Reflexão de
Roberto da Matta
Por que isso é assim? Minha resposta indica que o
Brasil é uma sociedade interessante. Ela
é moderna e tradicional. Combinou, no seu
curso histórico e social, o indivíduo e a pessoa, a família e a classe social, a religião e as formas econômicas
mais modernas. Tudo isso faz surgir um
sistema com espaços internos muito bem divididos e que, por isso mesmo, não permitem qualquer código
hegemônico ou dominante. Assim, conforme tive que repetir inúmeras vezes,
somos uma pessoa em casa, outra na
rua e ainda outra no outro mundo.
Mudamos nesses espaços de modo obrigatório porque
em cada um deles somos submetidos a
valores e visões de mundo diferenciados que
permitem uma leitura especial do Brasil como um todo. A esfera de casa inventa uma leitura pessoal; a da
rua, uma leitura universal.
Já a visão pelo outro mundo é um discurso conciliador e fundamentalmente moralista e esperançoso.
Entre essas três esferas, colocamos um
mundo de relações e situações formais. São as nossas festas e a nossa moralidade, que, como
disse, se fundam
na verdadeira obsessão pela
ligação. E não poderia deixar de ser assim
numa sociedade tão tematizada pela divisão interna.
Mas qual é, afinal, a moral desta história? Não
será preciso ir muito longe para
apreciá-la. A História do Brasil tem mostrado como sempre insistimos em “ler” e interpretar o
país pela via exclusiva da linguagem
oficial que se forma no espaço generalizado
da rua, espaço das nossas instituições públicas e que
sempre apresenta um discurso
politicamente sedutor, pois que sistematicamente normativo. Ou seja: desse ponto de vista, a
fala sempre diz o que fazer para
resolver a questão. Mas não é precisamente isso que temos feito em toda a nossa História moderna, a partir da
Independência e da República? E por que
as coisas não dão certo?
Só Deus pode saber isso precisamente. Mas a visão
antropológica, da qual este ensaio é um pequeno exemplo, permite que se discutam algumas coisas importantes para uma resposta sugestiva a essa pergunta. É possível, por
exemplo, argumentar que nada pode dar
certo se a crítica social e política é sempre
incompleta, pois só leva em consideração um dado da questão. De fato, como se pode corrigir o mundo público
brasileiro por meio de leis impessoais,
se não se faz simultaneamente uma série crítica das redes de amizade e compadrio que embebem toda a nossa
vida política, institucional e jurídica?
Nosso resultado, então, é que, à crítica prática que fala com o idioma da
economia e da política pelo mundo da
rua, seria preciso somar a linguagem da casa e da família e, com ela, o idioma dos valores religiosos que também operam e, por isso, determinam grande parte do
comportamento profundo do nosso povo.
Tudo isso, diria eu, no sentido de somar um pouco mais a casa, a rua e o outro mundo, aproximando um
pouco mais essas esferas.
Junto com isso, que certamente importaria corrigir,
seria necessário resgatar como coisa
altamente positiva, como patrimônio realmente
invejável, toda essa nossa capacidade de
sintetizar, relacionar e conciliar,
criando com isso zonas e valores ligados à
alegria, ao futuro e à esperança. Num mundo que cada vez mais se desencanta consigo mesmo e institui um
individualismo sem limites, que reduz os
valores coletivos a mero apêndice da felicidade pessoal, a capacidade de ainda deslumbrar-se com a
sociedade é algo muito importante, algo
positivo. E aqui, sem dúvida, podemos novamente
sintetizar, de modo criativo e relacional, o indivíduo com as suas exigências e direitos fundamentais, com a
sociedade, com a sua ordem, seus valores e necessidades. Talvez a sociedade brasileira seja missionária dessa possibilidade que já se está
esgotando no mundo ocidental. E por quê?
Simplesmente porque conseguimos, até agora,
manter nossa fé no indivíduo, com os seus espaços internos e também na sociedade, com as suas leis de
complementaridade e reciprocidade.
Descobrimos também que o indivíduo, relações,
família e partido político, instituições econômicas e esferas de produção e consumo, tudo pode ter o seu
espaço. Se hoje eles estão muito
separados entre si, isso não significa a impossibilidade de se juntarem mais no futuro, na síntese positiva
que atualmente só realizamos no mundo
das festas, sobretudo no carnaval.
Seria preciso carnavalizar um pouco mais a
sociedade como um todo, introduzindo os
valores dessa festa relacional em outras
esferas de nossa vida social. Com
isso, poderíamos finalmente aprofundar as possibilidades de mediação de que, estou seguro, o mundo contemporâneo tanto precisa. Nem tanto o
desencanto crítico que conduz a um
primado cego do individualismo como valor
absoluto; e nem tanto o primado igualmente cego da sociedade e do coletivo, que esmaga a criatividade humana
e sufoca o conflito e a chama das
contribuições pessoais. Talvez algo no meio. Algo que permita ter um pouco mais da casa na rua e da
rua na casa. Algo que permita ter aqui,
neste mundo, as esperanças que temos no outro.
Algo que permita fazer do mundo diário, com seu trabalho duro e sua falta de recursos, uma espécie de
carnaval que inventa a esperança de dias
melhores. Acho que é um pouco desse tipo
de reflexão que nos falta. E, para que
ela possa ser ampliada, discutida, corrigida e finalmente implementada como mecanismo social,
precisamos realizar a crítica destemida
de nós mesmos, por meio de instrumentos suficientemente agudos e capazes. Para tanto, será preciso
começar sempre com a pergunta: o que faz
o brasil, Brasil? E, em seguida, promover sua
resposta, ainda que tímida, imprecisa e certamente discutível. Pois não foi outra coisa que quisemos realizar
aqui.
Para Usar na
conclusão: “ Tinha todos os climas, todos os
frutos, todos os numerais e animais úteis, as melhores terras de
cultura, a gente mais valente, mais hospitaleira, mais inteligente e mais doce
do mundo – O que precisava mais? Tempo e um pouco de originalidade. ( Triste
Fim de Policarpo Quaresma)
Proposta de
Redação
Como base
no texto de Roberto da Matta e fazendo cópia de trechos dele pertinentes componha um texto dissertativo sobre o seguinte tema:
O que fazer para transformar o Brasil que
temos num verdadeiro Brasil?
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