domingo, 1 de dezembro de 2013

Filmes UESB - O ano em que meus pais saíram de férias - Análise da Professora Mara Rute

O ano em que meus pais saíram de férias
Por: Mara Rute Lima

PRIMEIRAS PALAVRAS:
Esse filme casa-se perfeitamente com o momento que estamos vivendo: um país que para em Copa das Confederações em 2013 e arruma-se para sediar a Copa do Mundo de futebol em 2014. Faz isso no mesmo ano em que instaura  a  Comissão da  Verdade e em que desejamos saber mais sobre os que com ideologias e vidas nos permitiram resgatar nossa  liberdade político-democrática. Esse filme, sobre as “férias” dos pais de Mauro nos ajuda a entender esse momento da história, também nossa.
É importante lembrar que não se trata de uma obra ficcional sobre um momento histórico inventivo. Convivemos com muitos “Mauros” que no presente querem o resgate dos seus “pais” e nós não devemos terminar de assistir esse filme sem pensarmos no que faremos com o sacrifício dessa família.
Serve muito para o momento que estamos vivendo o de novas revoluções de uma juventude que não aceita mais o Brasil como ele é. Assistam e se inspirem. Ele vai servir de referência para a proposta do processo da UESB e da prova de linguagens.

Reflexões do Projeto janela indiscreta:
1. Em 1970, não era apenas a Copa que parecia só pode ser nossa. Seis anos de governo civiI-militar foram suficientes para produzir uma estranha atmosfera de euforia ufanista sustentada no consumo, na crença de um Brasil-enfim-próspero que se agigantava pelos pés da Seleção e pelos mãos de militares, empresários e investidores estrangeiros. O “milagre brasileiro, como ficou conhecido esse período, tem por emblema a profusão de obras faraônicas construídas com recursos públicos superfaturados. Mas também é lembrado pelo recrudescimento do terrorismo de Estado, pelo paranoia e pelo silêncio.
Eder Amaral é Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e doutorando em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor do Instituto Federal da Bahia, campus de Vitória da Conquista, e do Curso de Psicologia da Faculdade Juvêncio Terra/Maurício de  Nassau.
1. Pela cabeça do protagonista do filme, o garoto Mauro, de 12 anos, não passa absolutamente nada dessas coisas. Morando no interior de Minas Gerais, o menino tem outras prioridades. Quer praticar seu talento no futebol de botão. Mais que isso, almeja completar seu álbum de figurinhas, no qual já constam os rostos de quase todas as “feras” da Seleção de 70. E, enquanto sonha em ser goleiro, sua maior preocupação é descobrir o porquê de boa parte da crônica esportiva – e também da torcida – acreditar na impossibilidade de que Pelé e Tostão joguem no mesmo time.
 Mauro ignora fatos importantes que acontecem à sua volta. Em 1970, o regime militar, implantado seis anos antes, mostrou uma das suas faces mais violentas. Após a intensa agitação política dos anos anteriores, o país adentrou 1970 numa espécie de “ressaca” política forçada pelo AI-5, editado em dezembro de 1968.
