Não é possível resumir poesia. Então aqui estão os recortes interessantes dos poemas Cadernos Negros. Obra cobrada na Federal da Bahia. Os poemas em vermelho e fragmentado já estiveram na prova. Se quiser ver mais poemas do livro e questões acesse: www.euqueropassar.com
prefácio
NEGRITUDE E ARTE
Benedito Cintra
A tinta impressa e formatada sobre o papel é transposição, é registro. Mas a poesia transposta, gravada com leu jeito e sua forma, é uma canção, um canto revelador da nossa natureza humana, no espaço e no tempo. Como canto e grafia, ela pode ser sonho e intuição, um olhar astuto e romântico. Pode ser a reflexão incontida, história, reminiscência, resistência, perspectiva etc. Bem situada no tempo, pode ferir ou curar, derrubar ou levantar, matar ou salvar; pode sacudir as mentes e incendiar as multidões.
Na exata reflexão da realidade, ela pode prenunciar o crepúsculo de um velho tempo, ou a aurora de um novo tempo. Que o digam Castro Alves na luta abolicionista; os insurgentes na Revolução dos Cravos, em Portugal; os poetas mortos ou perseguidos na luta contra o apartheïd, na África do Sul.
Com certeza, o grupo Quilombo hoje, desde o seu surgimento, vem acumulando uma rica experiência não só de luta e de organização, mas sobretudo na abordagem poética da nossa realidade, com um engajamento profundo nas sendas da resistência militante e na perspectiva de um novo Brasil que não renegue suas origens, sua formação, sua africanidade.
Não é fácil ser negro num país de negros como o nosso. Os descendentes e herdeiros dos Senhores de Engenho e da Casa Grande, que se gabam de ser a elite nacional, se puseram, há muito tempo, a serviço do imperialismo, da banca e da agiotagem internacionais. Traficam nossa independência, leiloam nosso património e escalpelam nosso povo.
As principais medidas e imposições governamentais nestes tempos bicudos e sombrios do neoliberalismo vêm no sentido de ampliar a exclusão social, econômica, política e cultural da população negra, pobre e trabalhadora. Eis porque grassam a impunidade e a violência; explodem a degradação das nossas crianças, a alienação dos nossos jovens, o desamparo aos trabalhadores e o abandono dos nossos velhos.
No campo cultural, essa elite vende-pátria busca surrupiar e mercantilizar nossos valores e iniciativas. Se o intento vil não é satisfeito, criam dificuldades e impedimentos de toda ordem.
Nossos inimigos querem impor o individualismo como prática social, política e cultural. Querem destruir as formas coletivas de pensar e agir. Ancorados pela grande mídia, esta sempre em uníssono, querem excluir a crítica, a controvérsia, o debate. Objetivam impor uma visão única e reacionária sobre a realidade e os acontecimentos. Mais recentemente, vêm incentivando a mediocridade cultural, um esoterismo banal, a despolitização, a anti-brasilidade, o besteirol. No fundo, querem macdonaldizar a nossa cultura. Afinal, "tudo se resolve pelo mercado" que eles mesmos manipulam.
É contra essa maré que remam os Cadernos Negros nesta edição, reunindo uma preciosa antologia poética, de autoria variada, com negros e negras de diversos cantos do país.
O conjunto da obra põe à luz, com lirismo e sagacidade, um pouco do universo simbólico e do cotidiano do negro; dos seus sonhos, de sua indignação, seu protesto.
Nesse banho de negritude, chama a atenção, por confortante que é, uma certa centralidade dos poemas em torno da temática feminina e das mulheres negras. Na presente edição, aparecem como organizadoras e como autoras em número elevado, por sinal. Estão aqui e ali, na essência de muitos versos, não como coisa, objeto, mas como guerreiras ou como referência militante na história e no tempo. Também como negras que questionam, agem, reivindicam, expondo a beleza e a sensualidade que lhes são intrínsecas.
Tal como um futuro radiante é a perspectiva e o sonho de todos os negros, também o passado para nós é referência obrigatória. Se desconhecer o passado, o negro não se fará presente. Aqui também o canto poético faz justa e oportuna evocação a Zumbi, Luiza Mahin, Mandela, aos quais gostaria de acrescentar o grande Cruz e Souza, expoente maior da luta abolicionista, do Simbolismo e das nossas letras, cujo centenário da morte comemoramos neste ano que transcorre.
Ao completar vinte anos de arte pura e heróica resistência, os Cadernos Negros vão adquirindo sua maioridade política e cultural, e consolidando uma experiência inédita no seio da militância negra e anti-racista. Constituem já referência obrigatória para negros, brancos progressistas e o mundo literário mais avançado. É bom lembrar que o século XX assistiu a grandes avanços e memoráveis vitórias do movimento negro e anti-racista em todo o mundo. Os Cadernos Negros fazem parte dessa onda vitoriosa. Com certeza, no século XXI, saberemos defendê-los e preservá-los com a mesma determinação, garra e carinho com que seus autores nos oferecem estes poemas maravilhosos.
Jangadas ao mar!!!
Axé
abelardo rodrigues
GARGANTA
Hoje
é preciso que tua garganta
do existir
esteja limpa
para que jorre
teu negrume.
Uma garganta não é corpo
flácido
É sangue escorrendo em leilão de cais.
Tua garganta, irmão é urna quarta-feira de cinzas.
ZUMBI
As palavras estão como cercas
em nossos braços
Precisamos delas.
Não de ouro,
mas da Noite
do silêncio no grito
em mão feito lança
na voz feito barco
no barco feito nós
no nós feito eu.
No feto
Sim,
20 de novembro
é uma canção guerreira.
carlos de assumpçao
BATUQUE
(Dança afro-tietense)
Tenho um tambor Tenho um tambor Tenho um tambor
Tenho um tambor Dentro do peito Tenho um tambor
E todo enfeitado de fitas Vermelhas pretas amarelas e brancas
Tambor que bate
Batuque batuque bate
Tambor que bate
Batuque batuque bate
Que evoca bravuras dos nossos avós
lamborquebate Batuque batuque bate Tambor que bate Batuque batuque bate Tambor que bate 0 toque de reunir Todos os irmãos
De todas as cores Sem distinção
Tenho um tambor Tenho um tambor Tenho um tambor
Tenho um tambor Dentro do peito Tenho um tambor
É todo enfeitado de fitas
Vermelhas pretas amarelas brancas azuis e verdes
Tambor que bate
Batuque batuque bate
Tambor que bate
Batuque batuque bate
Tambor que bate
O toque de reunir
Todos os irmãos
Dispersos
Jogados em senzalas de dor
Tambor que bate
Batuque batuque bate
Tambor que bate
Batuque batuque bate
Tambor que fala de ódio e de amor
Tambor que bate sons curtos e longos
Tambor que bate
Batuque batuque bate
Tambor que bate Batuque batuque bate Tambor que bate O toque de reunir Todos os irmãos De todas as cores
Num quilombo Num quilombo Num quilombo
Tenho um tambor Tenho um tambor Tenho um tambor
Tenho um tambor Dentro do peito Tenho um tambor.
LINHAGEM
Eu sou descendente de Zumbi Zumbi é meu pai e meu guia Me envia mensagens do orum Meus dentes brilham na noite escura Afiados como o agadá de Ogum