domingo, 25 de fevereiro de 2018

O escândalo do Petróleo - Monteiro Lobato


REVISÃO UESB 2018

O Escândalo do Petróleo – Monteiro Lobato


1.         O brasileiro é uma espécie de criança tonta[1], que realmente só se interessa por jogo, farra, Carnavais e anedotas fesceninas. Sabem que o Brasil não dá a mínima importância ao estudo, havendo até inventado um "sistema de aprender" totalmente novo no mundo: ciência por decreto. Por causa dumas gripes, os meninos que não puderam estudar as matérias do curso — física, geometria, química ou o que fosse — receberam autorização para "requerer exames", isto é, pedir que o Governo atestasse que eles sabiam as ciências não estudadas...

2.       O brasileiro impressiona-se profundamente com o que não entende. "Economia dirigida", por exemplo. Ninguém entende isso — e por isso mesmo a "economia dirigida" do Ministério da Agricultura vai fazendo carreira.

3.        Enquanto nossos vizinhos extraem petróleo. Nós jogamos no bicho[2].

4.       Até os bois sabem disso[3], pois se recusam a beber certas águas, dizendo com os seus grandes olhos: "Isto é óleo". Os bois mato-grossenses sabem do petróleo do Xaraés.

5.            Por que, dos dois maiores países da América, descobertos no mesmo ciclo, povoados com os mesmos elementos (europeu, índio e negro), libertados politicamente quase na mesma época, com territórios equivalentes, um se tornou o mais rico e poderoso do mundo e o outro permanece atrofiado[4]?

6.          Um banho do brasileiro é pago em ouro ao país que lhe fornece o carvão donde sai o gás do aquecedor. Um bife, um ovo frito que coma nas capitais, custa ao país a emigração duma certa quantidade de ouro em troca do calor gasto pela cozinheira. Uma simples corrida de auto determina uma sangria de ouro em troca da gasolina que o carro queima. Daí o não enriquecimento. Os atos mais elementares da vida, os que todos os dias se repetem, ele os paga em ouro[5].

7.       Esse entrevamento virá mais depressa do que os próprios pessimistas imaginam, se não surgir um estadista de visão larga que veja claro no problema e o solucione[6].

8.       No dia em que o Brasil se convencer de que a sua fraqueza decorre da falta da eficiência do homem que o habita, e ponderar que o crescimento dessa eficiência só pode vir com a produção do ferro (matéria-prima da máquina) e do petróleo (a fonte de energia mecânica que move a máquina), o PRIMEIRO PASSO para a sua definitiva restauração econômica e financeira estará dado.

9.       É fácil influenciar gente gorda, porque o gordo tem banhas a perder. O alagoano é magrinho, seco, enrijado pelo sol terrível do Nordeste. O alagoano é florianesco. O Ministério teve de recuar....Bendita sejas tu, ó sadia magreza alagoana!

10.   Nada tem feito tanto mal ao nosso país como a tendência para resolver problemas só pelo lado teórico, com desprezo absoluto do lado prático. Na fatura de certas leis, o nosso legislador parte duns tantos pontos de vista abstratos, esquecendo-se de levar em conta o meio, a gente, as condições locais especialíssimas, o momento — isto é, as realidades iniludíveis. Daí o partejamento de monstruosidades dignas de museus teratológicos — leis inaplicáveis, leis que tudo entravam, leis paralisantes de todas as iniciativas, leis que desgraçam esta pobre terra, embaraçando lhe, impedindo-lhe o desenvolvimento econômico.

11.   O que somos e o que precisamos ser[7] - O Brasil tem vivido cocainizado por uma ilusão — a de ter-se como um paraíso terreal, um país riquíssimo, invejado pelos outros povos. Nem a bancarrota do Estado, nem o nosso mal-estar perpétuo, nem a penúria chinesa do que chamamos a classe baixa (isto é, oitenta por cento da população do país), nem a miséria intensíssima observável até nas capitais quando deixamos as avenidas e os bairros privilegiados, nada de tão terrível realidade arranca o brasileiro à mentira crônica em que se encoscorou. Em todas as estatísticas de produção, de comércio, de riqueza nacional, de cultura etc., o lugar do Brasil é entre os mais baixos da escala.

12.   Vem de que abrem anualmente mais de vinte mil poços por onde esguicha o sangue da terra, o maravilhoso líquido que se transforma em energia mecânica e move os milhões de toneladas de ferro transfeito em máquinas aumentadoras da eficiência do homem enquanto nós abrimos anualmente vinte mil casas de loteria e bicho.

13.   Sabotagem ou omissão, inércia ou falsidade, negativismo ou Código de Minas, burocracia petrolífera ou perfurações epidérmicas, toda essa profusa sinonímia, na copiosa variedade de suas formas, tudo vem sendo a mesma obra do Proteu federal: "não tirar petróleo e não deixar que alguém o tire...[8]".

14.   Qui prodest[9]? Na investigação dum crime o primeiro passo dos criminologistas é estudar a quem o crime aproveita. QUI PRODEST? — A QUEM APROVEITA? Pois bem: não há um só ato do CONSELHO que, próxima ou remotamente, não aproveite ao polvo Standard Oil — e só a ele...

15.   A NÃO EXISTÊNCIA DE JAZIDAS PETROLÍFERAS NO LOBATO... ESTÁ PROVADA À SACIEDADE A INEXISTÊNCIA DE DEPÓSITOS PETROLÍFEROS NO LUGAR DENOMINADO LOBATO, NA BAHIA[10].

