O ano em que meus pais saíram de férias
Por: Mara Rute Lima
PRIMEIRAS PALAVRAS:
Esse filme casa-se perfeitamente com o
momento que estamos vivendo: um país que para em Copa das Confederações em 2013
e arruma-se para sediar a Copa do Mundo de futebol em 2014. Faz isso no mesmo
ano em que instaura a Comissão da
Verdade e em que desejamos saber mais sobre os que com ideologias e
vidas nos permitiram resgatar nossa
liberdade político-democrática. Esse filme, sobre as “férias” dos pais
de Mauro nos ajuda a entender esse momento da história, também nossa.
É importante lembrar que não se trata de uma
obra ficcional sobre um momento histórico inventivo. Convivemos com muitos “Mauros”
que no presente querem o resgate dos seus “pais” e nós não devemos terminar de
assistir esse filme sem pensarmos no que faremos com o sacrifício dessa família.
Serve muito para o momento que estamos
vivendo o de novas revoluções de uma juventude que não aceita mais o Brasil
como ele é. Assistam e se inspirem. Ele vai servir de referência para a
proposta do processo da UESB e da prova de linguagens.
Reflexões do Projeto
janela indiscreta:
1. Em 1970, não era apenas a Copa que
parecia só pode ser nossa. Seis anos de governo civiI-militar foram suficientes
para produzir uma estranha atmosfera de euforia ufanista sustentada no consumo,
na crença de um Brasil-enfim-próspero que se agigantava pelos pés da Seleção e
pelos mãos de militares, empresários e investidores estrangeiros. O “milagre
brasileiro, como ficou conhecido esse período, tem por emblema a profusão de
obras faraônicas construídas com recursos públicos superfaturados. Mas também é
lembrado pelo recrudescimento do terrorismo de Estado, pelo paranoia e pelo
silêncio.
Eder Amaral é Mestre em Psicologia Social pela
Universidade Federal de Sergipe (UFS) e doutorando em Psicologia Social pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor do Instituto Federal
da Bahia, campus de Vitória da Conquista, e do Curso de Psicologia da Faculdade
Juvêncio Terra/Maurício de Nassau.
1. Pela cabeça do protagonista do filme, o
garoto Mauro, de 12 anos, não passa absolutamente nada dessas coisas. Morando no
interior de Minas Gerais, o menino tem outras prioridades. Quer praticar seu
talento no futebol de botão. Mais que isso, almeja completar seu álbum de
figurinhas, no qual já constam os rostos de quase todas as “feras” da Seleção
de 70. E, enquanto sonha em ser goleiro, sua maior preocupação é descobrir o
porquê de boa parte da crônica esportiva – e também da torcida – acreditar na
impossibilidade de que Pelé e Tostão joguem no mesmo time.
Mauro ignora fatos importantes que acontecem à
sua volta. Em 1970, o regime militar, implantado seis anos antes, mostrou uma
das suas faces mais violentas. Após a intensa agitação política dos anos anteriores,
o país adentrou 1970 numa espécie de “ressaca” política forçada pelo AI-5,
editado em dezembro de 1968.
2. Em São Paulo, nas dependências do DOI-CODI,
milhares de militantes de esquerda eram
torturados. A repressão política afastara até mesmo ídolos da música popular:
Chico Buarque partira, voluntariamente, para uma temporada na Itália; Caetano Veloso e Gilberto Gil, depois de
passarem meses na cadeia, foram expulsos
do país e levados a exilar-se em Londres. A censura imperava em toda a
imprensa. Inconscientemente, Mauro
começa a sentir os efeitos dessa situação. Seus
pais, militantes de esquerda, veem-se forçados a desaparecer por uns
tempos, assim como também fizeram
milhares de outros brasileiros, envolvidos em algum tipo de ação contra a ditadura. São as
“férias” do título. As quais, segundo uma promessa feita pelo pai de Mauro ao menino, só
durarão até o início da Copa do Mundo.
