Texto Complementar I
Anistia: as dúvidas que persistem
Apesar de
ter sido sancionada em 1979, a Lei da Anistia no Brasil completou 30 anos, em
29 de agosto, ainda provocando muita polêmica. A questão central,
diretamente ligada à sua formulação, é que além de anistiar os ativistas que
cometeram crimes políticos contra a ditadura militar, a Lei “apagou” delitos
comuns, praticados por torturadores, beneficiando quem matou, feriu e manchou
de sangue a História do país, sob a proteção do Estado.
Os que defendem a punição dos torturadores consideram essa “proteção” ilegal, alegando que a prática de tortura constitui crime contra a humanidade e não crime político, esse sim, passível de perdão. Desse lado encontram-se a Comissão de Anistia do Ministério de Justiça, membros do Ministério Público Federal e juristas, que se baseiam nas normas usadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA) que defendem o julgamento e a punição dos que cometem crimes contra a humanidade.
Os que defendem a punição dos torturadores consideram essa “proteção” ilegal, alegando que a prática de tortura constitui crime contra a humanidade e não crime político, esse sim, passível de perdão. Desse lado encontram-se a Comissão de Anistia do Ministério de Justiça, membros do Ministério Público Federal e juristas, que se baseiam nas normas usadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA) que defendem o julgamento e a punição dos que cometem crimes contra a humanidade.
Para essas pessoas não há que se mudar a Lei da Anistia brasileira, pois a legislação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é integrante, impede que leis internas anistiem crimes de tortura.
No rastro desse pensamento, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, em 2008, uma ação civil pública contra dois ex-comandantes reformados das Forças Armadas, responsáveis, em certo período, pelo DOI-Codi de São Paulo. O processo pretende cobrar desses militares as indenizações pagas pela União às vítimas de tortura durante a gestão de ambos. O DOI-Codi foi o principal órgão militar de repressão à oposição política durante a ditadura. O processo aguarda o pronunciamento do STF sobre o assunto.
Do lado oposto está a Advocacia-Geral da União (AGU), que considera, com base na Lei da Anistia, todos os crimes do regime militar, inclusive os de tortura, perdoados. A essa posição se unem outras vozes, como a de políticos, advogados e membros expressivos da sociedade civil brasileira, que defendem a virada de página, considerando que a Lei pacificou o país e consolidou sua democracia, permitindo a volta dos exilados e o fim das perseguições políticas. Para eles, a Anistia deve ser entendida como uma espécie de pacto constitucional para reconciliação política brasileira e como tal deve continuar a ser respeitada.
Indenizações, outro ponto polêmico
O Estado brasileiro reconheceu na Constituição de 1988 as arbitrariedades cometidas durante a ditadura ao estabelecer o pagamento de indenizações a quem requeresse e comprovasse ter sofrido perseguição política durante a ditadura militar. No entanto, só em novembro de 2002 a forma de reparação econômica foi regulamentada pelo Estado e, a partir daí, os processos começaram a ser analisados por advogados e assessores técnicos e julgados por 21 conselheiros da Comissão de Anistia.
Pela legislação, os prejudicados pelo regime que eram na época estudantes ou não tinham emprego formal têm direito a receber o correspondente a 30 salários mínimos por ano, até o teto de R$ 100 mil reais. O ressarcimento daqueles que perderam o emprego e foram impedidos de exercer suas atividades profissionais por perseguição política deve ser estimado pelo que teriam ganho se tivessem continuado na profissão.
Por conta dessa estimativa algumas compensações têm sido particularmente altas e bastante questionadas. Houve quem recebesse mais de R$ 1 milhão, além de uma aposentadoria mensal, pelas perdas durante o período de luta política. Quem sofreu alega que “não há dinheiro que pague” o tempo de clandestinidade, o exílio, as perdas, as humilhações, as torturas e todo tipo de sofrimento causado pela perseguição política, que deixou traumas inesquecíveis e roubou a esperança de tantos jovens brasileiros. Em muitos casos, roubou até a vida deles.
A denúncia de que as indenizações se transformaram numa indústria muito rendosa, praticada por falsos perseguidos e advogados inescrupulosos, vem, principalmente, da ala militar.
Mas, mesmo que a Lei da Anistia e a regulamentação das indenizações sejam imperfeitas e, hoje, comecem a ser questionadas, é preciso lembrar que esse debate só é possível por causa da transparência e da liberdade de expressão que o regime democrático proporciona. A polêmica, portanto, é saudável e o país não deve ter medo de reavaliar sua História e de corrigir rumos se assim achar melhor.
Texto Complementar II
MOVIMENTO CONTRA A
ANISTIA DOS TORTURADORES A AJD
Por Associação dos Juízes para a Democracia 13/12/2009 às 08:50
APELO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: NÃO ANISTIE OS TORTURADORES!
