Primeiras
palavras:
Esse é o último
livro que trabalharemos juntos e sei que vocês estão com muita informação armazenada
e tantas histórias para lembrar, mas devo dizer que estudá-lo por último não o
torna menos importante. Afinal, vocês estão lendo um dos mais importantes
escritores do modernismo brasileiro conhecido pelo mundo e quase indicado para
o Nobel de literatura. Espero que Guimarães Rosa possa ajudá-los nesse grande
sertão do vestibular que vocês enfrentam.
Mara
Rute Lima
Sobre o
autor...
Segundo o próprio
Guimarães; “ nasci no ano de 1908, você já sabe. Você não deveria me pedir mais
dados numéricos. Minha biografia, sobretudo minha biografia literária, não
deveria ser crucificada em anos. As aventuras não têm princípio nem fim. E meus
livros são aventuras; para mim são minha maior aventura”.
É importante lembrar
também sua genialidade no estudo das línguas começou a aprender a primeira
sozinho aos 7 anos e depois dominou muito bem a sua além do alemão, francês, inglês, espanhol, italiano,
esperanto e um pouco de russo; ainda aventurava-se pelo sueco, holandês, latim e
grego. Esse conhecimento de outras línguas e do funcionamento de suas
gramáticas foi um dos instrumentos que garantiu ao Guimarães um grande
conhecimento de nosso próprio idioma.
Formou-se em medicina e exerceu pouco a profissão
trocando-a pela carreira de diplomacia quando foi considerado um herói pelos
judeus por proteger e facilitar a fuga
de perseguidos pelo Nazismo. Por isso
foi homenageado em Israel, em abril de 1985, com a mais alta distinção que os
judeus prestam a estrangeiros. O seu nome e de sua esposa foi dado a um bosque
que fica ao longo das encostas que dão acesso a Jerusalém.
Três dias antes da
morte o autor decidiu, depois de quatro anos de adiamento, assumir a cadeira na
Academia Brasileira de Letras. Os quatro anos de adiamento eram reflexo do medo
que sentia da emoção que o momento lhe causaria. Ainda que risse do
pressentimento, afirmou no discurso de posse: "...a gente morre é para
provar que viveu."
O escritor faz seu
discurso de posse na Academia Brasileira de Letras com a voz embargada. Parece que pressentiu que algo de mal lhe
aconteceria. Com efeito, três dias após a posse, em 19 de novembro de 1967, ele
morreria subitamente em seu apartamento em Copacabana.
“Em 1967, João Guimarães Rosa seria indicado para o
prêmio Nobel de Literatura. A indicação, iniciativa dos seus editores alemães,
franceses e italianos, foi barrada pela morte do escritor. A obra do brasileiro
havia alcançado esferas talvez até hoje desconhecidas. Quando morreu tinha 59
anos. Tinha-se dedicado à medicina, à diplomacia, e, fundamentalmente às suas
crenças, descritas em sua obra literária. Fenômeno da literatura brasileira,
Rosa começou a publicar aos 38 anos. O autor, com seus experimentos
lingüísticos, sua técnica, seu mundo ficcional, renovou o romance brasileiro,
concedendo-lhe caminhos até então inéditos. Sua obra se impôs não apenas no
Brasil, mas alcançou o mundo”.
Sobre o livro:
Em 1962, lançou a
obra que a UESC escolheu com 21 contos pequenos. Nos textos, são visíveis as
pesquisas formais, uma extrema delicadeza de construção que para alguns chega a
ser mesmo poesia em prosa.
Quando você estiver
lendo observe as inovações de linguagem, a presença de falares populares e
regionais misturados a erudição. Perceba também a criação de inúmeros vocábulos
a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas
e sintáticas.
No volume, aborda as diferentes faces do gênero: a
psicológica, a fantástica, a autobiográfica, a anedótica, a satírica, vazadas
em diferentes tons: o cômico, o trágico, o patético, o lírico, o sarcástico, o
erudito, o popular.
As estórias captam episódios aparentemente banais. Mas revelam um olhar
singular, mágico, milagroso para as coisas
e pessoas simples o que torna eventos aparentemente banais em marcantes e
simbólicos. Tem não a função do regionalismo de 30, pelo contrário apesar do
ambiente a obra trabalha a existência humana e não se preocupa com aspectos da cor local – marca do modernismo de 45.
Quanto ao emprego dos tempos verbais, nota-se que, na
maior parte das estórias, o relato se faz através de uma mistura do pretérito
perfeito com o pretérito imperfeito do indicativo.
As personagens embora variem muito quanto à faixa
etária e experiência de vida, elas se ligam por um aspecto comum: suas reações
psicossociais extrapolam o limite da normalidade. São crianças e adolescentes
superdotados, santos, bandidos, gurus sertanejos, vampiros e, principalmente,
loucos: sete estórias apresentam personagens com este traço.
A relação com a morte e com o desejo de imortalidade
está presente em toda a obra de Guimarães Rosa, mas talvez com mais intensidade
em "Primeiras Estórias".
Em cada um dos contos deste livro o narrador configura
sua experiência de forma diferente, atravessando estágios emocionais distintos,
conforme o ponto do percurso em que se encontra. Tanto em As Margens da
Alegria, quanto em Os Cimos, contos extremos do livro, ele se identifica
profundamente com o protagonista, como se ele espelhasse sua própria
trajetória, sua infância, como se assim universalizasse, de certa forma, essa
travessia. Ou seja, ele tenta perceber o que há de comum na infância de cada
menino, nessas delicadas passagens, em seus estados de alma, nos dolorosos
conflitos, nas fascinantes descobertas.
Veja isso...
PRIMEIRAS ESTÓRIAS:
• REGIONALISMO
UNIVERSALISTA:
Linguagem
regionalista — temática universalista;
• TEMÁTICA:
1) A loucura é tema
constante em contos como PIRLIMPSIQUICE; NADA E A NOSSA CONDIÇÃO, SÔROCO, SUA
MÃE, SUA FILHA, A TERCEIRA MARGEM DO RIO;DARANDINA.
2) O amor é tema
constante em contos como LUAS-DE-MEL; NENHUM, NENHUMA; SUBSTÂNCIA.
3) O conto que
discute claramente a oposição entre essência e aparência é o décimo-primeiro do
livro e não por acaso O título é O ESPELHO.
4) Vários dos contos
desse livro têm crianças como personagem central. São eles: AS MARGENS DA
ALEGRIA; OS CIMOS; A MENINA DE LÁ; A PARTIDA DO AUDAZ NAVEGANTE; NENHUM,
NENHUMA; PIRLIMPSIQUICE.
5) O ambiente
místico e mágico é característico em obras como A MENINA DE LÁ, A TERCEIRA
MARGEM DO RIO e UM MOÇO MUITO BRANCO.
6) O sentido de
circularidade é marcante nessa obra, pois o conto MARGENS DA ALEGRIA e o conto OS
CIMOS possuem o mesmo personagem: um
menino aprendiz que começa a sua travessia no primeiro conto e só a conclui no
último.
7) Em contos como A
MENINA DE LÁ e A PARTIDA DO AUDAZ NAVEGANTE, os personagens NHINHINHA e
BREJEIRINHA têm nomes colocados no diminutivo. O diminutivo tem a função de
indicar afetividade, docilidade.
8) NHINHINHA e
BREJEIRINHA têm afinidades entre si e com o próprio autor porque gostam de
inventar palavras e também criar estórias em que usam a imaginação e o
insólito.
9) Alguns contos
estão mais para casos (anedotas) do que contos. Neles o autor discute a macheza
e o heroísmo. É o caso, por exemplo, de OS IRMÃOS DAGOBÉ e TARANTAO, MEU PATRÃO.