3. Para cuidar do garoto durante sua
ausência, o casal recorre ao avô paterno,
um velho judeu que vive no bairro do Bom Retiro. A partir daí, a
inocência do protagonista se depara com várias situações que acabam por
torná-lo, inevitavelmente, um pouco mais
maduro. Primeiro, a morte repentina do avô, pouco antes de sua chegada. Depois, a adaptação a
uma convivência com um velho judeu solitário,
que o acolhe em seu apartamento. E, por fim, o drama de ter de lidar com a interminável ausência dos pai.
4. Também surgem emoções agradáveis ao
personagem, como a alegria pelas
sucessivas vitórias da Seleção Brasileira na Copa. Ou a amizade com uma esperta garotinha, também filha de judeus.
Mas nada se compara ao momento em que
essa mesma amiga o presenteia com a tão desejada figurinha do jogador Everaldo.
5. Enquanto torcedores vibram com os gols de
Pelé, Jairzinho e Rivelino, militantes
continuam a lançar-se à luta armada para derrubar a ditadura. Tal situação provoca certa resistência às
vibrações pela vitória futebolística, largamente utilizada como propaganda pelo governo autoritário.
O filme evidencia essas contradições em
alguns momentos, sugerindo que nem os próprios militantes escapam a elas. Numa das cenas, pouco antes
da estreia brasileira na Copa, contra a
Tchecoslováquia, um torcedor – que, como se revela depois, é um militante
de esquerda – afirma que uma provável
vitória dos tchecos seria “uma vitória do
socialismo”. A afirmativa se explica: a Tchecoslováquia era então um
país alinhado à União Soviética. Como a
seleção tcheca abre o placar, o militante demonstra certa apreensão. Ao longo do jogo, o Brasil empata,
vira e fecha o placar em 4 a 1 – e o militante,
agora transfigurado em torcedor, esquece-se dos embates ideológicos, vibrando, em êxtase, a cada gol brasileiro.
Gil Brito é Graduado em Comunicação
Social-Jornalismo e especialista em Comunicação e Política, ambos pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (Uesb). Também é chargista.
1. Os estados militarizados que se
instalaram pela América Latina entre os anos de 1960 e 1970 se caracterizavam
pela centralização política e pelo uso da violência e do terror. As liberdades
individuais foram cerceadas, políticos foram perseguidos, ex-presidentes foram
mortos, e a perseguição política, a tortura e a censura foram incorporadas como
práticas desses governos autoritários que se estabeleceram pelo uso da força.
Como exemplo dessa política de segurança nacional, ocorreram os golpes
militares no Brasil (1964), no Chile (1973), no Uruguai (1973) e na Argentina
(1976).
3. Ao
invés de focar a narrativa na resistência armada e na repressão política,
o roteiro faz um deslocamento de
perspectiva e aborda questões políticas duras
através da subjetividade de uma criança. O drama político é narrado
pela perspectiva da vida privada, em que
os protagonistas são pessoas comuns que querem apenas viver suas vidas.
4. Muitos acreditam que as decisões
políticas de Estado estão distantes de nossas
vidas, e o “O ano...” trabalha na contramão dessa percepção. Na narrativa,
as descobertas de infância, o álbum de
figurinhas, o jogo de botões, o primeiro amor e
a relação entre a velhice e a infância convivem com os horrores da
ditadura. A 1920 história não é maior
que as pessoas, mas construída por elas no cotidiano das suas relações.
5. Outro aspecto genial da narrativa é como
são abordadas as relações de alteridade.
A comunidade moradora do Bom Retiro em 1970 nos remete à composição plural do povo brasileiro. O
encontro de culturas distintas que marca a
formação da nação brasileira e a rede de solidariedade que essas pessoas
de origem tão diferente estabelecem na
composição de um só país é bem simbolizado
na cena em que gregos, judeus, comunistas e outros brasileiros torcem
juntos pela seleção brasileira na Copa
do Mundo, após seus times específicos terem saído da competição.
