agora, com a fotografia virada para
cima, um postal ilustrado. A fotografia mostrava um jardim com palmeiras e laranjeiras.
Sofia baixou-se e apanhou o postal. Simultaneamente, Hermes começou a rosnar.
Parecia não gostar que Sofia tivesse agarrado no postal.
No postal estava escrito:
“Querida Hilde!
A vida consiste numa cadeia interminável de coincidências. Não é totalmente
inverossímil que as dez coroas que perdeste tenham chegado aqui. Talvez uma senhora
idosa, que esperava pelo ônibus para Kristiansand, a tenha encontrado na praça principal de
Lillesand. Em Kristiansand, apanhou o comboio para visitar os seus netos, e muitas horas
mais tarde pode ter perdido aqui a moeda de dez coroas. Em seguida, é possível que essa
moeda tenha sido apanhada mais tarde por uma moça que precisava de dez coroas para
poder ir para casa de ônibus. Nunca se pode saber, Hilde, mas se foi mesmo assim temos de
nos questionar de fato se não há uma providência divina por trás de tudo.
Beijos do pai que em pensamento já está sentado na doca em Lillesand.
P.S.: Eu bem disse que ia ajudar-te a procurar as dez coroas.”
Como endereço, estava escrito no postal: "Hilde Mõller Knag, a/c de uma
transeunte acidental..." O postal tinha o carimbo do dia 15 de Junho.
Sofia subiu os degraus atrás de Hermes. Quando Alberto abriu a porta, disse:
- Sai do caminho, velhote. Aqui vem o correio!
Ela achava que naquele preciso momento tinha uma boa razão para estar um pouco
irritada. Ele deixou-a entrar. Hermes deitou-se debaixo dos cabides, como na vez anterior.
- O major deixou um novo cartão de visita, minha filha?
Sofia olhou para Alberto. Só então descobriu que ele trazia um traje novo. Reparou
primeiro numa comprida peruca encaracolada.
Além disso, trazia um fato comprido largo com muitas rendas. À volta do pescoço
tinha um vistoso lenço de seda e sobre o fato uma capa vermelha.
Trazia meias brancas e, nos pés, elegantes sapatos de verniz, com laços. No
conjunto, fazia lembrar aqueles quadros representando a corte de Luís XIV que Sofia já
tinha visto.
- Que pavão! - comentou, entregando-lhe o postal.
- Humm... e tu encontraste de fato as dez coroas precisamente no local onde o
postal estava hoje?
- Precisamente ali.
- Ele está cada vez mais atrevido. Mas talvez isto seja bom.
- Porquê?
- Assim será mais fácil desmascará-lo. Esta encenação é realmente empolada e
repugnante. Cheira a perfume barato.
- Perfume?
- Tem um efeito indiscutivelmente elegante, mas é apenas uma brincadeira. Vês
como ele ousa comparar os seus fracos métodos de vigilância com a providência divina?
Ergueu o postal. Depois o rasgou em pedaços tal como o anterior. Para não
perturbar ainda mais o seu estado de espírito, Sofia não mencionou o postal que encontrara
no livro da escola.
- Vamos sentar-nos na sala de estar, cara discípula. Que horas são?
- Quatro.
- Hoje vamos falar sobre o século XVII. Foram para a sala que tinha o teto
inclinado e a clarabóia. Sofia reparou que Alberto substituíra alguns objetos desde a última
vez.
Na mesa via-se um antigo cofre com uma coleção de diversas lentes. Ao lado,
estava um livro aberto. Era muito antigo.
- O que é isto? - perguntou Sofia.
- É uma primeira edição do famoso livro de “René Descartes”, “O Discurso do
Método”. É do ano de 1637 e é um dos meus objetos mais estimados.
- E o cofre... - ... contém uma coleção exclusiva de lentes - ou vidros óticos. Foram
polidos por volta de meados do século XVII pelo filósofo holandês “Espinosa”. Ficaramme
caras, mas também são das minhas preciosidades mais valiosas.
- Eu compreenderia sem dúvida melhor o valor do livro e do cofre se soubesse
alguma coisa sobre Descartes e Espinosa.
-Claro. Mas vamos tentar primeiro familiarizar-nos um pouco com a sua época.
Sentemo-nos.