10) Narradores
indignados, que abertamente acusam o leitor de não ter a sensibilidade
necessária para entender suas experiências e a complexidade dos personagens em
questão estão em O ESPELHO e A BENFAZEJA.
11) O KARMA indica
que as pessoas colhem sempre o que semeiam. Afirma que algumas coisas são
imutáveis, por isso o mal precisa ser extirpado. O conto que tem o título que
melhor traduz essa idéia é FATALIDADE. O conto que resume a idéia de uma
loucura criativa é PIRLIMPSIQUICE. E o que discute o sentido erudito e o
coloquial de uma palavra é FAMIGERADO.
12) O branco, na
literatura roseana, está intimamente ligado à idéia de pureza. Isso pode ser
confirmado no conto Um moço muito branco, em que o personagem parece um anjo
que desceu no pátio da fazenda de Hilário Cordeiro e em NENHUM NENHUMA conto em
que a moça parece estar vestindo a roupa de uma madrinha de casamento ou em SUBSTÂNCIA,
em que o seo Sionésio descobre sua paixão por Maria Exita e a depuração do povilho
acaba sendo relacionada, por analogia, à depuração do sentimento. Esse conto
termina em infindáveis referências à cor branca.
13) Em O CAVALO QUE
BEBIA CERVEJA, Reivalino Belarmino herda o cão (Mussulino), o cavalo (Alazão
Canela Clara) e a fazenda de seu Giovânio. Acaba, por assim dizer, descobrindo
a sua sina. Em Seqüência, o jovem filho de seo Rigério, perseguindo a vaca
Querençosa, também descobre a sua sina, pois a perseguição o leva conhecer a
filha do meio do Major Quitério. Em A TERCEIRA MARGEM DO RIO, o filho
primogênito descobre a sua sina a partir do momento em que se tornou
extremamente parecido com o pai. O momento epifânico da obra é quando vai à
beira do rio e pede para trocar de lugar com ele. Quando o pai aceita, descobre
que jamais seria capaz de cumprir a sua sina por isso a seguir vem a náusea, a
febre, o delírio.
14) Todos os
personagens de Guimarães Rosa estão fazendo uma travessia em busca do
auto-conhecimento Durante essa travessia, o personagem está cumprindo sua sina
e só terá plena consciência do que ela significa quando chega o seu momento de
epifania. Apesar de as obras estarem centradas no interior de Minas Gerais e,
por isso, trazerem uma linguagem regionalista, a temática em discussão é sempre
universalista.
15) Liojorge, um
lagalhé, matou o valentão Damastor Dagobé, em OS IRMÃOS DAGOBÉ, da mesma forma
que Zé Centeralfe matou o valentão Herculinão Socó, em Fatalidade Mostraram o
seu heroísmo e macheza ao tomar tal atitude, mas não mataram por vontade ou com
alegria. Mataram porque o mal presente nessas pessoas não lhes ofereceu
alternativa.
16) Um dos contos
mais originais do livro, A Benfazeja, conta a história de Mula-Marmela, que
matou o marido, o valentão Mumbungo a quem amava e também ao filho dele, o cego
Retrupé. No entanto, a sociedade a vê como uma assassina, enquanto o narrador
tenta mostrar que ela é um anjo incompreendido pela sociedade. Quando ela vai
embora, leva um cachorro morto consigo talvez para livrar a sociedade de sua
pestilência ou talvez para ser o seu único companheiro na hora da morte.
"As
margens da alegria".
O conto “As Margens da Alegria” é um olhar sobre a
construção de Brasília. O personagem principal é um garoto denominado apenas de
“O Menino” que realiza uma viagem inédita.
1. Assinale a
alternativa que contenha comprovação
sobre a afirmação acima:
a) “era uma viagem inventada no feliz” “
b) “confortavelzinho,
com um jeito de folha a cair”
c) “e
as coisas vinham docemente de repente”.
d) “a
grande cidade começava a fazer-se, num semi-ermo”,
e) “em
sua memória ficavam, no perfeito puro, castelos já armados”.
2. Alguns estudiosos sugerem “o Menino” como uma
metáfora do Brasil. Entendendo dessa maneira como você pode explicar a visão do
peru?
Alguns autores
modernos fizeram uso de personagens para explicar a nossa nação, a exemplo
Mário de Andrade com Macunaíma. Aqui, Guimarães em propor um menino encantado
com a cidade grande que estava sendo construída – Brasília, e que vê a morte pela primeira vez, nos ensina,
através dele que é preciso perder algumas coisas como “a mata, as mais negras árvores”, para que
novas luzes caíssem sobre a vida.
3. Caetano Veloso na canção “Tropicália” também faz uma
série de sugestões sobre a criação de
Brasília. Qual imagem retirada da canção tem o mesmo sentido da apresenta no
texto de Guimarães Rosa?
a) Eu organizo o movimento
/Eu oriento o carnaval / Eu inauguro o monumento / No planalto central do país
b) Viva a bossa, sa,
as / Viva a palhoça, ça, ça, ça, ça
c) O monumento é de
papel, crepom e prata / Os olhos verdes da mulata / A cabeleira esconde atrás
da verde mata / O luar do sertão
d) O
monumento não tem porta / A entrada é uma rua antiga, / Estreita e torta / E no
joelho uma criança sorridente,/ Feia e morta, / Estende a mão.
e) No pátio interno
há uma piscina / Com água azul de Amaralina / Coqueiro, brisa e fala nordestina
/ E faróis
4. Leia os trechos abaixo:
Trecho I
“Senhor! Quando avistou o peru, no centro do terreiro, entre
a casa e as árvores da mata. O peru, imperial, dava-lhe as costas, para receber
sua admiração. Estalara a cauda, e se entufou, fazendo roda: o rapar das asas
no chão - brusco, rijo, - se proclamara. Grugrulejou, sacudindo o abotoado
grosso de bagas rubras; e a cabeça possuía laivos de um azul-claro, raro, de
céu e sanhaços; e ele, completo, torneado, redondoso, todo em esferas e planos,
com reflexos de verdes metais em azul-e-preto - o peru para sempre. Belo, belo!
Tinha qualquer coisa de calor, poder e flor, um transbordamento. Sua ríspida
grandeza tonitruante. Sua colorida empáfia. Satisfazia os olhos, era de se
tanger trombeta. Colérico, encachiado, andando, gruziou outro gluglo. O Menino
riu, com todo o coração”.
Trecho II
Pensava no peru, quando voltavam. Só um pouco, para não
gastar fora de hora o quente daquela lembrança, do mais importante, que estava
guardado para ele, no terreirinho das árvores bravas. Só pudera tê-lo um
instante, ligeiro, grande, demoroso. Haveria um, assim, em cada casa, e de
pessoa?
Trecho III
... Mal comeu dos doces, a marmelada, da terra, que se
cortava bonita, o perfume em açúcar e carne de flor. Saiu, sôfrego de o rever.
Não viu: imediatamente. A mata é que era tão feia de altura. E - onde? Só umas
penas, restos, no chão. - "Ué, se matou. Amanhã não é o dia-de-anos do
doutor?" Tudo perdia a eternidade e a certeza; num lufo, num átimo, da
gente as mais belas coisas se roubavam. Como podiam? Por que tão de repente?
Soubesse que ia acontecer assim, ao menos teria olhado mais o peru - aquele. O
peru - seu desaparecer no espaço. Só no grão nulo de um minuto, o Menino
recebia em si um miligrama de morte.
Trecho IV
Movia-o um ódio. Pegava de bicar, feroz, aquela outra
cabeça. O Menino não entendia. A mata, as mais negras árvores, eram um montão
demais; o mundo.