Exmo. Sr. Dr. Presidente do
Supremo Tribunal Federal
Ministro Gilmar Mendes
Eminentes Ministros do STF: está nas mãos dos senhores um julgamento de importância histórica para o futuro do Brasil como Estado Democrático de Direito, tendo em vista o julgamento da ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 153, proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que requer que a Corte Suprema interprete o artigo 1º da Lei da Anistia e declare que ela não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra os seus opositores políticos, durante o regime militar, pois eles não cometeram crimes políticos e nem conexos.
Tortura, assassinato e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade, portanto não podem ser objeto de anistia ou auto anistia.
O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente os carrascos da ditadura militar e é de rigor que seja realizada a interpretação do referido artigo para que possamos instituir o primado da dignidade humana em nosso país.
A banalização da tortura é uma triste herança da ditadura civil militar que tem incidência direta na sociedade brasileira atual.
Estudos científicos e nossa observação demonstram que a impunidade desses crimes de ontem favorece a continuidade da violência atual dos agentes do Estado, que continuam praticando tortura e execuções extrajudiciais contra as populações pobres.
Afastando a incidência da anistia aos torturadores, o Supremo Tribunal Federal fará cessar a degradação social, de parte considerável da população brasileira, que não tem acesso aos direitos essenciais da democracia e nesta medida, o Brasil deixará de ser o país da América Latina que ainda aceita que a prática dos atos inumanos durante a ditadura militar possa ser beneficiada por anistia política.
Estamos certos que o Supremo Tribunal Federal dará a interpretação que fortalecerá a democracia no Brasil, pois Verdade e Justiça são imperativos éticos com os quais o Brasil tem compromissos, na ordem interna, regional e internacional.
Os Ministros do STF têm a nobre missão de fortalecer a democracia e dar aos familiares, vítimas e ao povo brasileiro a resposta necessária para a construção da paz.
Não à anistia para os torturadores, sequestradores e assassinos dos opositores à ditadura militar.
Comitê Contra a Anistia aos Torturadores
Por Associação dos Juízes para a Democracia 13/12/2009 às 08:50
APELO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: NÃO ANISTIE OS TORTURADORES!
Exmo. Sr. Dr. Presidente do
Supremo Tribunal Federal
Ministro Gilmar Mendes
Eminentes Ministros do STF: está nas mãos dos senhores um julgamento de importância histórica para o futuro do Brasil como Estado Democrático de Direito, tendo em vista o julgamento da ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 153, proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que requer que a Corte Suprema interprete o artigo 1º da Lei da Anistia e declare que ela não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra os seus opositores políticos, durante o regime militar, pois eles não cometeram crimes políticos e nem conexos.
Tortura, assassinato e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade, portanto não podem ser objeto de anistia ou auto anistia.
O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente os carrascos da ditadura militar e é de rigor que seja realizada a interpretação do referido artigo para que possamos instituir o primado da dignidade humana em nosso país.
A banalização da tortura é uma triste herança da ditadura civil militar que tem incidência direta na sociedade brasileira atual.
Estudos científicos e nossa observação demonstram que a impunidade desses crimes de ontem favorece a continuidade da violência atual dos agentes do Estado, que continuam praticando tortura e execuções extrajudiciais contra as populações pobres.
Afastando a incidência da anistia aos torturadores, o Supremo Tribunal Federal fará cessar a degradação social, de parte considerável da população brasileira, que não tem acesso aos direitos essenciais da democracia e nesta medida, o Brasil deixará de ser o país da América Latina que ainda aceita que a prática dos atos inumanos durante a ditadura militar possa ser beneficiada por anistia política.
Estamos certos que o Supremo Tribunal Federal dará a interpretação que fortalecerá a democracia no Brasil, pois Verdade e Justiça são imperativos éticos com os quais o Brasil tem compromissos, na ordem interna, regional e internacional.
Os Ministros do STF têm a nobre missão de fortalecer a democracia e dar aos familiares, vítimas e ao povo brasileiro a resposta necessária para a construção da paz.
Não à anistia para os torturadores, sequestradores e assassinos dos opositores à ditadura militar.
Comitê Contra a Anistia aos Torturadores
http://brasil.indymedia.org/pt/blue/2009/12/460728.shtml
Em 20 de outubro de 1979, Prestes foi recebido pelas suas irmãs e por velhos companheiros da Aliança Nacional em solo nacional, após quase 20 anos de exílio. A anistia se deu por conta da sanção da lei 6.683, em 28 de agosto de 1979, instituída pelo general João Baptista Figueiredo.
A lei concedia anistia a todos os que haviam cometido crimes políticos desde setembro de 1961 até aquela data. Duas mil e duzentas pessoas puderam sair da clandestinidade ou retornar ao Brasil após longo exílio no exterior. Porém, houve reivindicações de movimentos sociais com relação à extensão da anistia.