E sentaram-se como na vez anterior, Sofia numa poltrona grande e Alberto no sofá.
Entre eles estava a mesa com o livro e o cofre. Quando se sentaram, Alberto tirou a peruca
e pô-la na escrivaninha.
- Vamos falar agora sobre o século XVII - ou a época que é designada por
“Barroco”.
- Barroco? Não é um nome estranho?
- A designação "barroco" provém de uma palavra que significa na realidade
"pérola irregular". Típico da arte do Barroco eram as formas exuberantes e com muitos
contrastes, ao contrário da arte do Renascimento, mais simples e harmoniosa. O século
XVII é caracterizado pela tensão entre opostos inconciliáveis.
Por um lado, continuava a haver a visão otimista do mundo como no
Renascimento – por outro, muitos se agarraram ao extremo oposto e levavam uma vida de
recusa do mundo e retiro religioso. Na arte e na vida real encontramos uma ostentação
pomposa de vida.
Simultaneamente, surgiram os movimentos monásticos que renunciavam ao
mundo.
- Palácios imponentes e mosteiros escondidos, portanto.
- Sim, podes dizê-lo assim. Um chavão do Barroco era o provérbio latino "carpe
diem" - que significa: "goza o dia!". Um outro provérbio latino muito evocado diz:
"memento mori" - e significa:
"Recorda que tens de morrer!". Na pintura, o mesmo quadro podia mostrar
simultaneamente uma grande exuberância enquanto num canto inferior estava pintada uma
caveira.
Em muitos aspectos, o Barroco caracteriza-se pela “frivolidade” e a “afetação”,
mas também pela consciência da “efemeridade” de todas as coisas, ou seja, pelo fato de que
tudo o que é belo tem de perecer e decompor-se um dia.
- É verdade, mas é uma idéia triste pensar que nada é estável.
- Nesse caso, pensas exatamente como muitas pessoas no século XVII. No
domínio político, o Barroco também foi a época de grandes conflitos.
Primeiro, a Europa foi devastada por guerras. A mais grave foi a Guerra dos Trinta
Anos, que assolou quase toda a Europa de 1618 a 1648. Na realidade, consistiu em muitas
guerras pequenas, que atingiram principalmente a Alemanha. Como conseqüência da
Guerra dos Trinta Anos, a França tornou-se pouco a pouco a potência dominante na
Europa.
- Porque é que eles combatiam?
- Era principalmente uma guerra entre protestantes e católicos. Mas também se
tratava do poder político.
-Mais ou menos como no Líbano.
- Além disso, o século XVII estava marcado por enormes diferenças de classes.
Com certeza já ouviste falar da nobreza francesa e da corte de Versalhes. Não sei se
também estudaste a miséria do povo. Mas toda a ostentação do luxo assenta sobre a
ostentação do poder. Diz-se que a situação política do Barroco pode ser comparada com a
arte e a arquitetura contemporâneas. Os edifícios do Barroco estavam sobrecarregados de
volutas, estuques e decorações. E a política estava cheia de assassínios, intrigas e tramas.
- Não houve um rei sueco que foi assassinado no teatro nessa altura?
- Estás a pensar em Gustavo III, e tens aí um verdadeiro exemplo daquilo a que me
refiro. O assassínio de Gustavo III deu-se já no ano de 1792, mas em circunstâncias muito
barrocas. Ele foi assassinado num grande baile de máscaras.
- E eu pensava que tinha sido no teatro.
- O baile de máscaras teve lugar na Ópera. O Barroco sueco, no fundo, só terminou
com o assassínio de Gustavo III. Durante o seu reinado dominou o despotismo esclarecido,
mais ou menos como quase cem anos antes com Luís XIV. Além disso, Gustavo III era um
homem muito frívolo, que adorava todas as cerimônias e cortesias francesas. E repara que
também gostava muito de teatro...
- E isso foi-lhe fatal.
- Mas o teatro no Barroco era mais do que uma mera forma artística. Era o símbolo
mais importante da sua época.
- E o que é que simbolizava?
- A vida, Sofia. Não sei quantas vezes se disse durante o século XVII: "A vida é
teatro". Certamente muitas vezes. E foi durante o barroco que surgiu o teatro moderno -
com a sua maquinaria e cenografia. No teatro, punha-se em cena uma ilusão - que era
desmascarada como mera ficção.
