domingo, 23 de março de 2014

Sociologia, sua bussola para o novo mundo - Aula de Sociologia e Redação da Professora Mara Rute

Sociologia: sua bússola para um novo mundo


Por Mara Rute Lima
O que você aprenderá aqui:
*       As causas do comportamento humano baseiam-se principalmente nos padrões de relações sociais que nos rodeiam e permeiam.
*       A Sociologia é o estudo sistemático do comportamento humano em seu contexto social.
*       Os sociólogos examinam a conexão existente entre as relações sociais e os problemas pessoais.
*       Os sociólogos são frequentemente motivados a realizar pesquisas pelo desejo de melhorar a vida das pessoas;
*       A sociologia originou-se à época da Revolução Industrial. Os fundadores da sociologia diagnosticaram as intensas transformações do período e sugeriram formas de superar problemas sociais gerados pela Revolução Industrial.
*       A Revolução Pós-Industrial dos dias de hoje, assim como o processo de ‘globalização” apresenta desafios semelhantes para nós. A sociologia esclarece o escopo, a direção e o significado da mudança social, além de sugerir formas de lidar com os problemas sociais gerados pela Revolução Pós- Industrial e pela globalização.
*       No nível pessoal, a sociologia pode ajudar a esclarecer as oportunidades e as restrições a que se está sujeito, indicando o que você pode se tornar no contexto histórico social atual.
O que é mesmo sociologia?

Antes de entrar em contato com a sociologia, eu acreditava que as coisas aconteciam no mundo — e comigo — porque fatores físicos e emocionais as causavam. Como grande parte das pessoas, eu achava que a fome ocorria por causa das secas; a guerra, por causa da ganância territorial; o sucesso econômico, pelo trabalho árduo; o casamento, pelo amor; o suicídio, pela depressão profunda; os estupros, pela luxúria desenfreada de determinados homens. Mas meus professores de
sociologia conseguiram me mostrar, ao longo do meu curso de graduação, evidências que contradiziam minhas respostas simplistas para essas questões. Se as secas são responsáveis pela fome, por
que tantos grupos passam fome em condições climáticas normais? Se o trabalho árduo gera a prosperidade, por que tantas pessoas que trabalham duro durante toda a vida são pobres? Se o amor é a causa do casamento, por que tantas famílias são lócus de violência contra a mulher e a criança? Assim, as questões foram se multiplicando ...

Essas questões, no entanto, serviam apenas para me mostrar que as ciências humanas lidavam com problemas humanos que não poderiam ser compreendidos com base em fatores físicos
ou emocionais. Existia uma ordem de coisas, a ordem social, fundamental para o entendimento das organizações e dos produtos humanos. Meus professores de sociologia também conseguiram fazer que eu enxergasse que a sociologia oferece uma perspectiva única para se olhar para esses problemas. Ao apreender a concepção de sociologia como estudo sistemático do comportamento humano em seu contexto social, isto é, como o estudo dos fatores sociais que estão em jogo nas nossas interações com outros indivíduos e com as organizações sociais, tornou-se claro que a sociologia poderia ir além da compreensão com base em nossas experiências pessoais fornecendo uma base mais sistemática e precisa para o entendimento do mundo.

Foi assim que, aos poucos, fui desfazendo um mito bastante difundido segundo o qual as pessoas são livres para fazerem o que quiserem com as suas vidas. Tornou-se claro que a organização do mundo social abre determinadas oportunidades e fecha outras, restringindo alguns aspectos da nossa liberdade, ao mesmo tempo em que nos possibilita fazer determinadas escolhas. Por meio do exame de forças sociais poderosas, a sociologia nos possibilita enxergar as causas que moldam e estruturam nossas vidas, revelando nossas capacidades e limitações.
 
O poder da Sociologia 
 
A sociologia dispersa pressuposições nebulosas e nos ajudar a perceber com mais clareza como o mundo social opera. Desde suas origens, a pesquisa sociológica tem sido motivada pelo desejo de melhorar o mundo social. Nesse sentido, a sociologia não é um mero exercício acadêmico, mas um meio de estabelecer caminhos alternativos para a sociedade. Da mesma forma que a sociologia ajudou seus fundadores a entender melhor a realidade de sua época, ela também pode nos proporcionar uma melhor compreensão do nosso tempo.
Hoje, testemunhamos mudanças intensas e desorientadoras. Países inteiros estão se dissolvendo; as mulheres estão demandando igualdade em relação aos homens em todas as esferas da vida; os desejos das pessoas são cada vez mais governados pelos meios de comunicação de massa; os computadores têm alterado radicalmente a maneira como as pessoas trabalham e se divertem; existem, proporcionalmente, menos bons empregos para se escolher; a violência nos rodeia; a ruína ambiental nos ameaça. Assim como ocorreu há um século, os sociólogos contemporâneos procuram entender os fenômenos sociais e sugerir maneiras plausíveis de melhorar suas sociedades. 