No trecho abaixo extraído de "A História do Brasil no Século 20: 1960-1980", Oscar Pilagallo explica em detalhes como se deu o processo de anistia no fim da década de 1970 e permitiu a volta do líder revolucionário ao país.
Ao tomar posse, em 15 de março de 1979, Figueiredo deixou claro que levaria adiante o compromisso assumido com Geisel. O propósito de seu governo seria "fazer deste país uma democracia".
Figueiredo tinha uma concepção estreita de democracia. Para ele, como o povo não sabia votar, eleições diretas para presidente não deveriam fazer parte da agenda política. Definidos seus limites, no entanto, a abertura teria prosseguimento. Conhecido pelo estilo direto, que com frequência resvalava em grosseria, o presidente se manifestava com ênfase na defesa da redemocratização. "Prendo e arrebento", afirmava ele, referindo-se aos que se opunham ao processo.
O primeiro teste de Figueiredo foi a anistia. A defesa da anistia "ampla, geral e irrestrita" estava na rua na época da posse. Embora as primeiras manifestações datassem de 1975, o movimento só se intensificou a partir do final do governo Geisel, quando foi revogada parte dos atos de banimento e se facilitou a concessão de passaportes para exilados.
O que se discutia não era propriamente a anistia, mas sua extensão. Os militares não queriam perdoar os que haviam realizado sequestros ou cometido "crime de sangue" durante a luta armada. A oposição, por sua vez, exigia punição aos torturadores.
A reivindicação da sociedade civil não foi atendida, mas isso não impediu que se encaminhasse para o fim do impasse, com a sanção da lei, em 28 de agosto de 1979. Os considerados terroristas não foram anistiados, mas uma redução de penas acabou beneficiando muitos deles. Quanto aos torturadores, acabaram incluídos na anistia, decisão que só não pareceu mais ofensiva às vítimas e a seus familiares devido à morte acidental e misteriosa do maior símbolo da repressão, Sérgio Paranhos Fleury, quatro meses antes da aprovação da lei.
"Era uma anistia pela metade, que atendia os propósitos do governo de permitir o retorno ao Brasil de antigos líderes políticos visando implodir a frente oposicionista", na avaliação de Bernardo Kucinski. "Na origem da anistia como concessão do governo, estava a nova decisão do Palácio [do Planalto], tomada após a contagem dos votos em novembro de 1978, de dissolver o MDB."
Ainda assim, quase 5 mil pessoas foram beneficiadas. Após 15 anos de regime militar - dez dos quais sob o AI-5 -, tornou-se palpável a sensação de que o pior período da ditadura havia ficado para trás. O ciclo autoritário ainda teria um mandato inteiro, mas, no final de 1979 e início de 1980, o clima era de festa. No Rio, exilados iam às praias e, depois de anos de contato com outras culturas, influenciavam o comportamento dos jovens. Em São Paulo, fundava-se, entre outros, o Partido dos Trabalhadores, que pouco mais de 20 anos depois elegeria um ex-operário para a Presidência da República. O "verão da abertura" prenunciava os novos tempos que o Brasil estava prestes a viver.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u640677.shtml
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Em 22 de agosto de 1979, após uma longa luta que começara em 1968 pelo então deputado Paulo Maccarini (MDB-SC), o Congresso Nacional, em tumultuada sessão, aprovava a Lei de Anistia (nº 6683/79).
Naquela ocasião as galerias do Congresso foram totalmente tomadas pelo público e, como queria o governo, foi aprovada a anistia – geral, porque abarcava todos os episódios ocorridos até aquele ano, e recíproca, pois aplicava-se tanto aos opositores do regime quanto aos militares e outros servidores públicos.
Passados 30 anos desde a sua entrada em vigor, a lei de anistia ainda provoca divergências no que tange, principalmente, à sua aplicabilidade e abrangência. Nesta breve análise tratar-se-á da questão da tortura cometida por agentes militares no período da ditadura militar, questionando se esta poderia ser ou não alcançada pela Lei de Anistia.
Primeiramente, faz-se necessário definir o significado de anistia. A palavra “anistia” deriva do grego amnestía que significa esquecimento. Cesar Roberto Bittencourt define anistia como “a forma mais antiga de extinção da punibilidade, conhecida no passado como a clemência soberana – indugencia principis”. Fernando Capez define anistia como sendo a “lei penal de efeito retroativo que retira as conseqüências de alguns crimes já praticados, promovendo o seu esquecimento jurídico”. Nas palavras de Alberto Silva Franco “é o ato legislativo com que o Estado renuncia ao jus puniendi”.
A polêmica existente em relação à Lei de Anistia reside no disposto no artigo 1º e parágrafo 1º dessa lei, que assim versam:
“Art. 1º: É concedida a anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, os que tiverem seus direitos políticos suspensos e os servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.