2. Em São Paulo, nas dependências do DOI-CODI, milhares de militantes de  esquerda eram torturados. A repressão política afastara até mesmo ídolos da música popular: Chico Buarque partira, voluntariamente, para uma temporada na Itália;  Caetano Veloso e Gilberto Gil, depois de passarem meses na cadeia, foram expulsos  do país e levados a exilar-se em Londres. A censura imperava em toda a imprensa.  Inconscientemente, Mauro começa a sentir os efeitos dessa situação. Seus  pais, militantes de esquerda, veem-se forçados a desaparecer por uns tempos,  assim como também fizeram milhares de outros brasileiros, envolvidos em algum  tipo de ação contra a ditadura. São as “férias” do título. As quais, segundo uma  promessa feita pelo pai de Mauro ao menino, só durarão até o início da Copa do  Mundo.
3. Para cuidar do garoto durante sua ausência, o casal recorre ao avô paterno,  um velho judeu que vive no bairro do Bom Retiro. A partir daí, a inocência do protagonista se depara com várias situações que acabam por torná-lo,  inevitavelmente, um pouco mais maduro. Primeiro, a morte repentina do avô, pouco  antes de sua chegada. Depois, a adaptação a uma convivência com um velho judeu  solitário, que o acolhe em seu apartamento. E, por fim, o drama de ter de lidar com a  interminável ausência dos pai.
4. Também surgem emoções agradáveis ao personagem, como a alegria  pelas sucessivas vitórias da Seleção Brasileira na Copa. Ou a amizade com uma  esperta garotinha, também filha de judeus. Mas nada se compara ao momento em  que essa mesma amiga o presenteia com a tão desejada figurinha do jogador  Everaldo.
5. Enquanto torcedores vibram com os gols de Pelé, Jairzinho e Rivelino,  militantes continuam a lançar-se à luta armada para derrubar a ditadura. Tal  situação provoca certa resistência às vibrações pela vitória futebolística, largamente  utilizada como propaganda pelo governo autoritário. O filme evidencia essas  contradições em alguns momentos, sugerindo que nem os próprios militantes  escapam a elas. Numa das cenas, pouco antes da estreia brasileira na Copa, contra  a Tchecoslováquia, um torcedor – que, como se revela depois, é um militante de  esquerda – afirma que uma provável vitória dos tchecos seria “uma vitória do  socialismo”. A afirmativa se explica: a Tchecoslováquia era então um país alinhado à  União Soviética. Como a seleção tcheca abre o placar, o militante demonstra certa  apreensão. Ao longo do jogo, o Brasil empata, vira e fecha o placar em 4 a 1 – e o  militante, agora transfigurado em torcedor, esquece-se dos embates ideológicos,  vibrando, em êxtase, a cada gol brasileiro.
Gil Brito é Graduado em Comunicação Social-Jornalismo e especialista em Comunicação e Política, ambos  pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). Também é chargista.

