sábado, 14 de janeiro de 2012

Faz muito tempo que não derramo lágrimas. Hoje eu chorei. Quer saber o motivo?




Nesses últimos anos tenho colecionado decepções e sentindo-me meio sem poderes. Isso porque penso que não ensino somente Literatura ou a escrever uma redação para o vestibular - acredito mesmo tocar a vida das pessoas, formar pensamentos....busco tentar mostrar a elas o quanto a sua condição é especial, o quanto somos agraciados com a condição de estarmos alcançando um grau a mais numa nação de muitos ignorantes e desfavorecidos cujos sonhos de vida seria acertar na Mega ou ser selecionado para o BBB.

No entanto, quando eu acompanho a forma como vocês deixam a universidade me entristece - antes disso mesmo, pelos corredores de algumas em que eu passo: desaparecem os jovens simples e aparecem os venais. E aquele esforço todo se transforma em nada.

É perceptível que no final de algumas estradas nos esquecemos dos que carregaram as pedras para que alcançássemos degraus mais altos. E, mais que isso. Esquecemo-nos inclusive daqueles que não podem carregar pedras.

Cheguei mesmo a pensar que há algo na universidade que  tira o senso do que vocês eram ou do preço que pagaram: a concorrência do vestibular, as horas de estudos, as incertezas, as muitas horas de solidão depois de não ver o nome na lista dos aprovados. Depois pensei que na verdade também terminar a faculdade e adentrar a vida de trabalho não é tarefa fácil: como são difíceis os anos em que precisamos lutar para sair daquilo que tanto queríamos! Irônico não?  

Mas, pensando em mim e alguns raros casos isso não se justifica. Eu ainda lembro-me daquela menina de Uruçuca que nem sabia o que era faculdade aos 16. Sempre me lembro da Bolsa de estudos de Árleo, dos conselhos de Luiza para que eu fosse uma professora mais ajuizada, da dupla Naldo e Eliomar para moldar-me como uma professora, de quando eu cheguei em Eunapólis com a mala para casa de Amenaide e a amizade de  Tati e Euzeni. De meus irmãos e seus tempos e construções para que nascessem meu curso, minhas aulas, meus sonhos...

Então hoje, quando eu, surpreendida por ter recebido um convite para conhecer a universidade do Largo de São Francisco  - que povoa meus sonhos de literata e ter percebido que minha aluna Stephane ainda é como eu, chorei. Porque ainda é preciso ter esperança que haja alguns que sabem o motivo de estudar tanto. Seguramente não é para ter um carro melhor, ou a melhor posição. É para lutar pelos que não alcançaram. Não condeno o carro, mas é preciso ver os que andam a pé. E pior. Sem esperança.

Parece engraçado afinal a universidade do Largo de São Francisco está ali. Duas horas? Eu  conheço Sorbonne porque não ir a São Paulo? Nunca fui a São Paulo? Sim, muitas vezes. Do Museu da Língua na Estação da Luz ao templo capital do Shopping Morumbi. Mas  como seria visitar a escola de Castro Alves? Quantos alunos meus já passaram por lá? Mais de 40. Em alguns casos apenas um aluno meu foi aprovado como nordestino. Lindo não? Nem tanto.

Então, não é um pedido para receber um convite para ir à universidade do Largo. Stephane fez. Nem promessas de que me convidarão para a formatura ( rs....vcs sabem como gosto de comida). É o pedido para que vocês, parafraseando Jorge Araújo, não percam o óbulo de sua sensibilidade e nunca se esqueçam do porquê chegaram.

Spartakus não deixe que o Rio o faça esquecer-se do seu primeiro vídeo na quadra do Sistema que o ajudou a ter de que Direito não era sua vocação. Micaiil não se esqueça de que a UESB e o primeiro lugar tinham que ser seu. Fernanda, Gabriel, Lorena....e a lista é imensa. Quero que todos. Antes de começar as aulas pensem no motivo. Eu tenho um caderninho velho de 1996 e de vez em quanto  eu volto a ele e vou construindo novos laços que justificam cada degrau que subo.  Essa foto também está a esse serviço. Para que eu não me esqueça do  porquê vim e para quem eu devo lutar. Obrigada Stephane por não me deixar esquecer que vale a pena.

Vou reproduzir o texto das lágrimas.  O mal que como ela agora é advogada pode me processar. Alguém me defenda. Aliás, não preciso: é por uma causa maior.

Oi, Mara!



Não fique triste com o que aconteceu. Sinta-se feliz, porque você é uma das pessoas inesquecíveis que fizeram parte da minha constituição como pessoa. Graças a pessoas como você mais uma etapa da minha vida foi cumprida.

Fazendo parte desses 5%, com certeza não me esquecerei dos outros 95%. Por aqui tive cinco anos convivendo com as desigualdades, inclusive daquelas pessoas que dormem na porta da Faculdade todos os dias em relação a outras que lá estudam e adentram. No primeiro ano do curso tirei uma foto para não esquecer.

 (supressão de texto)



Stéphane.





Em 12 de janeiro de 2012 15:55, Mara Rute Lima <mararutelima@hotmail.com> escreveu:

Tristeza e alegria é a forma para responder a esse e-mail.
Triste porque tive problemas para acesso a meu email durante alguns dias e em meio a maré de emails o seu se perdeu. Só hoje fazendo a triagem é que tive a graça de poder ler e agradecer.
Nossa como foi bom ser lembrada e ter feito parte de sua história!!!!
Lembre-se você é uma vencedora. Não é fácil pertencer a menos de 5% da população brasileira que chega a universidade e, mais ainda, que tem a chance de dizer. Eu sou do Largo de São Francisco.
Tudo de bom.

(supressão de texto)

Mara Rute