§1º: Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionadas com crimes políticos ou praticados por motivação política (...)”.
A divergência é tanta que recentemente a Ordem dos Advogados do Brasil protocolou uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental no Supremo Tribunal Federal (ADPF/153), na qual questiona a concessão de anistia aos militares, que durante o regime militar, praticaram atos de tortura. Quanto a isto há dois posicionamentos, como se verá a seguir.
O primeiro posicionamento é o da Ordem dos Advogados do Brasil que entende ser impossível a aplicação da anistia aos militares que praticaram atos de tortura. Dentre os diversos argumentos suscitados pela OAB na ADPF, alega-se que os crimes cometidos pelos militares naquela época não eram crimes políticos e sim crimes comuns. De forma que a tortura jamais poderia ter conexão com crimes políticos ou ser considerada como tal. Argumentam, ainda, que embora não expresso explicitamente na Lei 6683/79, a tortura, homicídio e estupro configurariam um terrorismo de Estado, de modo que por ser uma lei recíproca – concedida a todos – o disposto no parágrafo 2º do artigo 1º (“Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”) aplicar-se-ia também aos agentes da repressão e não somente aos opositores do regime.
Entendem, também, que o artigo 1º e parágrafo 1º da lei em questão ofende vários preceitos fundamentais consagrados na constituição Federal tais como o princípio do Estado Democrático de Direito, o princípio republicano, a isonomia social, a dignidade da pessoa humana e o inciso XLIII do artigo 5º da constituição Federal, que considera o crime de tortura como sendo inafiançável e insuscetível de anistia ou graça.
O segundo posicionamento é defendido pela Advocacia Geral da União e, inclusive, pelo Presidente do STF Gilmar Mendes que disse publicamente que a anistia política concedida no final do regime militar teve caráter amplo, geral e irrestrito, abrangendo também os acusados de crimes contra os direitos humanos, como a tortura.
Em parecer enviado ao STF, a Advocacia Geral da União manifestou-se no sentido de que a anistia geral ou absoluta “não conhece exceção de crimes ou de pessoas nem se subordina a limitações de qualquer espécie”. Admite que, em regra, a anistia é dirigida aos chamados crimes políticos, no entanto, nada impede que seja concedida a crimes comuns.
A AGU cita ainda pareceres elaborados pela Ordem dos Advogados do Brasil e Instituto dos Advogados Brasileiros, divulgados na época da promulgação da lei, em que estes consignam que a “anistia representa a conciliação da nação consigo mesma, devendo ser ampla, geral e irrestrita”. E que, embora a tortura mereça repulsa, isso não impede seu reconhecimento pela Lei de Anistia, pois não seria “admissível manter no cárcere umas poucas dezenas de moços a quem a insensatez da luta armada pareceu, em anos de desespero, a única alternativa para a alienação”.
Justifica a Advocacia Geral da União que a Constituição Federal é posterior a Lei de Anistia e em virtude do princípio da anterioridade e o princípio da irretroatividade da lei penal mais severa, não poderia o disposto no inciso XLIII do artigo 5º da CF atingir os militares, até mesmo porque este dispositivo não tem eficácia retroativa. Afirmam, por fim, que não há o que se falar quanto a imprescritibilidade da tortura pretendida por alguns, haja vista que esta é prescritível sendo somente crimes imprescritíveis os crimes de racismo e de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, incisos XLII e XLIV, da Carta Magna).
Concernente ao abordado em relação ao primeiro posicionamento é essencial definir crime político. Na definição de Delmanto os crimes políticos podem ser: “próprios – que somente lesam ou põem em risco a organização política – ou impróprios – que também ofendem outros interesses, além da organização política”. Por esta definição observa-se que, realmente, a tortura não é crime político e sim crime contra a humanidade.
Com efeito, embora não aludido anteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo V já instituía que ninguém seria submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel desumano ou degradante. Tem-se o entendimento que os direitos humanos são os direitos inerentes à própria pessoa humana de modo que estes não precisariam estar expressos numa Constituição. Assim, a tortura, mesmo que implícita na legislação brasileira da época, essa seria tida como crime.
Importante destacar também que, como bem lembrado pela AGU, a Ordem dos Advogados do Brasil já teve entendimento diverso do agora pretendido perante o STF.
Contudo, embora convincentes os argumentos formulados pela OAB, parece que o segundo posicionamento é o mais acertado. A Lei de Anistia não fala de tortura, fala somente de terrorismo. Uma interpretação extensiva do termo “terrorismo” jamais poderia incluir crimes não especificados na lei, porque sequer há regulamentação legal que defina o que é de fato terrorismo.