16.   Que cumpre fazer[11] -  O que cumpre é fazer exatamente o contrário do que está sendo feito.

17.   O destino das nações depende muitas vezes da atuação dum homem que enxerga mais longe que os outros[12]. Doutor Getúlio: faça do caso do petróleo, como eu o exponho aqui, ponto do seu programa, objetivo de sua vida e desse modo trabalhará para o Brasil dum modo infinitamente mais profícuo do que apenas regulamentando o que existe. O que existe é tão pouco, que não há regulamentação nenhuma que adiante. Sem riqueza real um povo apodrece.

18.   A vista do exposto é de concluir-se que José Bento Monteiro Lobato, qualificado à folha 309, está incurso no artigo 30 inciso 25, do decreto-lei n. 431, de 18 de maio de 1938, sujeito à pena de seis meses a dois anos de prisão"[13].

19.   Entre as cartas apreendidas em meu escritório havia duas de estrangeiros: uma dum engenheiro uruguaio meu amigo, que me felicitava pela publicação do Poço do Visconde, obra na qual um sabuguinho científico descobre petróleo no sítio de Dona Benta, e a outra... era um cartão de Merry Christmas, recebido de Nova York. O general evidentemente examinou o cartão e concluiu que o tal Merry Christmas estava me escrevendo em código e devia ser um perigosíssimo petroleiro internacional[14]...

20.   Raciocínio sui generis[15].

21.   Mas a diferença da sorte de ambos mostra que ainda não somos, moralmente, um país. Somos um ajuntamento de aventureiros e de dirigentes profundamente desonestos[16].

22.   A economia humana é em linhas gerais muito simples[17]: uns produzem — outros transportam e lidam com os produtos — todos consomem. E o ideal é que todos possam consumir e a produção nunca seja maior nem menor que o consumo. Mas na Ordem Social vigente o jogo financeiro na passagem do produto das mãos do produtor para as do consumidor faz que apesar da superprodução milhões de criaturas humanas vivam no regime do subconsumo e até morram de fome. E de tal modo a pulsação econômica do mundo se foi perturbando com a hipertrofia do jogo financeiro, que chegamos ao absurdo impasse duma ordem social que só pode subsistir por meio da destruição cada vez maior de vidas em guerras mundiais periódicas e da destruição igualmente monstruosa de produtos de alimentação na paz. Do impasse veio o dilema: ou o mundo destrói essa forma cancerosa de capitalismo, como fez a Rússia, ou essa forma de capitalismo destrói a humanidade. Que capitalismo? O anônimo, internacional, controlador dos governos fracos e o verdadeiro promotor das guerras entre os governos fortes.

23.   A solução do enigma é uma só: o nosso governo não tem coragem de antepor o bem público, as verdadeiras necessidades do país, a felicidade e a prosperidade de 45[18] milhões de pobres--diabos coloniais que somos, aos interesses dos grupos financeiros daqui, ligados ao Capitalismo Anônimo Internacional que paira sobre o mundo como tremendo Pássaro Roca controlador dos governos fracos e promotor de guerras entre os governos fortes. Tanto dentro da forma democrática como dentro de qualquer forma de ditadura, os governos dos países fracos não passam de bonecos nas mãos do Poder Oculto do Capitalismo Internacional Anônimo — do qual até agora só um país se salvou: a Rússia. Esta é a verdade que ninguém se anima a dizer.

                                                                                                     Diário de São Paulo, 1935.



[1] Essa é uma visão recorrente em toda obra: a de propor que o povo brasileiro é atrasado e facilmente manipulável. Cabe um tema de redação com o uso de Roberto da Matta – visão do Brasil. Cabe também a ideia de Macunaíma de Mário de Andrade ou do próprio Monteiro Lobato de Jeca-Tatu.
[2] Excelente citação para usar numa redação. E, como bem lembrou o escritor Monteiro Lobato: enquanto outras nações lutam pelo progresso nós jogamos no bicho.
[3] Escolhi esse trecho para ressaltar um aspecto importante do livro: a linguagem informal utilizada em algumas construções do texto e para tratar do cerne do livro – dizer que a petróleo era uma evidência no Brasil, no entanto, o governo não tirava nem permitia tirá-lo. Uma substancial parte da vida Monteiro Lobato foi tentando empreender essa causa, mas por conta disto, foi preso e perseguido. 
[4] Questão comparativa que aparece algumas vezes no livro. Vale a pena a reflexão.
[5] Explicação sobre a falta de enriquecimento do Brasil. Vende suas riquezas primárias e suas fontes de energia.
[6] Em vários momentos do livro, inclusive quando escreve diretamente para Getúlio Vargas. Ele trata da importância de um líder para que o Brasil deixe de ser um país subdesenvolvido.
[7] Título fantástico para redação não é mesmo? E esse trecho? Digno de ser adaptado para sua dissertação.
[8] Essa é uma visão de Monteiro Lobato que se repete em muitos outros momentos da obra. A frase que sintetiza sua visão sobre a política nacional referente ao petróleo.
[9] Frase latina para ser utilizada como título de redação.
[10] Se cair na prova de história essa seria uma boa pergunta.
[11] Excelente título de redação e perfeita finalização de texto.
[12] Uau!!!! Frase utilizada na carta que se dirige ao presidente.
[13] Essa foi a resposta a carta. Ele foi preso. Mas aqui ressalto que se trata do segundo livro que trabalha carta no cerne da obra. E se a UESB cobrar carta para o presidente ou para Monteiro Lobato você saberá fazer?
[14] Escolhi esse trecho para mostrar o “tom irônico” utilizado em quase toda obra por Monteiro Lobato.
[15] Raciocínio único em seu gênero – Excelente título, não é?
[16] Como não dizer: portanto, parafraseando Monteiro Lobato, somos moralmente.....
[17] Leia esse trecho com cuidado. Pode estar em sua prova de humanas.
[18] Agora somos 200 milhões.

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