5. Vi na trajetória de Mauro a
representação do que precisa ocorrer com o povo
brasileiro: o amadurecimento, a perda da inocência, a percepção de que a
nossa felicidade real não está
relacionada ao resultado da Copa do Mundo. Não basta que o “gigante” acorde, é preciso que amadureça e
tome consciência de seu papel político.
Tome consciência de que sua realidade política e histórica, sua verdadeira felicidade, passa longe dos resultados dos
campeonatos de futebol. Destaco que minha
crítica não é à prática esportiva do futebol, mas ao futebol confederado tornado mercadoria, paixão cega e ufanista
que nos distrai da realidade brasileira e desvia nossa atenção do que realmente importa:
construir o Brasil.
Izis Mueller é Graduada em História e
mestranda em Memória: Linguagem e Sociedade, ambos pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(Uesb). Educadora e artista cênica.
O filme...
“E o filme? “O ano
em que meus pais saíram de férias” representa o drama histórico brasileiro e o
terror da ditadura militar por meio da trajetória de um menino que, aos 12
anos, é afastado da família, passa a viver numa comunidade de imigrantes judeus
no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, e espera por notícias dos familiares
ausentes enquanto assiste à Seleção Brasileira de Futebol ser tricampeã mundial. A angústia de sua espera e o clima
de terror e vigilância que marcam o período contrastam com a euforia da vitória
da seleção na Copa do Mundo em 1970.”
O filme começa com a
seguinte reflexão:
“Meu
pai disse que no futebol todo mundo pode falhar, menos o goleiro. Eles são jogadores diferentes porque passam
toda a sua vida ali, sozinhos, esperando o pior!”.
Esperar o pior é o que Mauro irá enfrentar
durante o filme inteiro, pois o protagonista sempre está na expectativa de que
algo aconteça. “O não dito, que faz parte da narrativa, está contido nas imagens
cinematográficas: a presença do telefone, do relógio, das batidas na porta, e
outros inúmeros elementos que fazem parte da montagem”.
O menino fica preocupado com as férias e o
pai faz a promessa:
- A gente vai voltar logo né? Eu não quero
repetir de ano
- Não se preocupe Mauro vai ser só umas
férias rápidas.
Mais do que isso promete que estará de
volta na COPA. Promessa não cumprida.
Depois o filme vai apresentar a ambulância levando
o avô, mas os pais não sabem. Ao se despedir e para responder a insistência do
filho de que não queria ficar a mãe diz:
- A gente não está indo porque a gente
quer.
O filho pergunta:
Mas então porquê?
QUAL SERIA A RESPOSTA PARA ESSA PERGUNTA?
A
narração e a montagem do filme
A história é constituída através do olhar
de Mauro que, sob a perspectiva de um menino de onze anos, narra os
acontecimentos de sua vida em 1970. O período é marcado pela Copa do Mundo e
pela ditadura militar, o que não significa ser um filme simplesmente sobre a
ditadura e sim sobre o drama de um garoto que presenciou a perseguição de sua
família.
No filme há uma narrativa em primeira pessoa.
Mauro relata um fato que já ocorreu em sua vida, tomando uma pequena distância
dos acontecimentos, uma vez que a história é narrada no passado. Tal recurso é
utilizado para selecionar melhor os fatos vividos no ano de 1970 e proporcionar
uma observação singular, ordenando e distinguindo a trama.
Nesta circunstância Mauro relata o seu drama
humano de forma íntima. Tais intimidades, contudo, como as sensações do menino,
são sempre sugeridas pelas imagens ou música; não há uma descrição
pormenorizada das situações psicológicas. As reflexões, assim como seus
momentos de felicidade ou tristeza, são normalmente acompanhados pela música,
que sugere ao espectador de forma sutil os diversos sentimentos do
protagonista.
Em todo o filme há uma tensão constante estabelecida
pelas ações do menino e dos outros personagens sujeitos da narrativa. O filme
coloca em primeiro plano as experiências vividas por Mauro, suas transformações
e suas relações com Schlomo, Irene e Hannah, as quais se desenvolvem e se
modificam ao longo da narrativa.