Fantasioso seria, ainda, acreditar que os militares capturados pelos opositores ao regime não seriam vítima de nenhum tipo de violência ou agressão. Se todos são iguais perante a lei, porque esta parece pesar mais aos militares do que às pessoas comuns?
É bem verdade que o legislador foi infeliz ao utilizar-se da expressão “conexos” ao relacioná-los aos crimes políticos. Porém percebe-se que a expressão “conexos” pode abranger o crime de tortura ao dispor no parágrafo 1º que para efeito do artigo 1º da Lei de anistia “consideram-se conexos os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou pro motivação política” (grifei). Observa-se neste dispositivo que a lei de anistia é irrestrita, isso se verifica também no artigo 1º que concede a anistia a todos quantos.
Se mesmo assim persistir o posicionamento de que os militares que praticaram atos de tortura não foram alcançados pela Lei 6683/79 e supondo que tais crimes não estivessem prescritos, dois institutos do Direito Penal poderiam amenizar ou até excluir a culpa de tais agentes.
A história revela que na época do regime militar o nacionalismo e o patriotismo eram fortemente inculcados na população brasileira. Tanto que a própria legislação militar, em seu estatuto, sempre consagrou como valor o patriotismo, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever militar e solene juramento de fidelidade à Pátria, até com o sacrifício da própria vida (por exemplo: artigo 31, I, da Lei 5774/71).
Este patriotismo constantemente difundido na população e principalmente nas academias militares, além de incentivar e propagar a prática de determinadas atitudes, mesmo que incorretas, pareciam aos alienados por essa idéia serem absolutamente corretas uma vez que visava a proteção da Pátria e a manutenção do Poder Público vigente.
Sabe-se que a forte emoção não exclui a imputabilidade penal, entretanto essa, em determinadas circunstâncias, pode ser considerada como atenuante do crime. Assim, poder-se-ia dizer que a forte emoção ocasionada pela propaganda do patriotismo que, no caso dos militares, sempre foi valor essencial, já seria uma atenuante aos crimes por ele praticados. Contudo, para aqueles que estão respondendo a um processo, a mera atenuação da pena não seria algo de grande valia.
Assim, não é absurdo sustentar que grande parte militares que praticaram atos de tortura durante o regime militar não cometeram crimes. Dentre os deveres e obrigações dos militares estão, e sempre estiveram, a necessidade ética militar de cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes, sendo essencial a disciplina e o respeito à hierarquia. Se o país era governado por militares, ditadores e regulamentado por Atos Institucionais abusivos, como poderia o militar recusar-se a praticar determinado ato? Além da pressão exercida pelo governo, existia também a disposição penal militar que considerava crime o descumprimento de qualquer dever ou obrigação instituída do estatuto militar.
Portanto, se considerarmos crime como fato típico, antijurídico e culpável, na questão dos militares, não há o que se falar em crime por faltar um dos elementos da culpabilidade, qual seja, a exigibilidade de conduta diversa.
A doutrina corrobora no sentido de que a coação moral irresistível e a obediência hierárquica são causas de inexigibilidade de conduta diversa. Esta inexigibilidade é a impossibilidade do agente agir de maneira diversa daquela praticada. Como dito alhures, a maioria dos militares poderiam utilizar-se de ambas as hipóteses (coação moral irresistível e obediência hierárquica) para justificarem suas ações.
É certo que o artigo 22 do Código Penal delega a responsabilidade do fato criminoso ao autor da coação ou da ordem. Difícil seria encontrar o autor da ordem, visto que a opressão era regulamentada em lei através de Atos Institucionais e realizada com a aprovação dos Presidentes.
Pessimista, porém realista, é concluir que os reais responsáveis pelas torturas e atrocidades praticadas na época da ditadura jamais seriam devidamente responsabilizados. Cabendo às vítimas de tais torturas a mera indenização civil pelo Estado.
Pelo exposto, a Lei de Anistia parece ter alcançado também os militares que praticaram atos de tortura, porém efetivamente, esta questão só será resolvida quando o Supremo Tribunal Federal julgar a ADPF nº 153.
Bibliografia
ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de Direito Penal: volume 1: parte geral (arts. 1º a 120)/ Ricardo Antonio Andreucci – 3 ed. Atual. E aum.- São Paulo: Saraiva, 2004.
BITTENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: volume 1./ Cesar Roberto Bittencourt – 10ed. –São Paulo: Saraiva, 2006.
CAPEZ, Fernando.Curso de direito penal, volume 1 : parte geral (arts. 1º a 120) / Fernando Capez. — 11. ed. rev. e atual. — São Paulo :Saraiva, 2007.