Trevava.
Voava, porém, a luzinha verde, vindo mesmo da mata, o
primeiro vaga-lume. Sim, o vaga-lume, sim, era lindo! - tão pequenino, no ar,
um instante só, alto, distante, indo-se. Era, outra vez em quando, a Alegria.
4. Tomando como base toda a história, mas respeito a ordem dos textos apresentados justifique o título “
as margens da alegria.”
O menino tem a oportunidade de encantar-se com o peru e
imaginá-lo como parte da cidade, trazendo alegria em cada casa. Quando descobre
que pelo contrário, o peru foi morto, e sua morte era algo normal, para
comemorações o menino entristecesse-se. Além dessa decepção, vê outro peru
comendo a cabeça do morto. O menino teve então contato com a vida cruel. No
entanto, a intenção do autor é revelar
essa parte triste para o menino é mostrar que a morte e a tristeza estão nas
margens da alegria.
As Margens da Alegria
A
principal personagem é o Menino e, assim como ele, as outras personagens são
apenas identificadas pelo grau de parentesco. O protagonista vai se
deslumbrando com as novidades do local onde se ergueria uma grande cidade —
Brasília. De todas as visões, a que mais o encantou foi a do peru, no centro do
terreiro. Logo em seguida, o Menino é chamado para um passeio. Ao retornar, só
consegue pensar no animal, “só um pouco, para não gastar fora de hora o
quente daquela lembrança.” O animal é morto. A criança, quando sai para
procurar o peru, só encontra restos pelo chão e se abala, pois “tudo perdia
a eternidade(...)” O menino é levado para outro passeio, para o local onde
estava sendo construído um grande lago. Ao retornar, encontra, no terreiro,
outro peru que bicava a cabeça do primeiro peru com ferocidade. Chega a noite e
a criança vê um vaga-lume. O menino que descobrira a dor e a morte redescobre a
alegria.
Trechos
Escolhidos:
1. Era uma viagem inventada no feliz; para ele, produzia-se
em caso de sonho.
2. A Mãe e o Pai vinham trazê-lo ao aeroporto. A Tia e o Tio
tomavam conta dele, justinhamente. Sorria-se, saudava-se, todos se ouviam e
falavam.
3. A vida podia às vezes raiar numa verdade extraordinária.
Mesmo o afivelarem-lhe o cinto de segurança virava forte afago, de proteção, e
logo novo senso de esperança: ao não-sabido, ao mais. Assim um crescer e
desconter-se - certo como o ato de respirar - o de fugir para o espaço em
branco. O Menino.
4. O Menino via, vislumbrava. Respirava muito. Ele queria
poder ver ainda mais vivido - as novas tantas coisas - o que para os seus olhos
se pronunciava.
5. Iam de jipe, iam aonde ia ser um sítio do Ipê. O Menino
repetia-se em íntimo o nome de cada coisa.
6. Esta grande cidade ia ser a mais levantada do mundo.
7. Ali fabricava-se o grande chão do aeroporto - transitavam
no extenso as compressoras, caçambas, cilindros, o carneiro socando com seus
dentes de pilões, as betumadoras. E como haviam cortado lá o mato? - a Tia
perguntou. Mostraram-lhe a derrubadora, que havia também: com a frente uma
lamina espessa, feito limpa-trilhos, a espécie de machado.
8. Tudo se amaciava na tristeza. Até o dia; isto era: já o
vir da noite.... alguma força, nele, trabalhava por arraigar raízes,
aumentar-lhe alma.
9. Movia-o um ódio. Pegava de bicar, feroz, aquela outra
cabeça. O Menino não entendia. A mata, as mais negras árvores, eram um montão
demais; o mundo. Trevava. Voava, porém, a luzinha verde, vindo mesmo da mata, o
primeiro vaga-lume. Sim, o vaga-lume, sim, era lindo! - tão pequenino, no ar, um
instante só, alto, distante, indo-se. Era, outra vez em quando, a Alegria.
Questão UESC
2010
Senhor! Quando avistou o peru, no centro do terreiro, entre
a casa e as árvores da mata. O peru, imperial, dava-lhe as costas, para receber
sua admiração. Estalara a cauda, e se entufou, fazendo roda: o rapar das asas
no chão — brusco, rijo, — se proclamara. Grugulejou, sacudindo o abotoado
grosso de bagas rubras; e a cabeça possuía laivos de um azul-claro, raro, de
céu e sanhaços; e ele, completo,
torneado, redondoso, todo em esferas e planos, com reflexos de verdes metais em
azul-e-preto — o peru para sempre. Belo, belo! Tinha qualquer coisa de calor,
poder e flor, um transbordamento. Sua ríspida grandeza tonitruante. Sua
colorida empáfia. Satisfazia os olhos, era de se tanger trombeta. Colérico,
encachiado, andando, gruziou outro gluglo. O menino riu, com todo o coração.
Mas só bis-viu. Já o chamavam, para passeio.
ROSA, João Guimarães. As margens da alegria. Primeiras
estórias. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968. p. 4.
Considere o fragmento no contexto do conto e teça um
comentário sobre as intervenções do adulto na relação da criança com os
momentos de desvendamento de realidades novas.
"Famigerado"
Um médico estava em
casa quando chegam quatro cavaleiros, dos quais um “não tinha cara de ser muito
amigo”. Apesar do medo, crente que se tratava de um jagunço, o médico pergunta
qual a razão da visita. O sujeito se identifica e confirma a suspeita do médico.
Numa conversa lenta, entrecortada, o homem explica que desejava saber o
significado da palavra “famigerado”, que um funcionário do Governo lhe
dissera. Como ninguém soubera explicar-lhe, acreditava que o doutor soubesse
fazê-lo. O médico, com ares de culto, diz que o significado seria próximo de
“notável” ou “célebre”. O famigerado pede maiores explicações e o médico continua
a acrescentar sentidos positivos para a palavra. O jagunço, satisfeito,
dispensa os homens que trouxera de testemunhas e parte feliz. O final é um
anti-clímax, já que tudo termina bem depois do clima de suspense de toda a
narrativa. O médico não mentiu: ele apresentou uma das interpretações possíveis
para a palavra famigerado, mas não citou aquela que é a mais comum: bandido.
(UEL) A
questão a seguir refere-se à passagem transcrita do conto “Famigerado”
(Primeiras Estórias, 1962), de João Guimarães Rosa (1908-1967)
[...] Vosmecê agora
me faça a boa obra de querer me ensinar o que é mesmo que é: fasmisgerado...
faz- megerado... falmisgeraldo... familhas-gerado...?
Disse, de golpe,
trazia entre dentes aquela frase. Soara com riso seco. Mas, o gesto, que se
seguiu, imperava-se de toda a rudez primitiva, de sua presença dilatada.
Detinha minha resposta, não queria que eu a desse de imediato. E já aí outro
susto vertiginoso suspendia-me: alguém podia ter feito intriga, invencionice de
atribuir-me a palavra de ofensa àquele homem; que muito, pois, que aqui ele se
famanasse, vindo para exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a vexatória
satisfação?
- “Saiba vosmecê que
saí ind’hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis léguas, expresso direto
pra mor de lhe preguntar a pregunta, pelo claro...”
Se sério, se era.
Transiu-se-me.
“Lá, e por estes
meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem tem o legítimo – o livro que
aprende as palavras... É gente pra informação torta, por se fingirem de menos
ignorâncias... Só se o padre, no São Ão, capaz, mas com padres não me dou: eles
logo engambelam... A bem. Agora, se me faz mercê, vosmecê me fale, no pau da
peroba, no aperfeiçoado: o que é que é, o que já lhe perguntei?