 
 
Emile Durkheim: (1858-1917) foi o primeiro professor de sociologia, na França e é frequentemente considerado o primeiro sociólogo moderno. Em AS Regras do Método Sociológico (1895) e O Suicídio (1897), ele argumentou que o comportamento humano é moldado por “fatos sociais”, ou peIo contexto social das pessoas. Na visão de Durkheim, os fatos sociais definem as restrições e as oportunidades segundo as quais as pessoas devem agir. Durkheim também esteve bastante interessado nas condições que promovem a ordem social nas sociedades “primitivas” e modernas e explorou esse problema em profundidade em obras como Da Divisão do Trabalho social (1893) e AS Formas Elementares da Vida Religiosa (1912).

Você sabe há bastante tempo que vive em sociedade; no entanto, pode ser que, até o momento, não se tenha dado conta plenamente de como a sociedade também vive em você. Padrões de relações sociais afetam seus pensamentos e sentimentos mais íntimos, influenciam suas ações e, portanto, ajudam a definir quem você é. 
Como vimos, um padrão particular de relações sociais refere-se ao

nível de solidariedade social que caracteriza os vários grupos aos quais você pertence.

Os sociólogos chamam os padrões estáveis de relações sociais de estruturas sociais. Uma

das principais tarefas do sociólogo é identificar e explicar a conexão existente entre os problemas pessoais dos indivíduos e as estruturas sociais nas quais eles estão inseridos. Essa tarefa é mais árdua do que pode parecer a princípio, pois em nossa vida cotidiana, normalmente percebemos as coisas segundo o nosso próprio ponto de vista e nossas experiências parecem ser exclusivas a cada um de nós. Além disso, se pensarmos sobre as estruturas sociais, elas podem parecer remotas e impessoais. Para perceber como as estruturas sociais operam em nós, é necessário um treinamento em sociologia.




Um passo importante no sentido de expandir a consciência sociológica de alguém envolve reconhecer que existem três níveis de estruturas sociais que nos rodeiam e permeiam. Pense nessas estruturas como círculos concêntricos que irradiam a partir de você.
 
Microestruturas são padrões de relações sociais íntimas formados durante interações face a face. Famílias, círculos de amizade, colegas de trabalho são exemplos de microestruturas.
Entender o funcionamento de microestruturas pode ser útil. Digamos que você esteja procurando um emprego. Você poderia pensar que a melhor coisa a fazer seria consultar o máximo de amigos próximos e de parentes sobre dicas e contatos. No entanto, pesquisas sociológicas mostram que as pessoas que você conhece bem provavelmente conhecem muitas das mesmas pessoas que você. Por essa razão, depois de pedir a alguns poucos contatos próximos para lhe ajudar a conseguir um emprego, o melhor a fazer seria pedir a alguns conhecidos mais distantes dicas e contatos. É possível que pessoas com as quais você esteja fracamente ligado (e que estão fracamente ligadas entre si) conheçam diferentes grupos de pessoas. Sendo assim, elas lhe darão mais informações sobre

possibilidades de trabalho e garantirão que mais pessoas saibam que você está procurando emprego. Assim, é provável que você encontre um emprego mais rapidamente se compreender “a força dos laços fracos” em ambientes microestruturais (Granovetter, 1973).
 
Macroestruturas são padrões de relações sociais que se encontram “fora” e “acima” dos círculos de pessoas íntimas ou conhecidas. Uma macroestrutura importante é o patriarcalismo sistema tradicional de desigualdade econômica e política entre homens e mulheres presente na maioria das sociedades. 
Compreender o funcionamento das macroestruturas também pode ser útil. Considere, por exemplo um aspecto do patriarcalismo: a maioria das mulheres casadas que trabalha em tempo integral na força de trabalho remunerada desempenha mais trabalho doméstico e é responsável por maiores cuidados com as crianças e com os idosos do que os maridos. Os governos e as empresas alimentam esse fato na medida em que oferecem pouca assistência às Famílias na forma de creches, programas educacionais em tempo integral e instituições para idosos. No entanto, a divisão desigual do trabalho doméstico é fonte importante de falta de satisfação no casamento, em especial entre as famílias que não podem pagar por tais serviços particulares. Assim, a pesquisa sociológica

mostra que quando os cônjuges dividem as responsabilidades domésticas de forma igualitária, ficam mais satisfeitos com o casamento e mostram-se menos propensos ao divórcio. Quando um casamento se encontra em risco de dissolução, os parceiros normalmente acusam um ao outro pelos problemas. Entretanto, deve estar claro agora que outras forças, e não só as personalidades incompatíveis, exercem algum fator de estresse sobre as Famílias. Compreender como a macroestrutura do patriarcalismo interfere na vida cotidiana, e fazer algo para mudar essa estrutura, pode ajudar as pessoas a ter uma vida mais feliz.