COMPARATO, Fabio Konder, 1936. A afirmação histórica dos direitos humanos/ Fabio Konder Comparato -3ed.rev.eampl.- São Paulo: Saraiva, 2003
DELMANTO, Celso..[et.al]. Código Penal Comentado – 6ed.atual.eampl.- Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação penal especial/ Victor Eduardo Rios Gonçalves. – 5ed.reveatual. – São Paulo: Saraiva, 2007
NOSSO TEMPO- A cobertura jornalística do século. São Paulo: Klick Editora:1995
Em 20 de outubro de 1979, Prestes foi recebido pelas suas irmãs e por velhos companheiros da Aliança Nacional em solo nacional, após quase 20 anos de exílio. A anistia se deu por conta da sanção da lei 6.683, em 28 de agosto de 1979, instituída pelo general João Baptista Figueiredo.
A lei concedia anistia a todos os que haviam cometido crimes políticos desde setembro de 1961 até aquela data. Duas mil e duzentas pessoas puderam sair da clandestinidade ou retornar ao Brasil após longo exílio no exterior. Porém, houve reivindicações de movimentos sociais com relação à extensão da anistia.
No trecho abaixo extraído de "A História do Brasil no Século 20: 1960-1980", Oscar Pilagallo explica em detalhes como se deu o processo de anistia no fim da década de 1970 e permitiu a volta do líder revolucionário ao país.
Ao tomar posse, em 15 de março de 1979, Figueiredo deixou claro que levaria adiante o compromisso assumido com Geisel. O propósito de seu governo seria "fazer deste país uma democracia".
Figueiredo tinha uma concepção estreita de democracia. Para ele, como o povo não sabia votar, eleições diretas para presidente não deveriam fazer parte da agenda política. Definidos seus limites, no entanto, a abertura teria prosseguimento. Conhecido pelo estilo direto, que com frequência resvalava em grosseria, o presidente se manifestava com ênfase na defesa da redemocratização. "Prendo e arrebento", afirmava ele, referindo-se aos que se opunham ao processo.
O primeiro teste de Figueiredo foi a anistia. A defesa da anistia "ampla, geral e irrestrita" estava na rua na época da posse. Embora as primeiras manifestações datassem de 1975, o movimento só se intensificou a partir do final do governo Geisel, quando foi revogada parte dos atos de banimento e se facilitou a concessão de passaportes para exilados.
O que se discutia não era propriamente a anistia, mas sua extensão. Os militares não queriam perdoar os que haviam realizado sequestros ou cometido "crime de sangue" durante a luta armada. A oposição, por sua vez, exigia punição aos torturadores.
A reivindicação da sociedade civil não foi atendida, mas isso não impediu que se encaminhasse para o fim do impasse, com a sanção da lei, em 28 de agosto de 1979. Os considerados terroristas não foram anistiados, mas uma redução de penas acabou beneficiando muitos deles. Quanto aos torturadores, acabaram incluídos na anistia, decisão que só não pareceu mais ofensiva às vítimas e a seus familiares devido à morte acidental e misteriosa do maior símbolo da repressão, Sérgio Paranhos Fleury, quatro meses antes da aprovação da lei.
"Era uma anistia pela metade, que atendia os propósitos do governo de permitir o retorno ao Brasil de antigos líderes políticos visando implodir a frente oposicionista", na avaliação de Bernardo Kucinski. "Na origem da anistia como concessão do governo, estava a nova decisão do Palácio [do Planalto], tomada após a contagem dos votos em novembro de 1978, de dissolver o MDB."
Ainda assim, quase 5 mil pessoas foram beneficiadas. Após 15 anos de regime militar - dez dos quais sob o AI-5 -, tornou-se palpável a sensação de que o pior período da ditadura havia ficado para trás. O ciclo autoritário ainda teria um mandato inteiro, mas, no final de 1979 e início de 1980, o clima era de festa. No Rio, exilados iam às praias e, depois de anos de contato com outras culturas, influenciavam o comportamento dos jovens. Em São Paulo, fundava-se, entre outros, o Partido dos Trabalhadores, que pouco mais de 20 anos depois elegeria um ex-operário para a Presidência da República. O "verão da abertura" prenunciava os novos tempos que o Brasil estava prestes a viver.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u640677.shtml
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Em 22 de agosto de 1979, após uma longa luta que começara em 1968 pelo então deputado Paulo Maccarini (MDB-SC), o Congresso Nacional, em tumultuada sessão, aprovava a Lei de Anistia (nº 6683/79).
Naquela ocasião as galerias do Congresso foram totalmente tomadas pelo público e, como queria o governo, foi aprovada a anistia – geral, porque abarcava todos os episódios ocorridos até aquele ano, e recíproca, pois aplicava-se tanto aos opositores do regime quanto aos militares e outros servidores públicos.
Passados 30 anos desde a sua entrada em vigor, a lei de anistia ainda provoca divergências no que tange, principalmente, à sua aplicabilidade e abrangência. Nesta breve análise tratar-se-á da questão da tortura cometida por agentes militares no período da ditadura militar, questionando se esta poderia ser ou não alcançada pela Lei de Anistia.