Se simples. Se digo.
Transfoi-se-me. Esses trizes:
Famigerado?
“Sim senhor...” – e,
alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos vermelhões da raiva, sua voz fora de
foco. E já me olhava, interpelador, intimativo – apertava-me. Tinha eu que
descobrir a cara. – Famigerado? Habitei preâmbulos. Bem que eu me carecia
noutro ínterim, em indúcias. Como por socorro, espiei os três outros, em seus
cavalos, intugidos até então, mumumudos. Mas, Damázio:
“Vosmecê declare.
Estes aí são de nada não. São da Serra. Só vieram comigo, pra testemunho...”
Só tinha de
desentalar-me. O homem queria estrito o caroço: o verivérbio.
Famigerado é inóxio,
é “célebre”, “notório”, “notável”...
“Vosmecê mal não
veja em minha grossaria no não entender. Mais me diga: é desaforado? É
caçoável? É de arrenegar? Farsância? Nome de ofensa?”
Vilta nenhuma,
nenhum doesto. São expressões neutras, de outros usos...
“Pois... e o que é
que é, em fala de pobre, linguagem de em dia-de-semana?”
Famigerado? Bem. É:
“importante”, que merece louvor, respeito...
Vosmecê agarante,
pra a paz das mães, mão na Escritura?”
Se certo! Era para
se empenhar a barba. Do que o diabo, então eu sincero disse:
Olhe: eu, como o sr.
me vê, com vantagens, hum, o que eu queria uma hora destas era ser famigerado –
bem famigerado, o mais que pudesse!...
“Ah, bem!...” –
soltou, exultante.
(ROSA, João
Guimarães. Primeiras Estórias. 14. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p.
15-16.)
De acordo com o Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa, o adjetivo “famigerado” significa “que tem fama; muito notável;
célebre; famoso; famígero”. Acontece que, tendo sido utilizado inúmeras vezes
associado à palavra malfeitor, “famigerado malfeitor”, acabou por adquirir o
significado negativo do substantivo ao qual esteve reiteradamente ligado. Daí
resultou uma segunda acepção: “mal afamado, perverso”. O segundo significado é
resultante de desvio em relação ao significado primeiro.
Com base nessa elucidação, na passagem do conto rosiano
transcrita e no conto como um todo, considere as afirmativas a seguir.
I. Damazio, o
jagunço, procura o médico no arraial para esclarecimento a respeito da palavra
“famigerado” porque acha que foi ofendido pelo moço do Governo que assim o
denominou.
II. A resposta
oferecida pelo médico à questão levantada pelo jagunço não foi motivada pelo
medo de possível violência por parte do jagunço, mas antes pelo seu
conhecimento da língua portuguesa restrito aos registros da norma culta.
III. Damazio só foi
procurar pelo médico no arraial porque no sertão, embora existam dicionários
disponíveis, “o legítimo – o livro que aprende as palavras”, não há quem possa
resolver questões desta espécie.
IV. Quando
questionado pelo jagunço, o médico, para evitar maiores problemas, oferece-lhe
o primeiro significado da palavra, engambelando, desta forma, o homem do sertão
e evitando possível violência.
1. Estão corretas apenas as afirmativas:
a) I e II. b) I e IV. c) III e IV. d) I, II e III e) II, III e IV.
2. As palavras de Damázio são registradas de maneira
condizente com sua origem sertaneja. Assim, lê-se, no texto, entre muitas
outras expressões similares, “pra mor de lhe preguntar a pregunta”. Tal fato
revela:
a) Preconceito do
autor com relação ao sertanejo iletrado, marginalizando-o através da fiel
transcrição de sua fala em desacordo com a norma lingüística vigente e
incompreensível para o homem culto da cidade.
b) Descaso do autor
com o registro da fala do homem do sertão, somando-se, desta forma, com a política
brasileira dominante em 1962, quando seu livro foi escrito, que pouco se ateve
à problemática destes seres marginalizados.
c) Consciência
política do autor que, através do registro da fala arcaica de seus sertanejos,
objetiva trazer à tona problemas concernentes à marginalidade e à subserviência
experimentadas por esses homens incapazes de ostentar alguma forma de poder.
d) Vínculo da obra
rosiana com obras regionalistas brasileiras que a antecederam nas quais há o
registro concomitante de duas falas muito diferentes entre si, a do sertanejo e
a do homem da cidade, como é o caso, por exemplo, de São Bernardo, de
Graciliano Ramos.
e)
Conhecimento, por parte do autor, da existência de um ser outro, ainda que
também brasileiro, distinto daquele que se faz presente na cidade, sendo que
sua especificidade registra-se de diferentes maneiras, inclusive na maneira
como fala.
3. Assinale a alternativa em que os termos substituem,
respectivamente, os neologismos “se famanasse” e “verivérbio”, sem alterar o sentido
das frases no texto transcrito.
a) Ficasse contente;
a visão clara da verdade. b) Se
sentisse enaltecido; a etimologia da palavra.
c) Estivesse saciado; a opinião sincera do
narrador. d) Ficasse famoso; a
necessidade da palavra.
e) Agisse
como valentão; o sentido preciso da palavra.
Questão UESC 2011
— “Saiba vosmecê que
saí ind`hoje da Serra, que vim, sem parar, essas seis léguas, expresso direto
pra mor de lhe
perguntar a
pergunta, pelo claro...”
Se sério, se era.
Transiu-se-me.
— “Lá, e por estes
meios de caminho, tem nenhum ninguém ciente, nem tem o legítimo — o livro que
aprende as palavras...
É gente pra
informação torta, por se fingirem de menos ignorâncias... Só se o padre, no São
Ão, capaz, mas com padres não me dou: eles logo engambelam... A bem. Agora, se
me faz mercê, vosmecê me fale, no pau da peroba, no aperfeiçoado: o que é que é,
o que já lhe perguntei?”
Se simples. Se digo.
Transfoi-se-me. Esses trizes:
— Famigerado?
— “Sim senhor...” —
e, alto, repetiu, vezes, o termo, enfim nos vermelhões da raiva, sua voz fora
de foco. E já me olhava, interpelador, intimativo — apertava-me.
ROSA, João
Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 395.
Contextualizando o
fragmento na obra, explique como a limitação vocabular poderia gerar uma situação
de conflito e como isso é resolvido na narrativa.
"Sorôco,
sua mãe, sua filha"
Um trem com um vagão
especial espera na estação para levar a mãe e a filha de Sorôco para o hospício
em Barbacena. Com sua melhor roupa, o homem traz as duas pelo braço. Uma
multidão vem acompanhar esse triste espetáculo, mas todos tentam respeitar a
dor de Sorôco. Inusitadamente, ambas começam a cantar uma canção que ninguém
compreendia. Sorôco nem tem coragem de olhar para o trem quando este parte. De
repente, tomado pela dor, passa a cantar a mesma canção de suas familiares.
Toda a comunidade ali principia a cantar também e a acompanhar Sorôco.
Um trem aguarda a
chegada da mãe e da filha de Sorôco, para conduzi-las ao manicômio de
Barbacena. Durante o trajeto até a estação, levadas por Sorôco, elas começam
surpreendentemente a cantar.
Quando o trem parte,
Sorôco volta para casa cantando a mesma canção, e os amigos da cidadezinha
cantam junto.
1. Que sentido tem a canção na construção da estória?
A música aparece, no
final do conto de maneira não programada pelas pessoas que acompanhavam a
despedida de Sorôco, e, porque sentiam dó dele, entoaram aquela canção meio sem
sentido. Cantaram animados e acompanharam a personagem de maneira tal que a
ação ficou na memória como evento sem comparação. Usando essa imagem Guimarães
Rosa consegue transmitir para o leitor
uma ideia de solidariedade e união de desconhecidos.