1. Os estados militarizados que se instalaram pela América Latina entre os anos de 1960 e 1970 se caracterizavam pela centralização política e pelo uso da violência e do terror. As liberdades individuais foram cerceadas, políticos foram perseguidos, ex-presidentes foram mortos, e a perseguição política, a tortura e a censura foram incorporadas como práticas desses governos autoritários que se estabeleceram pelo uso da força. Como exemplo dessa política de segurança nacional, ocorreram os golpes militares no Brasil (1964), no Chile (1973), no Uruguai (1973) e na Argentina (1976).
3.  Ao invés de focar a narrativa na resistência armada e na repressão política, o  roteiro faz um deslocamento de perspectiva e aborda questões políticas duras  através da subjetividade de uma criança. O drama político é narrado pela  perspectiva da vida privada, em que os protagonistas são pessoas comuns que querem apenas viver suas vidas.
4. Muitos acreditam que as decisões políticas de Estado estão distantes de  nossas vidas, e o “O ano...” trabalha na contramão dessa percepção. Na narrativa, as  descobertas de infância, o álbum de figurinhas, o jogo de botões, o primeiro amor e  a relação entre a velhice e a infância convivem com os horrores da ditadura. A  1920 história não é maior que as pessoas, mas construída por elas no cotidiano das suas  relações.
5. Outro aspecto genial da narrativa é como são abordadas as relações de  alteridade. A comunidade moradora do Bom Retiro em 1970 nos remete à  composição plural do povo brasileiro. O encontro de culturas distintas que marca a  formação da nação brasileira e a rede de solidariedade que essas pessoas de  origem tão diferente estabelecem na composição de um só país é bem simbolizado  na cena em que gregos, judeus, comunistas e outros brasileiros torcem juntos pela  seleção brasileira na Copa do Mundo, após seus times específicos terem saído da  competição.
5. Vi na trajetória de Mauro a representação do que precisa ocorrer com o povo  brasileiro: o amadurecimento, a perda da inocência, a percepção de que a nossa  felicidade real não está relacionada ao resultado da Copa do Mundo. Não basta que  o “gigante” acorde, é preciso que amadureça e tome consciência de seu papel  político. Tome consciência de que sua realidade política e histórica, sua verdadeira  felicidade, passa longe dos resultados dos campeonatos de futebol. Destaco que  minha crítica não é à prática esportiva do futebol, mas ao futebol confederado  tornado mercadoria, paixão cega e ufanista que nos distrai da realidade brasileira e  desvia nossa atenção do que realmente importa: construir o Brasil.
Izis Mueller é Graduada em História e mestranda em Memória: Linguagem e Sociedade, ambos pela  Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb). Educadora e artista cênica.
O filme...
“E o filme? “O ano em que meus pais saíram de férias” representa o drama histórico brasileiro e o terror da ditadura militar por meio da trajetória de um menino que, aos 12 anos, é afastado da família, passa a viver numa comunidade de imigrantes judeus no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, e espera por notícias dos familiares ausentes enquanto assiste à Seleção Brasileira de Futebol ser tricampeã  mundial. A angústia de sua espera e o clima de terror e vigilância que marcam o período contrastam com a euforia da vitória da seleção na Copa do Mundo em 1970.”
O filme começa com a seguinte reflexão:
“Meu pai disse que no futebol todo mundo pode falhar, menos o goleiro. Eles são jogadores diferentes porque passam toda a sua vida ali, sozinhos, esperando o pior!”.  
Esperar o pior é o que Mauro irá enfrentar durante o filme inteiro, pois o protagonista sempre está na expectativa de que algo aconteça. “O não dito, que faz parte da narrativa, está contido nas imagens cinematográficas: a presença do telefone, do relógio, das batidas na porta, e outros inúmeros elementos que fazem parte da montagem”.
O menino fica preocupado com as férias e o pai faz a promessa:
- A gente vai voltar logo né? Eu não quero repetir de ano
- Não se preocupe Mauro vai ser só umas férias rápidas.
Mais do que isso promete que estará de volta na COPA. Promessa não cumprida.