Deste modo, o teatro tornou-se a imagem da vida humana em geral. O teatro podia
mostrar que "quanto mais alto é o vôo, maior é a queda", oferecendo uma representação
impiedosa da fragilidade humana.
- “William Shakespeare” viveu no período do Barroco?
- Ele escreveu os seus grandes dramas por volta do ano de 1600. Desse modo, tem
um pé no Renascimento e o outro no Barroco. Mas já em Shakespeare se encontram muitas
reflexões sobre a vida como teatro. Gostarias de ouvir alguns exemplos?
- Sim, muito.
- No drama “As You Like It”, ele afirma:
“O mundo é um palco e todos os homens e mulheres meros atores. Entram e saem
de cena, e cada um representa muitos papéis no seu tempo...”.
E em “Macbeth” diz-se: “A vida é apenas uma sombra inconstante; Um pobre
comediante que se pavoneia e se agita Durante a sua hora em cena, e depois nada mais. Se
ouve dele; é uma história, Contada Por um idiota, cheia de som e de fúria, Que nada
significa.”
- Isso é mesmo pessimista.
- Mas a brevidade da vida preocupou-o. Provavelmente já ouviste a mais famosa
citação de Shakespeare:
- Ser ou não ser - eis a questão.
- Sim, foi Hamlet que o disse. Num dia estamos na terra - no dia seguinte
desaparecemos.
- Obrigada, isso eu já compreendi.
- Quando não comparam a vida com o teatro, os escritores barrocos comparam-na
com um sonho. Já Shakespeare afirmava, por exemplo: "Somos feitos da mesma matéria
que os sonhos, e esta breve vida abrange um sono...".
- Que poético.
- O poeta espanhol “Calderón”, que nasceu por volta de 1600, escreveu um drama
com o título “A vida é sonho”. Aí afirma "O que é a vida? Loucura! O que é a vida? Uma
ilusão, uma sombra, uma ficção. E o maior dos bens tem pouco valor, pois a vida é um
sonho".
- Talvez ele tenha razão.
Nós lemos uma peça na escola. Chamava-se “Jeppe de Bjerget”. - De “Ludvig
Holberg”, sim. Aqui no Norte uma grande figura de transição entre o Barroco e o
Iluminismo. - Jeppe adormece num fosso de estrada... e depois acorda na cama do barão. E
pensa ter sonhado ser apenas um pobre camponês. Depois, é levado de volta para o fosso, a
dormir - e acorda de novo. E acha nessa altura ter sonhado que estivera deitado na cama do
barão.
- Holberg retirou este motivo de Calderón, como Calderón o fizera a partir dos
contos árabes das “Mil e Uma Noites”. Mas a comparação entre vida e sonho é ainda mais
antiga, e encontramo-la inclusivamente na Índia e na China. Já o antigo sábio chinês
“Tchuang Tsu (cerca de 350 a.C.) sonhou uma vez que era uma borboleta e, após ter
acordado perguntou se era um homem que sonhara ser uma borboleta ou uma borboleta que
estava nesse momento a sonhar que era um homem”.
- De qualquer modo, é impossível provar qual está certo.
- Na Noruega tivemos um poeta barroco típico, de nome “Petter Dass”. Viveu
entre 1647 e 1707. Por um lado, queria retratar a vida como é realmente, por outro
sublinhava que apenas Deus é eterno e constante.
- Deus é Deus, mesmo se tudo fosse deserto, Deus é Deus, mesmo se todos
estivessem mortos...
-Mas no mesmo hino ele descreve também a cultura norueguesa - escrevendo
sobre todos os tipos de peixe que se encontram nesta zona. Isso é típico do Barroco. Num
mesmo texto é descrito o terreno, imanente - e o celestial, transcendente. O conjunto pode
fazer-nos lembrar a separação platônica entre o mundo sensível concreto e o mundo
imutável das idéias.
-E a filosofia?
- Também a filosofia era caracterizada por duras lutas entre modos de pensar
contraditórios. Como já ouvimos, para alguns filósofos, a realidade era fundamentalmente
de natureza mental ou espiritual.
