segunda-feira, 9 de abril de 2012

Redação identidade - É bom ler Roberto da Mata


Como se constrói uma identidade social ? Como um povo se transforma em Brasil ? A pergunta, na sua discreta singeleza, permite descobrir algo muito importante. É que no meio de uma multidão de experiências dadas a todos os homens e sociedades, algumas necessárias à própria sobrevivência, como comer, dormir, morrer, reproduzir-se etc. , outras acidentais ou  superficiais: históricas, para ser mais preciso - o Brasil foi descoberto por portugueses e não  por chineses, a geografia do Brasil tem certas características como as montanhas na costa do Centro-Sul, sofremos pressão de certas potências europeias e não de outras, falamos português e não francês, a família real transferiu-se para o Brasil no início do século XIX etc. Cada sociedade (e  cada ser humano) apenas se utiliza de um número limitado de "coisas" (e de experiências) para construir-se como algo único, maravilhoso, divino e "legal" ...
                Sei, então, que sou brasileiro e não norte-americano, porque gosto de comer feijoada e   não hambúrguer; porque sou menos receptivo a coisas de outros países, sobretudo costumes e ideias; porque tenho um agudo sentido de ridículo para roupas, gestos e relações sociais; porque vivo no Rio de Janeiro e não em Nova York; porque falo português e não inglês; porque, ouvindo  música popular, sei distinguir imediatamente um frevo de um samba; porque futebol para mim é um jogo que se pratica com os pés e não com as mãos; porque vou à praia para ver e conversar com os amigos, ver as mulheres e tomar sol, jamais para praticar um esporte; porque sei que no carnaval trago à tona minhas fantasias sociais e sexuais; porque sei que não existe jamais um  "não" diante de situações formais e que todas admitem um "jeitinho" pela relação pessoal e pela amizade; porque entendo que ficar malandramente "em cima do muro"  é algo honesto,  necessário e prático no caso do meu sistema; porque acredito em santos católicos e também nos orixás africanos; porque sei que existe destino e, no entanto, tenho fé no estudo, na instrução e no  futuro do Brasil; porque sou leal a meus amigos e nada posso negar a minha família; porque, finalmente, sei que tenho relações pessoais que não me deixam caminhar sozinho neste mundo, como fazem os meus amigos americanos, que sempre se veem e existem como indivíduos!
                Pois bem: somando esses traços, forma-se uma sequência que permite dizer quem sou, em contraste com o que seria um americano, aqui definido pelas ausências ou negativas que a  mesma lista efetivamente comporta. A construção de uma identidade social, então, como a    construção de uma sociedade, é feita de afirmativas e de negativas diante de certas questões.
   Tome  uma lista de tudo o que você considera importante - leis, idéias relativas a família, casamento e sexualidade; dinheiro; poder político; religião e moralidade; artes; comida e prazer em geral - e com ela você poderá saber quem é quem. (DaMATTA, Roberto. 1986. O que faz o brasil, Brasil ?)