Depois o filme vai apresentar a ambulância levando o avô, mas os pais não sabem. Ao se despedir e para responder a insistência do filho de que não queria  ficar a mãe diz:
- A gente não está indo porque a gente quer.
O filho pergunta:
Mas então porquê?
QUAL SERIA A RESPOSTA PARA ESSA PERGUNTA?
A narração e a montagem do filme
A história é constituída através do olhar de Mauro que, sob a perspectiva de um menino de onze anos, narra os acontecimentos de sua vida em 1970. O período é marcado pela Copa do Mundo e pela ditadura militar, o que não significa ser um filme simplesmente sobre a ditadura e sim sobre o drama de um garoto que presenciou a perseguição de sua família.
No filme há uma narrativa em primeira pessoa. Mauro relata um fato que já ocorreu em sua vida, tomando uma pequena distância dos acontecimentos, uma vez que a história é narrada no passado. Tal recurso é utilizado para selecionar melhor os fatos vividos no ano de 1970 e proporcionar uma observação singular, ordenando e distinguindo a trama.
Nesta circunstância Mauro relata o seu drama humano de forma íntima. Tais intimidades, contudo, como as sensações do menino, são sempre sugeridas pelas imagens ou música; não há uma descrição pormenorizada das situações psicológicas. As reflexões, assim como seus momentos de felicidade ou tristeza, são normalmente acompanhados pela música, que sugere ao espectador de forma sutil os diversos sentimentos do protagonista.
Em todo o filme há uma tensão constante estabelecida pelas ações do menino e dos outros personagens sujeitos da narrativa. O filme coloca em primeiro plano as experiências vividas por Mauro, suas transformações e suas relações com Schlomo, Irene e Hannah, as quais se desenvolvem e se modificam ao longo da narrativa.
A aprendizagem com Schlomo
Uma das experiências de Mauro no contato com Schlomo dá-se, por exemplo, quando ao hospedar Ítalo, o garoto oferece-lhe peixe no café da manhã, situação que já havia ocorrido no filme, entretanto era Schlomo quem oferecia a Mauro a diferente refeição matinal. Este questiona a situação com a seguinte frase: “Peixe no café da manhã?!”, e Schlomo responde que isso faz bem para a cabeça. A mesma situação é mais tarde revivida por Mauro, no entanto, agora é ele quem esclarece a Ítalo que peixe “é bom para a cabeça”.
 A presença da Ditadura no filme
O regime ditatorial está colocado face à visão de caminhões militares, no primeiríssimo plano de um arame farpado, em comentários sobre a fuga dos pais, na frase no muro – Abaixo a Ditadura – e, por fim, na violência assistida pelo protagonista na rua e vivida quando Schlomo é preso por alguns dias e Ítalo foge da polícia. Tudo isso são indícios desse regime. Os aspectos esquematizados aqui oferecem à imaginação do apreciador elementos, inicialmente, não tão explícitos como os caminhões e o arame farpado que, ao longo do filme, vão se unindo a elementos mais contundentes que vincularão essas imagens ao regime vigente na época.
O deslocamento cultural
 No enterro do avô deparamos com mais um elemento que reforça o fato de Mauro estar sozinho. O protagonista participa do rito funerário judeu, no qual se sente deslocado. A cena reforça, através das pessoas que o cercam, as diferenças entre o  menino e a comunidade judaica. O enterro do avô é exemplar ao mostrar que o seu  deslocamento é também cultural. A imagem mostra que o quipá (pequeno gorro usado por razão religiosa), referência à carga cultural judaica, ainda não se ajusta à cabeça do  menino.
              O telefone
No decorrer do filme as cenas ainda são marcadas pela presença do telefone. Quando Mauro entra na casa do avô, ele pega o telefone e liga para sua casa em Belo Horizonte. Com um corte da câmera aparece sua casa e os dois goleiros do jogo de botão esquecidos em cima da mesa na casa vazia. Na sequência, a câmera mostra o garoto ao lado do aparelho esperando um telefonema de seus pais. Os goleiros esquecidos representam o próprio sentimento de Mauro, que, na mesma situação dos goleiros, sente-se esquecido pelos pais. Em São Paulo, Schlomo puxa uma extensão do telefone para sua casa; a partir daí o menino passa as noites dormindo ao lado do aparelho.
Os personagens de sua vida nas “férias” dos seus pais
Com o passar do tempo, as personagens de Hannah, Irene e Ítalo começam a participar da vida do protagonista e ele, de certa forma, vai se habituando aos costumes dos judeus.
Hannah é a menina esperta que o retira de casa e o insere na comunidade. Também cuida da satisfação de necessidades simples de modo bem particular como trazer a torta de palmito e auxiliá-lo na entrada na casa do avô. Ítalo é a ligação ideológica do pai. Conhecia-o e ajuda o Judeu a localizá-los. Desenvolve uma afetividade e quando corre o risco de ser preso é socorrido pelo menino e seu amigo “o velho judeu Schlomo”. Já Irene é a linda moça do bar que desenvolve um carinho e namora o jogador em quem Mauro se inspira.

Por fim:
“Na década de 1980, foi ocorrendo gradativamente a desmilitarização da  América Latina. E, embora atualmente vivamos num regime político democrático, é  importante não esquecer o período obscuro que marcou nossa história. Lembrar o  passado não é um fardo, mas a condição da nossa liberdade. O passado é o lugar  da experiência, do conhecido que torna possível a ação responsável tendente ao  futuro. Saber “o quê” e “como” nossa história foi construída e os caminhos que nos  trouxeram até aqui é fundamental para compreendermos quem somos, como estamos inseridos num jogo político de escala global e principalmente como é  possível atuar na construção de uma outra realidade, mais justa e pautada na  emancipação humana”.


Blibiografia:

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