Aí, paravam. A filha – a moça – tinha pegado a cantar,
levantando os braços, a cantiga não vigorava certa, nem no tom nem no se-dizer das
palavras ... Sem
tanto que diferentes, elas se assemelhavam.
2. Quais são as
semelhanças entre essas mulheres?
Guimarães Rosa dedica a maior
parte da descrição do texto para Sorôco, logo pouco sabemos dessas duas
mulheres, mas é possível vê-las vestidas de
forma diferentes - enquanto a mãe está toda de preto, a filha vestia-se exageradamente com panos e até papéis. Segundo o narrador
tinha em comum a maluquice.
Trechos escolhidos:
1. Ia servir para levar duas mulheres, para longe,
para sempre.
2. A mãe de Sorôco era de idade,
com para mais de uns setenta. A filha, ele só tinha aquela. Sorôco era viúvo.
Afora essas, não se conhecia dele o parente nenhum.
3. Para onde ia, no levar as
mulheres, era para um lugar chamado Barbacena, longe. Para o pobre, os lugares
são mais longe.
4. Alguém deu aviso: – "Eles
vêm!... " Apontavam, da Rua de Baixo, onde morava Sorôco. Ele era um
homenzão, brutalhudo de corpo, com a cara grande, uma barba, fiosa, encardida
em amarelo, e uns pés, com alpercatas: as crianças tomavam medo dele; mais, da
voz, que era quase pouca, grossa, que em seguida se afinava. Vinham vindo, com
o trazer de comitiva.
5. O que os outros se diziam: que Sorôco tinha tido muita
paciência. Sendo que não ia sentir falta dessas transtornadas pobrezinhas, era
até um alívio. Isso não tinha cura, elas não iam voltar, nunca mais. De antes,
Sorôco agüentara de repassar tantas desgraças, de morar com as duas, pelejava.
Daí, com os anos, elas pioraram, ele não dava mais conta, teve de chamar ajuda,
que foi preciso. Tiveram que olhar em socorro dele, determinar de dar as
providências de mercê. Quem pagava tudo era o Governo, que tinha mandado o
carro. Por forma que, por força disso, agora iam remir com as duas, em
hospícios. O se seguir.
6. O trem chegando, a máquina
manobrando sozinha para vir pegar o carro. O trem apitou, e passou, se foi, o
de sempre. Sorôco nâo esperou tudo se sumir. Nem olhou. Só ficou de chapéu na
mão, mais de barba quadrada, surdo – o que nele mais espantava. O triste do
homem, lá, decretado, embargando-se de poder falar algumas suas palavras. Ao
sofrer o assim das coisas, ele, no oco sem beiras, debaixo do peso, sem queixa,
exemploso. E lhe falaram: – "O mundo esta dessa forma... " Todos, no
arregalado respeito, tinham as vistas neblinadas. De repente, todos gostavam
demais de Sorôco.
7. A gente se esfriou, se afundou
– um instantâneo. A gente... E foi sem combinação, nem ninguém entendia o que
se fizesse: todos, de uma vez, de dó do Sorôco, principiaram também a
acompanhar aquele canto sem razão. E com as vozes tão altas! Todos caminhando,
com ele, Sorôco, e canta que cantando, atrás dele, os mais de detrás quase que
corriam, ninguém deixasse de cantar. Foi o de não sair mais da memória. Foi um
caso sem comparação.
A gente estava levando agora o
Sorôco para a casa dele, de verdade. A gente, com ele, ia até aonde que ia
aquela cantiga.
"A
menina e lá"
O narrador em
primeira pessoa conta o seu contato com uma menina, Nhinhinha, de cerca de 4
anos e paranormal, que contava estórias vagas e absurdas. A família não se
incomodava com a menina e esta se dava muito bem com o narrador. Entre outros assuntos,
ela dizia que iria encontrar em breve os parentes dela que já haviam morrido.
Pequenos “milagres” ocorrem. Por exemplo, um sapo obedece a menina; a mãe dela
fica doente, a menina a beija e aquela fica curada. O narrador não deixa clara
sua posição: eram milagres ou coincidências? Um dia, a tia da menina,
Tiântonia, repreende Nhinhinha, pois esta descreve como queria seu caixão. Pouco
depois, a garota morre.
“Não que parecesse olhar ou
enxergar de propósito. Parava quieta, não queria bruxas de pano, brinquedo
nenhum, sempre sentadinha onde se achasse, pouco se mexia. — "Ninguém
entende muita coisa que ela fala..." — dizia o Pai, com certo espanto.
Menos pela estranhez das palavras, pois só em raro ela perguntava, por exemplo:
- "Ele xurugou?" — e, vai ver, quem e o quê, jamais se saberia. Mas,
pelo esquisito do juízo ou enfeitado do sentido. Com riso imprevisto: —
"Tatu não vê a lua..." — ela falasse. Ou referia estórias, absurdas,
vagas, tudo muito curto: da abelha que se voou para uma nuvem; de uma porção de
meninas e meninos sentados a uma mesa de doces, comprida, comprida, por tempo
que nem se acabava; ou da precisão de se fazer lista das coisas todas que no
dia por dia a gente vem perdendo. Só a pura vida.”
1. Com base no trecho acima e na totalidade da estória
comente sobre a singularidade de
Nhinhinha e sobre seu olhar para as coisas. Para isso tome como ponto de partida
a sua relação familiar.
Ninhinha era uma
menina que tinha um olhar lúdico-fantástico para o mundo criava novas formas de
falar e conseguia observar particularidades que seus familiares não percebiam
como dizer que o ar tinha cheiro de
lembranças. Com o tempo percebeu-se que tudo que a menina desejava se
realizava. Nesse momento temos um conflitos entre os desejos de Nininha e os desejos materiais de seus pais. Esses queriam que ela desejasse
chuva, cura de doenças, enquanto ela queria o arco-íris ou o mundo de lá.
Conversávamos, agora. Ela
apreciava o casacão da noite. — "Cheiinhas!" — olhava as estrelas,
deléveis, sobrehumanas. Chamava-as de "estrelinhas pia-pia". Repetia:
— "Tudo nascendo!" — essa sua exclamação dileta, em muitas ocasiões,
com o deferir de um sorriso. E o ar. Dizia que o ar estava com cheiro de
lembrança. — "A gente não vê quando o vento se acaba..." Estava no
quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que
ouvia exagerado: - "Alturas de urubuir..." Não, dissera só: -
"... altura de urubu não ir." O dedinho chegava quase no céu.
Lembrou-se de: — "Jabuticaba de vem-mever..." Suspirava, depois: — "Eu quero ir para lá." — Aonde? –
"Não sei" Aí, observou: — "O passarinho desapareceu de
cantar..." De fato, o passarinho tinha estado cantando, e, no escorregar
do tempo, eu pensava que não estivesse ouvindo; agora, ele se interrompera. Eu
disse: — "A Avezinha." De por diante, Nhinhinha passou a chamar o
sabiá de "Senhora Vizinha..." E tinha respostas mais longas: —
"Eeu? Tou fazendo saudade." Outra hora falava-se de parentes já
mortos, ela riu: — "Vou visitar eles..." Ralhei, dei conselhos, disse
que ela estava com a lua. Olhou-me, zombaz, seus olhos muito perspectivos: -
"Ele te xurugou?" Nunca mais vi Nhinhinha.
3. Quando Nhinhinha,
personagem de Guimarães Rosa pede um caixãozinho cor-de-rosa com enfeites
brilhantes tem a mesma simbologia da estrela desejada por Estela personagem do
escritor Aleiton Fonseca? Justifique.