Designamos essa perspectiva por “idealismo”. A concepção oposta é o
“materialismo”, uma filosofia que defende que a realidade se reduz a substâncias materiais
concretas. O materialismo também teve no século XVII muitos defensores. O mais
influente talvez tenha sido o filósofo inglês “Thomas Hobbes”. Segundo ele, todos os seres
- logo, também homens e animais - consistem exclusivamente em partículas de matéria.
Mesmo a consciência do homem - ou a alma humana - nasce através do movimento de
partículas minúsculas no cérebro.
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- Então ele pensava o mesmo que Demócrito dois mil anos antes.
- Idealismo e materialismo são como fios condutores através de toda a história da
filosofia. Mas muito raramente as duas concepções surgiram tão claramente numa mesma
época como no Barroco. O materialismo consolidou-se progressivamente através das novas
ciências da natureza.
Newton mostrou que as mesmas leis para o movimento são válidas em todo o
universo, e que as leis da gravitação e dos movimentos dos corpos são responsáveis por
todas as transformações na natureza - tanto na terra como no espaço.
Portanto, tudo é governado com a mesma regularidade constante - ou com a
mesma mecânica. Assim, em princípio, podemos calcular qualquer transformação na
natureza com exatidão matemática. Deste modo, Newton forneceu os últimos elementos
para a chamada “concepção mecanicista do mundo”.
- Ele imaginava o mundo como uma grande máquina?
- Exatamente. O termo "mecânico" provém da palavra grega “mêchanê”, que
significa máquina. Mas devemos ter em atenção que nem Hobbes nem Newton viam uma
contradição entre uma concepção mecanicista do mundo e a crença em Deus. Isto não é
válido para todos os materialistas dos séculos XVIII e XIX. O médico e filósofo francês
“La Mettrie” escreveu em meados do século XVIII um livro com o título “L'homme
machine”.
Significa: "o homem máquina".
Tal como a perna tem músculos para andar, assim o cérebro, escreveu ele, tem
"músculos" para pensar. Posteriormente, o matemático francês “Laplace” exprimiu com o
seguinte pensamento uma concepção mecanicista extrema: se uma inteligência conhecesse
a posição de todas as partículas de matéria num certo momento, nada seria incerto, e tanto o
futuro como o passado seriam evidentes. Estaria "nas cartas" o que haveria de suceder.
Designamos esta concepção por “determinismo”.
- Nesse caso, o homem não pode ter livre arbítrio.
- Não, tudo é produto de processos mecânicos - inclusivamente os nossos
pensamentos e sonhos. No século XIX, materialistas alemães afirmaram que os processos
de pensamento se comportam em relação ao cérebro tal como a urina em relação aos rins e
a bílis em relação ao fígado.
- Mas a urina e a bílis são materiais. Os pensamentos não. - Estás a dizer uma coisa
importante. Posso contar-te uma história que diz o mesmo.
Certa vez, um cosmonauta e um neurocirurgião russos discutiam sobre religião. O
cirurgião era cristão, o cosmonauta não. "Eu já estive várias vezes no espaço", gabava-se o
cosmonauta, "mas não vi nem Deus nem anjos". "E eu já operei muitos cérebros
inteligentes", respondeu o cirurgião, "e também não encontrei em lado algum um único
pensamento".
- O que não significa que os pensamentos não existam.
- Não. Apenas esclarece que os pensamentos são algo completamente diferente de
tudo o que pode ser amputado ou dividido em partes cada vez menores. Por exemplo, não é
fácil remover uma alucinação com uma operação. Um importante filósofo do século XVII,
chamado “Leibniz”, referiu que a grande diferença entre tudo o que é feito de “matéria” e
tudo o que é feito de “espírito” consiste precisamente no fato de a matéria poder ser
dividida em partes cada vez menores. Mas a alma não pode ser cortada em pedaços.
- Pois não, que tipo de faca se usaria?
Alberto abanou a cabeça. Depois, apontou para a mesa entre ambos e afirmou:
- Os dois filósofos mais importantes do século XVII foram Descartes e Espinosa.
Também eles se preocuparam com questões como a relação entre alma e corpo.
Vamos observar mais pormenorizadamente estes filósofos.
- Conta. Mas, se não estivermos despachados até às sete, tenho de telefonar à
minha mãe.

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