Primeiramente, faz-se necessário definir o significado de anistia. A palavra “anistia” deriva do grego amnestía que significa esquecimento. Cesar Roberto Bittencourt define anistia como “a forma mais antiga de extinção da punibilidade, conhecida no passado como a clemência soberana – indugencia principis”. Fernando Capez define anistia como sendo a “lei penal de efeito retroativo que retira as conseqüências de alguns crimes já praticados, promovendo o seu esquecimento jurídico”. Nas palavras de Alberto Silva Franco “é o ato legislativo com que o Estado renuncia ao jus puniendi”.
A polêmica existente em relação à Lei de Anistia reside no disposto no artigo 1º e parágrafo 1º dessa lei, que assim versam:
“Art. 1º: É concedida a anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, os que tiverem seus direitos políticos suspensos e os servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.
§1º: Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionadas com crimes políticos ou praticados por motivação política (...)”.
A divergência é tanta que recentemente a Ordem dos Advogados do Brasil protocolou uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental no Supremo Tribunal Federal (ADPF/153), na qual questiona a concessão de anistia aos militares, que durante o regime militar, praticaram atos de tortura. Quanto a isto há dois posicionamentos, como se verá a seguir.
O primeiro posicionamento é o da Ordem dos Advogados do Brasil que entende ser impossível a aplicação da anistia aos militares que praticaram atos de tortura. Dentre os diversos argumentos suscitados pela OAB na ADPF, alega-se que os crimes cometidos pelos militares naquela época não eram crimes políticos e sim crimes comuns. De forma que a tortura jamais poderia ter conexão com crimes políticos ou ser considerada como tal. Argumentam, ainda, que embora não expresso explicitamente na Lei 6683/79, a tortura, homicídio e estupro configurariam um terrorismo de Estado, de modo que por ser uma lei recíproca – concedida a todos – o disposto no parágrafo 2º do artigo 1º (“Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”) aplicar-se-ia também aos agentes da repressão e não somente aos opositores do regime.
Entendem, também, que o artigo 1º e parágrafo 1º da lei em questão ofende vários preceitos fundamentais consagrados na constituição Federal tais como o princípio do Estado Democrático de Direito, o princípio republicano, a isonomia social, a dignidade da pessoa humana e o inciso XLIII do artigo 5º da constituição Federal, que considera o crime de tortura como sendo inafiançável e insuscetível de anistia ou graça.
O segundo posicionamento é defendido pela Advocacia Geral da União e, inclusive, pelo Presidente do STF Gilmar Mendes que disse publicamente que a anistia política concedida no final do regime militar teve caráter amplo, geral e irrestrito, abrangendo também os acusados de crimes contra os direitos humanos, como a tortura.
Em parecer enviado ao STF, a Advocacia Geral da União manifestou-se no sentido de que a anistia geral ou absoluta “não conhece exceção de crimes ou de pessoas nem se subordina a limitações de qualquer espécie”. Admite que, em regra, a anistia é dirigida aos chamados crimes políticos, no entanto, nada impede que seja concedida a crimes comuns.
A AGU cita ainda pareceres elaborados pela Ordem dos Advogados do Brasil e Instituto dos Advogados Brasileiros, divulgados na época da promulgação da lei, em que estes consignam que a “anistia representa a conciliação da nação consigo mesma, devendo ser ampla, geral e irrestrita”. E que, embora a tortura mereça repulsa, isso não impede seu reconhecimento pela Lei de Anistia, pois não seria “admissível manter no cárcere umas poucas dezenas de moços a quem a insensatez da luta armada pareceu, em anos de desespero, a única alternativa para a alienação”.
Justifica a Advocacia Geral da União que a Constituição Federal é posterior a Lei de Anistia e em virtude do princípio da anterioridade e o princípio da irretroatividade da lei penal mais severa, não poderia o disposto no inciso XLIII do artigo 5º da CF atingir os militares, até mesmo porque este dispositivo não tem eficácia retroativa. Afirmam, por fim, que não há o que se falar quanto a imprescritibilidade da tortura pretendida por alguns, haja vista que esta é prescritível sendo somente crimes imprescritíveis os crimes de racismo e de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, incisos XLII e XLIV, da Carta Magna).
Concernente ao abordado em relação ao primeiro posicionamento é essencial definir crime político. Na definição de Delmanto os crimes políticos podem ser: “próprios – que somente lesam ou põem em risco a organização política – ou impróprios – que também ofendem outros interesses, além da organização política”. Por esta definição observa-se que, realmente, a tortura não é crime político e sim crime contra a humanidade.