São personagens que tem um olhar incomum para
as coisas, não são entendidas claramente por seus familiares e morrem muito
cedo. Ninhinha, deseja o seu caixão
e anuncia a sua morte ao passo que a estrela desejada por Estela era um presente para seu irmão e não está atrelada à sua .
Importa ressaltar que as meninas revelam valores simulares e distintas de nossa
sociedade capital.
4. O trecho em negrito revela que o “lá” pode ser
entendido como que lugar a que pertence a menina?
O texto produz uma
personagem fantástica e não revela totalmente sua personalidade a ponto de
poder caracterizá-la como anjo ou pertencente ao céu. No entanto, é possível
dizer que o lá que nem mesmo Nininha sabe é um mundo menos real, mais
fantástico.
Trechos Escolhidos:
1. Sua casa ficava para trás da Serra do Mim, quase no meio de
um brejo de água limpa, lugar chamado o Temor-de-Deus. O Pai, pequeno sitiante,
lidava com vacas e arroz; a Mãe, urucuiana, nunca tirava o terço da mão, mesmo
quando matando galinhas ou passando descompostura em alguém. E ela, menininha,
por nome Maria, Nhinhinha dita, nascera já muito para miúda, cabeçudota e com
olhos enormes.
2. Não que parecesse olhar ou
enxergar de propósito. Parava quieta, não queria bruxas de pano, brinquedo
nenhum, sempre sentadinha onde se achasse, pouco se mexia. — "Ninguém
entende muita coisa que ela fala..." — dizia o Pai, com certo espanto.
Menos pela estranhez das palavras, pois só em raro ela perguntava, por exemplo:
- "Ele xurugou?" — e, vai ver, quem e o quê, jamais se saberia. Mas,
pelo esquisito do juízo ou enfeitado do sentido. Com riso imprevisto: —
"Tatu não vê a lua..." — ela falasse. Ou referia estórias, absurdas,
vagas, tudo muito curto: da abelha que se voou para uma nuvem; de uma porção de
meninas e meninos sentados a uma mesa de doces, comprida, comprida, por tempo
que nem se acabava; ou da precisão de se fazer lista das coisas todas que no
dia por dia a gente vem perdendo. Só a pura vida.
3. Em geral, porém, Nhinhinha, com
seus nem quatro anos, não incomodava ninguém, e não se fazia notada, a não ser
pela perfeita calma, imobilidade e silêncios. Nem parecia gostar ou desgostar
especialmente de coisa ou pessoa nenhuma. Botavam para ela a comida, ela
continuava sentada, o prato de folha no colo, comia logo a carne ou o ovo, os
torresmos, o do que fosse mais gostoso e atraente, e ia consumindo depois o
resto, feijão, angu, ou arroz, abóbora, com artística lentidão. De vê-la tão
perpétua e imperturbada, a gente se assustava de repente. — "Nhinhinha,
que é que você está fazendo?" — perguntava-se. E ela respondia, alongada,
sorrida, moduladamente: — "Eu... to-u... fa-a-zendo". Fazia vácuos.
Seria mesmo seu tanto tolinha?
4. Nada a
intimidava... Ninguém
tinha real poder sobre ela, não se sabiam suas preferências. Como puni-la? E,
bater-lhe, não ousassem; nem havia motivo.
5. Sei, porém, que foi por aí que
ela começou a fazer milagres. ... Só que queria muito pouco, e sempre as coisas levianas e
descuidosas, o que não põe nem quita. Assim, quando a Mãe adoeceu de dores, que
eram de nenhum remédio, não houve fazer com que Nhinhinha lhe falasse a cura.
Sorria apenas, segredando seu — "Deixa... Deixa..." — não a podiam
despersuadir. Mas veio vagarosa, abraçou a Mãe e a beijou , quentinha. A Mãe,
que a olhava com estarrecida fé, sarou-se então, num minuto. Souberam que ela
tinha também outros modos.
V -
"Os irmão Dagobé"
O
irmão mais velho, Damastor, havia sido morto. Esta era uma família temida na
região, devido à prática de usar a violência como solução para seus problemas.
O assassino, Liojorge, era um homem pacífico da região, que o matara em
legítima defesa. Todos esperavam uma vingança por parte dos irmãos Dagobé. Mas
eles se preocupavam mais com o velório do irmão, recebendo com cortesia quem ia
lá render homenagens ao morto. Liojorge oferece-se para carregar o caixão, para
provar que não matara por motivo fútil. Os irmãos aceitam. Todos estão na
expectativa de que, após o enterro, a vingança seria consumada. Mas, para
surpresa de todos, eles dizem para Liojorge se recolher porque eles partiriam
para a cidade grande.
ENORME DESGRAÇA.
ESTAVA-SE NO VELÓRIO DE DAMASTOR Dagobé, o mais velho dos quatro irmãos,
absolutamente facínoras. A casa não era pequena; mas nela mal cabiam os que vinham
fazer quarto. Todos preferiam ficar perto do defunto, todos temiam mais ou
menos os três vivos.
.................
Depois do que muito
sucedeu, porém, espantavam-se de que os irmãos não tivessem obrado a vingança.
Em vez, apressaram-se de armar velório e enterro. E era mesmo estranho.
1. Comente sobre o trecho em negrito relacionando-o com
toda narrativa.
Os irmãos Dagobé eram
conhecidos por suas maldades e vinganças em todo lugar por onde passavam assim,
quando o irmão mais velho morre, esperava-se por parte dos mais novos uma ação
de vingança sangrenta, o que não ocorre.
Tal fato deixa antever que os irmãos eram apenas seguidores do irmão mais velho
já que esse era o chefe da família.
Só disse,
subitamente ouviu -se: - "Moço, o senhor vá, se recolha. Sucede que o meu
saudoso Irmão é que era um diabo de danado ... »
Disse isso, baixo e
mau-som. Mas se virou para os presentes.
Seus dois outros
manos, também. A todos, agradeciam. Se não é que não sorriam, apressurados.
Sacudiam dos pés a lama, limpavam as caras do respingado. Doricão, já fugaz,
disse, completou: - "A gente, vamos' embora, morar em cidade grande ...
" O enterro estava acabado. E outra chuva começava.
2. De que forma
o trecho acima constrói um anticlímax na narrativa?
A construção da narrativa nos levaria a mais
uma história de vingança familiar, mas o que acontece é o perdão ao assassino e
a saída dos irmãos da cidade. Isso além
de surpreender o leitor da história também revela que os irmãos não tinham a
mesma índole do irmão mais velho.
Trechos escolhidos:
1. Demos, os
Dagobés, gente que não prestava. Viviam em estreita d desunião, sem mulher sem
lar, sem mais parentes, sob a chefia despótica do recém-finado. Este fora o
grande pior, o cabeça, Ferrabrás e mestre, que botara na obrigação da ruim fama
os mais moços "os meninos", segundo seu rude dizer.
2. Agora, porém,
durante que morto, em não-tais condições, deixava de oferecer perigo, possuindo
- no aceso das velas, no entre algumas flores - só aquela careta sem-querer, o queixo de
piranha, o nariz torto e seu inventário de maldades. Debaixo das vistas dos
três em luto devia-se-lhe contudo guardar ainda acatamento, convinha.