A
aprendizagem com Schlomo
Uma das experiências de Mauro no contato
com Schlomo dá-se, por exemplo, quando ao hospedar Ítalo, o garoto oferece-lhe
peixe no café da manhã, situação que já havia ocorrido no filme, entretanto era
Schlomo quem oferecia a Mauro a diferente refeição matinal. Este questiona a
situação com a seguinte frase: “Peixe no café da manhã?!”, e Schlomo responde
que isso faz bem para a cabeça. A mesma situação é mais tarde revivida por
Mauro, no entanto, agora é ele quem esclarece a Ítalo que peixe “é bom para a
cabeça”.
A presença da Ditadura no filme
O regime ditatorial está colocado face à
visão de caminhões militares, no primeiríssimo plano de um arame farpado, em comentários
sobre a fuga dos pais, na frase no muro – Abaixo a Ditadura – e, por fim, na
violência assistida pelo protagonista na rua e vivida quando Schlomo é preso por
alguns dias e Ítalo foge da polícia. Tudo isso são indícios desse regime. Os
aspectos esquematizados aqui oferecem à imaginação do apreciador elementos, inicialmente,
não tão explícitos como os caminhões e o arame farpado que, ao longo do filme,
vão se unindo a elementos mais contundentes que vincularão essas imagens ao
regime vigente na época.
O
deslocamento cultural
No enterro do avô deparamos com mais um
elemento que reforça o fato de Mauro estar sozinho. O protagonista participa do
rito funerário judeu, no qual se sente deslocado. A cena reforça, através das
pessoas que o cercam, as diferenças entre o
menino e a comunidade judaica. O enterro do avô é exemplar ao mostrar
que o seu deslocamento é também
cultural. A imagem mostra que o quipá (pequeno gorro usado por razão
religiosa), referência à carga cultural judaica, ainda não se ajusta à cabeça
do menino.
O telefone
No decorrer do filme as cenas ainda são
marcadas pela presença do telefone. Quando Mauro entra na casa do avô, ele pega
o telefone e liga para sua casa em Belo Horizonte. Com um corte da câmera
aparece sua casa e os dois goleiros do jogo de botão esquecidos em cima da mesa
na casa vazia. Na sequência, a câmera mostra o garoto ao lado do aparelho
esperando um telefonema de seus pais. Os goleiros esquecidos representam o próprio
sentimento de Mauro, que, na mesma situação dos goleiros, sente-se esquecido pelos
pais. Em São Paulo, Schlomo puxa uma extensão do telefone para sua casa; a partir
daí o menino passa as noites dormindo ao lado do aparelho.
Os personagens
de sua vida nas “férias” dos seus pais
Com o passar do tempo, as personagens de Hannah,
Irene e Ítalo começam a participar da vida do protagonista e ele, de certa
forma, vai se habituando aos costumes dos judeus.
Hannah é a menina esperta que o retira de
casa e o insere na comunidade. Também cuida da satisfação de necessidades
simples de modo bem particular como trazer a torta de palmito e auxiliá-lo na
entrada na casa do avô. Ítalo é a ligação ideológica do pai. Conhecia-o e ajuda
o Judeu a localizá-los. Desenvolve uma afetividade e quando corre o risco de
ser preso é socorrido pelo menino e seu amigo “o velho judeu Schlomo”. Já Irene
é a linda moça do bar que desenvolve um carinho e namora o jogador em quem
Mauro se inspira.
Por fim:
“Na década de 1980, foi ocorrendo gradativamente
a desmilitarização da América Latina. E,
embora atualmente vivamos num regime político democrático, é importante não esquecer o período obscuro que
marcou nossa história. Lembrar o passado
não é um fardo, mas a condição da nossa liberdade. O passado é o lugar da experiência, do conhecido que torna
possível a ação responsável tendente ao futuro.
Saber “o quê” e “como” nossa história foi construída e os caminhos que nos trouxeram até aqui é fundamental para
compreendermos quem somos, como estamos inseridos num jogo político de escala global
e principalmente como é possível atuar
na construção de uma outra realidade, mais justa e pautada na emancipação humana”.
Blibiografia:
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