Com efeito, embora não aludido anteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo V já instituía que ninguém seria submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel desumano ou degradante. Tem-se o entendimento que os direitos humanos são os direitos inerentes à própria pessoa humana de modo que estes não precisariam estar expressos numa Constituição. Assim, a tortura, mesmo que implícita na legislação brasileira da época, essa seria tida como crime.
Importante destacar também que, como bem lembrado pela AGU, a Ordem dos Advogados do Brasil já teve entendimento diverso do agora pretendido perante o STF.
Contudo, embora convincentes os argumentos formulados pela OAB, parece que o segundo posicionamento é o mais acertado. A Lei de Anistia não fala de tortura, fala somente de terrorismo. Uma interpretação extensiva do termo “terrorismo” jamais poderia incluir crimes não especificados na lei, porque sequer há regulamentação legal que defina o que é de fato terrorismo.
Fantasioso seria, ainda, acreditar que os militares capturados pelos opositores ao regime não seriam vítima de nenhum tipo de violência ou agressão. Se todos são iguais perante a lei, porque esta parece pesar mais aos militares do que às pessoas comuns?
É bem verdade que o legislador foi infeliz ao utilizar-se da expressão “conexos” ao relacioná-los aos crimes políticos. Porém percebe-se que a expressão “conexos” pode abranger o crime de tortura ao dispor no parágrafo 1º que para efeito do artigo 1º da Lei de anistia “consideram-se conexos os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou pro motivação política” (grifei). Observa-se neste dispositivo que a lei de anistia é irrestrita, isso se verifica também no artigo 1º que concede a anistia a todos quantos.
Se mesmo assim persistir o posicionamento de que os militares que praticaram atos de tortura não foram alcançados pela Lei 6683/79 e supondo que tais crimes não estivessem prescritos, dois institutos do Direito Penal poderiam amenizar ou até excluir a culpa de tais agentes.
A história revela que na época do regime militar o nacionalismo e o patriotismo eram fortemente inculcados na população brasileira. Tanto que a própria legislação militar, em seu estatuto, sempre consagrou como valor o patriotismo, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever militar e solene juramento de fidelidade à Pátria, até com o sacrifício da própria vida (por exemplo: artigo 31, I, da Lei 5774/71).
Este patriotismo constantemente difundido na população e principalmente nas academias militares, além de incentivar e propagar a prática de determinadas atitudes, mesmo que incorretas, pareciam aos alienados por essa idéia serem absolutamente corretas uma vez que visava a proteção da Pátria e a manutenção do Poder Público vigente.
Sabe-se que a forte emoção não exclui a imputabilidade penal, entretanto essa, em determinadas circunstâncias, pode ser considerada como atenuante do crime. Assim, poder-se-ia dizer que a forte emoção ocasionada pela propaganda do patriotismo que, no caso dos militares, sempre foi valor essencial, já seria uma atenuante aos crimes por ele praticados. Contudo, para aqueles que estão respondendo a um processo, a mera atenuação da pena não seria algo de grande valia.
Assim, não é absurdo sustentar que grande parte militares que praticaram atos de tortura durante o regime militar não cometeram crimes. Dentre os deveres e obrigações dos militares estão, e sempre estiveram, a necessidade ética militar de cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das autoridades competentes, sendo essencial a disciplina e o respeito à hierarquia. Se o país era governado por militares, ditadores e regulamentado por Atos Institucionais abusivos, como poderia o militar recusar-se a praticar determinado ato? Além da pressão exercida pelo governo, existia também a disposição penal militar que considerava crime o descumprimento de qualquer dever ou obrigação instituída do estatuto militar.
Portanto, se considerarmos crime como fato típico, antijurídico e culpável, na questão dos militares, não há o que se falar em crime por faltar um dos elementos da culpabilidade, qual seja, a exigibilidade de conduta diversa.
A doutrina corrobora no sentido de que a coação moral irresistível e a obediência hierárquica são causas de inexigibilidade de conduta diversa. Esta inexigibilidade é a impossibilidade do agente agir de maneira diversa daquela praticada. Como dito alhures, a maioria dos militares poderiam utilizar-se de ambas as hipóteses (coação moral irresistível e obediência hierárquica) para justificarem suas ações.
É certo que o artigo 22 do Código Penal delega a responsabilidade do fato criminoso ao autor da coação ou da ordem. Difícil seria encontrar o autor da ordem, visto que a opressão era regulamentada em lei através de Atos Institucionais e realizada com a aprovação dos Presidentes.
Pessimista, porém realista, é concluir que os reais responsáveis pelas torturas e atrocidades praticadas na época da ditadura jamais seriam devidamente responsabilizados. Cabendo às vítimas de tais torturas a mera indenização civil pelo Estado.
Pelo exposto, a Lei de Anistia parece ter alcançado também os militares que praticaram atos de tortura, porém efetivamente, esta questão só será resolvida quando o Supremo Tribunal Federal julgar a ADPF nº 153.
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