"A terceira margem do rio"
Um
filho narra a estória da decisão do pai que abandona a família para morar na
terceira margem do rio. Este manda fazer uma canoa, despede-se de todos e
parte. A esposa diz: “Cê vai, ocê fique ,você nunca volte!”. Qual a
razão da partida? Ninguém sabe. O filho furtava comida para levar ao pai até um
local onde ele pudesse apanhá-la. A mãe facilitava essa artimanha do filho. A
mulher, inconformada, chamou padre, soldados, jornalistas, para ver se
conseguiria convencer o marido a parar com tal atitude. O pai fica longe e
perto da família... A filha se casa e não quer saber de festejos. O neto nasce,
mas ele não aparece para vê-lo. A irmã do narrador se muda. O narrador, cada
vez mais, se parece com seu pai. Já velho, o narrador decide tomar o lugar do
pai, que deixa a entender que aceita a troca. Mas o narrador, tomado pelo medo,
foge dessa incumbência. O conto termina com o pedido do filho para que o
coloquem numa canoa rio abaixo, quando morrer.
O fragmento textual
que segue, retirado da narrativa A terceira margem do rio, de João Guimarães
Rosa, servirá de base para esta questão
Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha
tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio — o
rio — pondo perpétuo [grifo nosso]. Eu sofria já o começo da velhice — esta
vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo,
cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais.
De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar o
vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do
rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira,
brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha
tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro.
Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando idéia. (ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. Rio de
Janeiro: J. Olympio, 1976.)
1. No quadro do Modernismo literário no Brasil, a obra
de Guimarães Rosa destaca-se pela inventividade da criação estética. Considerando-se
o fragmento em análise, essa inventividade da narrativa roseana pode ser
constatada através do(a):
a) recriação
do mundo sertanejo pela linguagem, a partir da apropriação de recursos da
oralidade.
b) aproveitamento de
elementos pitorescos da cultura regional que tematizam a visão de mundo
simplista do homem sertanejo.
c) resgate de
histórias que procedem do universo popular, contadas de modo original, opondo
realidade e fantasia.
d) sondagem da
natureza universal da existência humana, através de referência a aspectos da
religiosidade popular.
e) Todas as
afirmativas são corretas.
Leia o texto para responder as questões seguintes:
Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro,
positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as
diversas pessoas sensatas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me
alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros,
conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário
com a gente - minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai
mandou fazer para si uma canoa.
Era a sério. Encomendou a canoa especial,
de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo
o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arquejada em rijo,
própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou
muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia
propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no
tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí
se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a
forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.
Sem alegria nem cuidado, nosso pai
encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não
pegou matula e trouxa, não fez nenhuma recomendação. Nossa mãe, a gente achou
que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e
bramou:
- "Cê vai, ocê
fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso
para mim, me acenando de vir também, por
uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me
animava, chega que um propósito perguntei: - "Pai, o senhor me leva junto,
nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com
gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato,
para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se
indo - a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa. (Guimarães Rosa, J.
Ficção Completa.Rio de Janeiro, Ed. Nova Aguilar, 1994, p. 409).
2. (PUC) Segundo o Texto, na visão do menino:
(A) a mãe
era uma pessoa brava e enérgica; o pai, metódico e calado.
(B) a mãe não
aprovava a idéia de ver o marido levar o filho para caçadas e pescarias.
(C) a mãe era a
responsável pela saída do pai.
(D) o pai o
abandonou, porque não gostava dele.
(E) era bom viajar
com o pai, mas era melhor ficar no aconchego do lar.
3. Sobre o Texto, só
NÃO podemos dizer que:
(A)
apresenta cenário rural em que se percebem elementos arcaizantes.
(B)
possui narrador de primeira pessoa que se mostra consciente de que seu narrar
provém da memória.
(C)
mostra, na figura feminina, traços da herança matriarcal.
(D)
pretende reproduzir o linguajar dos habitantes da região retratada.
(E) desenha, com precisão, as características físicas, morais e
psicológicas dos personagens.
4. O Texto apresenta:
(A)
preocupação evidente com a realidade social das populações sertanejas
marginalizadas.
(B) narração focada na complexidade
e na aparente gratuidade das ações humanas.
(C)
explicação determinista para o comportamento dos personagens.
(D)
posição ufanista diante da terra e do homem brasileiro, sendo este visto como
um ser desbravador e heróico.
(E)
descrição detalhista das riquezas naturais caracterizadoras do ambiente enfocado.
“Sofri o grave frio dos medos,
adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou
o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar
com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte,
peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não
pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio”.
5. A que se deve o desejo final do narrador do conto A
terceira Margem do Rio?
Depois de ter fraquejado em assumir a sina do
pai de vagar no rio, sem pouso e sem beira, o narrador deseja quando morrer ser
colocado para vagar nas águas que não
param. A sugestão é que assim ele cumpriria a sina para qual estava destinado.
6. Ao utilizar o vocábulo falimento, o personagem
assume sua incapacidade para:
(A) prever o futuro (B) substituir o pai (C) esquecer a infância (D) encontrar a verdade
“Nossa mãe, vergonhosa, se
portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que
não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser
pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com
alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir,
perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas
pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda —
descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de
dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então,
pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que
tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava
s'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se
arrependia, por uma vez, para casa”.
7. O trecho acima
apresenta algumas explicações para que o pai do narrador tivesse optado por
isolar-se. Considerando a totalidade do texto alguma dessas opções são
plausíveis? Justifique.
As sugestões de
loucura ou doença feia não podem ser tomadas com reais, já que o narrador não
nos dá uma definição da personagem. Seus motivos e seu fim é um mistério.
8. O conto “A
terceira margem do rio”, que faz parte do livro Primeiras estórias, de
Guimarães Rosa, é um dos textos mais célebres e complexos do autor. Acerca
desse conto, é correto afirmar que
A
( ) ele retrata de forma simbólica o luto vivido pelo narrador, depois que seu
pai passou a viver em uma canoa, o que equivale explicitamente à morte.
B
( ) ele apresenta o drama vivido pelo narrador, que não consegue nunca encerrar
a espécie de luto na qual mergulha após a partida do pai, que nem vai embora
nem regressa.
C
( ) se trata de uma obra cuja singularidade reside unicamente no fato de as
personagens não terem nome e de não haver localização geográfica precisa.
D
( ) se trata de um texto que mostra de forma alegórica as dificuldades de uma
família diante do drama da loucura, que levou o pai a embarcar na canoa.
E
( ) é impossível encontrar um sentido para a atitude do homem que embarca na
canoa, e isso ilustra a imprevisibilidade do destino humano.
a) Errada. O
advérbio “explicitamente” denuncia o erro desta alternativa. b) Correta. Esta é
a temática do conto. c) Errada. O advérbio “unicamente” nos forneceu a
pista para o erro desta alternativa. Trata-se de um dos contos mais célebres de
Guimarães Rosa, autor marcado pela genialidade estilística e temática. Logo, o
conto vai muito além do que se caracteriza nesta alternativa. d) Errada.
A alegoria é a própria viagem em busca do inatingível e, não, a mera loucura. e)
Errada. Não é que falte um sentido para atitude do pai, mas não se sabe
qual é este sentido. Além disso, mais do que “a imprevisibilidade do destino
humano”, temos a ilustração da vida “congelada”, isto é, quando não se regressa
nem se vai em definitivo.
Trechos escolhidos:
1. Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido
assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas
pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não
figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só
quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha
irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si
uma canoa.
2. Nossa mãe jurou muito contra a
idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para
pescarias e caçadas?
Nosso pai nada não dizia... E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.
3. Sem alegria nem cuidado, nosso
pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. ... — "Cê vai, ocê fique, você
nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me
acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci,
de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: —
"Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o
olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás.
4. Nosso pai não voltou. Ele não
tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles
espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar,
nunca mais.
5. A gente teve de se acostumar
com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na
verdade... Não
pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem
capim... não
armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou
um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente
depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do
barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força
dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no
subimento...