Estruturas Globais
O terceiro nível de sociedade que nos envolve e permeia é composto de estruturas globais. Organizações internacionais, padrões de comunicação e de viagens internacionais e as relações econômicas entre os países são exemplos de estruturas globais. As estruturas globais têm se tornado cada vez mais importantes à medida que formas mais baratas de comunicação e de transporte possibilitam que o mundo se torne interconectado cultural, econômica e politicamente.
Compreender o funcionamento de estruturas globais também pode ser útil. Por exemplo, muitas pessoas de países desenvolvidos se preocupam com os pobres do mundo. Fazem doações a instituições de caridade para ajudar a amenizar a fome nos países em desenvolvimento. Algumas dessas pessoas também aprovam políticas governamentais de ajuda externa a países em desenvolvimento. No entanto, muitas delas não se dão conta de que a caridade e a ajuda externa, isoladamente, não resolverão o problema da pobreza no mundo. Isso porque a caridade e a ajuda externa são insuficientes para superar a estrutura das relações sociais, que criou e sustenta a desigualdade global, entre os países.
 
Detenhamo-nos nesse ponto por um momento: países como Reino Unido, França, Espanha

Portugal e outras potências imperiais condenaram alguns países à pobreza quando os colonizaram entre os séculos XVII e XIX. No século XX os países em desenvolvimento tomaram dinheiro emprestado dos países ricos e dos bancos ocidentais para financiar aeroportos estradas, portos sistemas de saneamento e de saúde. Hoje, os países pobres pagam muito mais aos países ricos e aos bancos na forma de juros do que aquilo que recebem em termos de ajuda. Assim, fica claro que a ajuda externa e os programas de caridade farão muito pouco para resolver o problema da pobreza. Entender como a estrutura global de relações internacionais gerou e mantém a desigualdade global sugere novas prioridades políticas cuja finalidade seja ajudar os pobres do mundo. Uma dessas prioridades poderia por exemplo envolver campanhas para o perdão das dívidas externas como forma de compensação pelas injustiças cometidas no passado.


Como os exemplos ilustram, os problemas pessoais estão relacionados a estruturas sociais nos níveis micro, macro e global. Não importa se o problema pessoal envolve procurar emprego manter um casamento intacto ou agir com justiça para acabar com a pobreza mundial, considerações sobre as estruturas sociais aprofundam nossa compreensão do problema e sugerem mecanismos de ação apropriados.
 

 
 
A imaginação sociológica



Há quase meio século o grande sociólogo norte-americano C. Wright Mills (1916-1962) chamou a habilidade de se perceber a conexão existente entre problemas pessoais e estruturas sociais de imaginação sociológica. Ele enfatizou

a dificuldade para o desenvolvimento dessa habilidade intelectual. 
 
“Quando uma sociedade se industrializa, o camponês se transforma em trabalhador; senhor feudal desaparece, ou passa a ser homem de negócios. Quando as classes ascendem ou caem, o homem tem emprego ou fica desempregado; quando a taxa de investimento se eleva ou desce, o homem se entusiasma, ou se desanima. Quando há guerras, o corretor de seguros se transforma no lançador de foguetes; o caixeiro de loja, em homem do radar; a mulher vive só, a criança cresce sem pai. A vida do indivíduo e a história da sociedade não podem ser compreendidas sem compreendermos essas alternativas.
E, apesar disso, os homens não definem, habitualmente, suas ansiedades em termos de transformação histórica (…). O bem-estar que desfrutam, não o atribuem habitualmente aos grandes altos e baixos da sociedade em que vive. Raramente têm consciência da complexa ligação entre suas vidas e o curso da história mundial; por isso os homens comuns não sabem, quase sempre, o que essa ligação significa para os tipos de ser em que se estão transformando e para o tipo de evolução histórica de que podem participar. Não dispõem da qualidade intelectual básica para sentir o jogo que se processa entre os homens e a sociedade, a biografia e a história, o eu e o mundo. Não podem enfrentar suas preocupações pessoais de modo a controlar sempre as transformações estruturais que habitualmente estão atrás deles (…).
O que precisam (…) é de uma qualidade de espírito que lhes ajude a perceber (…) o que está ocorrendo no mundo e (…) o que pode estar acontecendo dentro deles mesmos. É essa qualidade (…) que poderemos chamar de Imaginação Sociológica.”  
  C. Wright Mills
C. Wright Mills (1916-1962) argumentou que a imaginação sociológica e uma forma de pensamento  singular. Ela possibilita que as pessoas percebam como suas ações e potenciais são afetados pelo contexto histórico e social no qual vivem. Mills emprega a imaginação sociológica em suas obras mais importantes. Por exemplo, A Elite (Poder (1956) é um estudo sobre as várias

centenas de homens que ocupavam “postos de comando” nas principais Instituições americanas. Essa obra sugere que o poder econômico político e militar é altamente concentrado na sociedade americana. O que a torna menos democrática do que nos querem fazem crer. O corolário do estudo de Mills é o de que, para tornar a sociedade mais democrática, o poder deve ser distribuído mais igualmente entre os cidadãos.
 
