quarta-feira, 18 de julho de 2012

Tema de Redação identidade por Roberto da Matta


Reflexão de  Roberto da Matta
Por que isso é assim? Minha resposta indica que o Brasil é uma  sociedade interessante. Ela é moderna e tradicional. Combinou, no  seu curso histórico e social, o indivíduo e a pessoa, a família e a classe  social, a religião e as formas econômicas mais modernas. Tudo isso faz  surgir um sistema com espaços internos muito bem divididos e que, por  isso mesmo, não permitem qualquer código hegemônico ou dominante. Assim, conforme tive que repetir inúmeras vezes, somos  uma pessoa em casa, outra na rua  e ainda outra no outro mundo.
Mudamos nesses espaços de modo obrigatório porque em cada um  deles somos submetidos a valores e visões de mundo diferenciados  que permitem uma leitura especial do Brasil como um todo. A esfera  de casa inventa uma leitura pessoal; a da rua, uma leitura universal.
Já a visão pelo outro mundo  é um discurso conciliador e  fundamentalmente moralista e esperançoso. Entre essas três esferas,  colocamos um mundo de relações e situações formais. São as nossas  festas e a nossa moralidade, que,  como  disse,  se  fundam  na  verdadeira obsessão pela ligação. E não poderia deixar de ser assim  numa sociedade tão tematizada pela divisão interna.
Mas qual é, afinal, a moral desta história? Não será preciso ir  muito longe para apreciá-la. A História do Brasil tem mostrado como  sempre insistimos em “ler” e interpretar o país pela via exclusiva da  linguagem oficial que se forma no  espaço  generalizado  da  rua,  espaço das nossas instituições públicas e que sempre apresenta um  discurso politicamente sedutor, pois que sistematicamente  normativo. Ou seja: desse ponto de vista, a fala sempre diz o que fazer  para resolver a questão. Mas não é precisamente isso que temos feito  em toda a nossa História moderna, a partir da Independência e da  República? E por que as coisas não dão certo?
Só Deus pode saber isso precisamente. Mas a visão antropológica, da qual este ensaio é um pequeno exemplo, permite  que se discutam algumas coisas  importantes para uma resposta  sugestiva a essa pergunta. É possível, por exemplo, argumentar que  nada pode dar certo se a crítica social e política é sempre  incompleta, pois só leva em consideração um dado da questão. De  fato, como se pode corrigir o mundo público brasileiro por meio de leis  impessoais, se não se faz simultaneamente uma série crítica das redes  de amizade e compadrio que embebem toda a nossa vida política,  institucional e jurídica? Nosso resultado, então, é que, à crítica prática que fala com o idioma da economia e da política pelo  mundo da rua, seria preciso somar a linguagem da casa e da família  e, com ela, o idioma dos valores  religiosos que também operam e,  por isso, determinam grande parte do comportamento profundo do  nosso povo. Tudo isso, diria eu, no sentido de somar um pouco mais a  casa, a rua e o outro mundo, aproximando um pouco mais essas  esferas.
Junto com isso, que certamente importaria corrigir, seria  necessário resgatar como coisa altamente positiva, como patrimônio  realmente invejável, toda essa  nossa capacidade de sintetizar,  relacionar e conciliar, criando com isso zonas e valores ligados à  alegria, ao futuro e à esperança. Num mundo que cada vez mais se  desencanta consigo mesmo e institui um individualismo sem limites,  que reduz os valores coletivos a mero apêndice da felicidade pessoal,  a capacidade de ainda deslumbrar-se com a sociedade é algo muito  importante, algo positivo. E aqui, sem dúvida, podemos novamente  sintetizar, de modo criativo e relacional, o indivíduo com as suas  exigências e direitos fundamentais, com a sociedade, com a sua ordem, seus valores e necessidades.  Talvez a sociedade brasileira seja  missionária dessa possibilidade que já se está esgotando no mundo  ocidental. E por quê? Simplesmente porque conseguimos, até  agora, manter nossa fé no indivíduo, com os seus espaços internos e  também na sociedade, com as suas leis de complementaridade e  reciprocidade. Descobrimos também que o indivíduo, relações,  família e partido político, instituições econômicas e esferas de  produção e consumo, tudo pode ter o seu espaço. Se hoje eles estão  muito separados entre si, isso não significa a impossibilidade de se  juntarem mais no futuro, na síntese positiva que atualmente só  realizamos no mundo das festas, sobretudo no carnaval.
Seria preciso carnavalizar um pouco mais a sociedade como  um todo, introduzindo os valores dessa festa relacional em outras  esferas de nossa vida social.  Com isso, poderíamos finalmente aprofundar as possibilidades de  mediação de que, estou seguro, o  mundo contemporâneo tanto precisa. Nem tanto o desencanto  crítico que conduz a um primado cego do individualismo como valor  absoluto; e nem tanto o primado igualmente cego da sociedade e  do coletivo, que esmaga a criatividade humana e sufoca o conflito e  a chama das contribuições pessoais. Talvez algo no meio. Algo que  permita ter um pouco mais da casa na rua e da rua na casa. Algo que  permita ter aqui, neste mundo, as esperanças que temos no outro.
Algo que permita fazer do mundo  diário, com seu trabalho duro e  sua falta de recursos, uma espécie de carnaval que inventa a  esperança de dias melhores.  Acho que é um pouco desse tipo de reflexão que nos falta. E,  para que ela possa ser ampliada, discutida, corrigida e finalmente  implementada como mecanismo social, precisamos realizar a crítica  destemida de nós mesmos, por meio de instrumentos suficientemente  agudos e capazes. Para tanto, será preciso começar sempre com a  pergunta: o que faz o brasil, Brasil? E, em seguida, promover sua  resposta, ainda que tímida, imprecisa e certamente discutível. Pois  não foi outra coisa que quisemos realizar aqui.
Para Usar na conclusão: “ Tinha todos os climas, todos os  frutos, todos os numerais e animais úteis, as melhores terras de cultura, a gente mais valente, mais hospitaleira, mais inteligente e mais doce do mundo – O que precisava mais? Tempo e um pouco de originalidade. ( Triste Fim de Policarpo Quaresma)


Proposta de  Redação
Como base no texto de Roberto da Matta e fazendo cópia de trechos dele pertinentes  componha um texto dissertativo sobre o seguinte tema:
O que fazer para transformar o Brasil que temos num verdadeiro Brasil?

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