 
 
As origens da imaginação sociológica
A imaginação sociológica nasceu quando três revoluções modernas levaram as pessoas a refletir sobre a sociedade de maneira inteiramente nova:




1. A Revolução Científica teve início por volta de 1550. Ela encorajou a visão de que conclusões plausíveis acerca do funcionamento da sociedade devem se basear em evidências

sólidas e não apenas em especulações. As pessoas frequentemente relacionam a Revolução

Científica a ideias específicas, como as leis da gravitação universal de Newton e a teoria de Copérnico de que a Terra gira em torno do Sol. No entanto, a ciência é menos uma coleção de ideias do que um método de investigação. Por exemplo, em 1609, Galileu apontou sua nova invenção, o telescópio, para o céu, efetuou algumas observações cuidadosas e demonstrou que elas estavam de acordo com a teoria de Copérnico. Esse é o cerne do método científico: usar evidências para demonstrar um ponto de vista particular. Em meados do século XVII, alguns filósofos, como Descartes, na França, e Hobbes, na Inglaterra, chamaram atenção para a necessidade de uma ciência da sociedade. Quando a sociologia emergiu como uma disciplina autônoma no século XIX, o compromisso em relação ao método científico já era uma base sólida da imaginação sociológica.


2. A Revolução Democrática começou por volta de 1750. Por meio dela, foi sugerido que as pessoas são responsáveis pela organização da sociedade e que a intervenção humana pode, portanto, solucionar problemas sociais. Há 400 anos, a maioria dos europeus pensava de forma diferente: para eles, Deus ordenava a ordem social. A Revolução Americana

(1775-1783) e a Revolução Francesa (1789-1799) ajudaram a derrubar essa ideia. Esses

levantes políticos democráticos mostraram que a sociedade poderia sofrer mudanças maciças em curtos espaços de tempo e sugeriram que as pessoas poderiam controlar a sociedade.
As implicações disso para o pensamento social foram profundas: se era possível mudar a sociedade por meio da intervenção humana, então uma ciência da sociedade poderia desempenhar um papel importante. A nova ciência poderia ajudar as pessoas a

encontrar maneiras de superar problemas sociais, melhorar o bem-estar dos cidadãos e alcançar determinados objetivos de maneira efetiva. Muito da justificativa da sociologia como ciência baseou-se nas revoluções democráticas que abalaram a Europa e a América do Norte.



3. A Revolução Industrial teve início por volta de 1780. Ela gerou uma nova gama de problemas sociais bastante sérios que atraíram a atenção dos pensadores sociais. Como resultado do crescimento da indústria, grandes massas populares migraram do campo para as cidades, enfrentaram jornadas de trabalho extremamente longas em fábricas e minas apertadas e perigosas, perderam a fé em suas religiões, confrontaram burocracias anônimas e reagiram à sujeira e à miséria de suas existências promovendo greves crimes, revoluções e guerras. Os intelectuais nunca tiveram um laboratório como aquele. A Revolução Científica sugeriu que uma ciência da sociedade é possível; a Revolução Democrática mostrou que as pessoas podem intervir no sentido de melhorar a sociedade; a Revolução Industrial

apresentou aos pensadores uma gama de novos problemas sociais que demandavam solução. Os intelectuais reagiram a tudo isso fazendo nascer a imaginação sociológica.
 
Uma Bússola Sociológica



Espero que você tenha percebido, ao longo dessa leitura, que as perspectivas teóricas na sociologia sugerem que os fundadores da disciplina desenvolveram suas ideias em uma tentativa de resolver o grande quebra-cabeça sociológico de sua época — as causas e as consequências da Revolução Industrial. Isso nos coloca duas questões interessantes: 
 
Quais são os grandes quebra-cabeças do nosso tempo? 
Como os sociólogos de hoje respondem aos desafios colocados pela sociedade em que nós vivemos? 
 
 
 
 
Dedicaremos o restante dos nossos encontros de sociologia para tentar responder essas questões em profundidade[1]. 
 
 
 
 






[1] Adaptado do livro Sociologia: sua bússola para um novo mundo. Capítulo 1. 

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