6. E nunca falou mais palavra, com
pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava.
7. Às vezes, algum conhecido nosso
achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai.
8. Sendo que, se ele não se
lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o
rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável?
9. Minha irmã se mudou, com o
marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os
tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também,
de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de
resto.
10. Sem fazer véspera. Sou doido?
Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos
todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só
fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu
sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali,
sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o
que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o
senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece
mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu
tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu
no compasso do mais certo.
11. Ele me escutou. Ficou em pé.
Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de
repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto
— o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor,
arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento
desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou
pedindo, pedindo, pedindo um perdão.
"Pirlimpsiquice"
O
narrador conta sua experiência inusitada quando foi representar uma peça de
teatro com um grupo de colegas na escola. O prof. Perdigão era o autor do texto
e se empenhava para que todos soubessem seus papéis de cor. O narrador tinha
como tarefa ser o chamado ponto, ou seja, aquele que decora todas as
falas da peça para auxiliar aqueles atores que, eventualmente, esquecem o
texto original. Como havia um grupo de alunos opositores da turma,
os atores começaram a criar uma peça falsa para enganar aqueles que não eram
integrantes da montagem. Eles começaram a criar um 2o texto e a se
entusiasmar mais com este do que com o do professor.
A
turma dos “inimigos” começou a espalhar uma 3a estória, inventada por
Gamboa, dizendo que aquela era a verdadeira. Além desses percalços, os atores-estudantes
tinham de enfrentar mais uma dificuldade: Zé Boné jamais conseguia dizer seu
texto sem erros ou esquecimentos. Ficou decidido que ele ficaria mudo no palco.
No dia da representação, um dos principais atores não podia comparecer e restava
ao narrador-ponto substituir o colega. Acontece que, diante do público, ele,
que sabia todas as falas, se calou e teve um “branco”. Recebeu uma grande vaia
e, em seguida, começou o texto. A vergonha tomou conta dos outros atores e
outra vaia ocorreu. Coube a Zé do Boné, o que devia ficar mudo, salvar o grupo.
Ele começou a representar a peça do desafeto da equipe, ou seja, o texto da 3a estória, cujo autor era
Gamboa. O grupo não aceitou essa hipótese e começou a encenar o texto que
haviam criado — a 2a estória. Eles não
sabiam como terminar a peça, apesar da alegria de representar seu próprio
texto. O narrador descobriu ”uma maneira de sair — do fio, do rio, da
roda, do representar sem fim.” Caminhou rumo à beira do palco e despencou
lá de cima. “E me parece , o mundo se acabou.”
AQUILO NA NOITE DO NOSSO
TEATRINHO FOI DE OH. O estilo espavorido. Ao que sei,
que se saiba, ninguém soube sozinho direito o que houve. Ainda, hoje adiante, anos, a gente se lembra: mas, mais do repente
que da desordem, e menos da desordem do que do rumor.
...........................................
Então, querendo e
não querendo, e não podendo, senti: que - só de um jeito. Só uma maneira de
interromper, só a maneira de sair - do fio, do rio, da roda, do representar sem
fim. Cheguei para a frente, falando sempre, para a beira da beirada. Ainda
olhei, antes. Tremeluzi. Dei a cambalhota. De propósito, me despenquei. E caí.
E, me parece, o mundo se acabou.
1. Considerando os excertos acima comente levando em
consideração a ordem dos elementos grifados.
Ao
utilizar o termo “oh” Guimarães Rosa claramente
propõe que o acontecimento foi marcante para a vida do narrador, tal afirmação se comprova no termo destacado seguinte ao
afirmar que mesmo com o passar dos anos
o grupo que realizou aquela peça de teatro improvisada não esqueceu. Também
relembra que como a peça era uma
representação da vida, uma única forma dela terminar seria caindo. Forma
que temos para parar.
Trechos escolhidos:
1. "Representar é aprender a
viver além dos levianos
sentimentos, na
verdadeira dignidade"
2. Zé Boné representava - de rijo
e bem, certo, a fio, atilado ¬para toda a admiração. Ele desempenhava um
importante papel, o qual a gente não sabia qual. Mas, não se podia romper em
riso. Em verdade. Ele recitava com muita existência. De repente, se viu: em
parte, o que ele representava, era da estória do Gamboa! Ressoaram as muitas palmas.
3. A princípio, um disparate - as
desatinadas pataratas, nem que jogo de adivinhas. Dr. Perdigão se soprava alto, em
bafo, suas réplicas
e deixas, destemperadas. Delas,
só a pouca parte se aproveitava.
O mais eram ligeiras - e solertes seriedades.
Palavras de outro ar. Eu mesmo não sabia o que ia dizer, dizendo, e dito - tudo
tão bem - sem sair do tom.
Sei, de, mais tarde, me dizerem: que tudo tinha e tomava o forte, belo sentido, esse
drama do agora, desconhecido, estúrdio, de todos o mais bonito, que nunca
houve, ninguém escreveu, não se podendo representar outra vez, l' nunca mais.
Eu via os do público assungados, gostando, só no silêncio completo. Eu via -
que a gente era outros - cada um de nós, transformado. O Dr. Perdigão devia de
estar soterrado, des¬maiado em sua correta caixa-do-ponto.
4. Mas - de repente
- eu temi? A meio, a medo, acordava, e da¬quele estro estrambótico. O que:
aquilo nunca parava, não tinha começo nem fim? Não havia tempo decorrido. E
como ajuizado terminar, então? Precisava. E fiz uma força, comigo, para me soltar
do encantamento. Não podia, não me conseguia - para fora do corrido, contínuo,
do incessar. Sempre batiam, um ror, novas palmas. Entendi. Cada um de nós se
esquecera de seu mesmo, e estávamos transvivendo, sobrecrentes, disto: que era
o verdadeiro viver? E era bom demais, bonito - o milmaravilhoso - a gente
voava, num amor, nas palavras: no que se ouvia dos outros e no nosso próprio
falar. E como terminar?
"Nenhum,
nenhuma"
O
narrador tenta apresentar uma série de reminiscências, talvez de sua infância,
e que ocorrem de forma caótica. Somos apresentados sucessivamente a um casarão,
a um homem sem aparência, que talvez fosse o pai da Moça que surge. Surge
também um Moço que, como os outros, não tem nome e nem é bem delineado. Há
poucas informações para reconstruirmos junto com o narrador sua memória.
Sabe-se que tudo se passa em 1914. O Moço deixa claro, através de seu olhar,
que estaria apaixonado pela Moça. Tentam esconder do Menino o que havia num
quarto do casarão. Resolvem, não se sabe o porquê, deixar que o narrador
visitasse o cômodo proibido. O mistério que lá existia era uma idosa que
ninguém sabia quem era. A Moça tratava-a bem. Outras imagens surgem. O Moço
quer casar com a garota, mas essa se nega. Este parte e leva também o Menino.
Ao voltar para sua casa, o Menino, num desatino, chora e grita que os pais não
se amavam mais, que eles “já se esqueceram de tudo o que, algum dia,
sabiam!...”
Os outros resumos....
Fatalidade
O narrador nos
apresenta seu Amigo, que era delegado de polícia e exímio atirador. Com ares
filosóficos, diz ao narrador que “só quem entendia de tudo eram os gregos.
A vida tem poucas possibilidades.” Zé Centeralfe, humilde lavrador,
casado, vem se queixar que sua esposa está sendo assediada por um tal de
Herculinão. O delegado dá a entender que já conhecia o famigerado. A situação
era tão crítica que o marido havia decidido pela mudança de localidade. Mas
o malfeitor voltou a procurar a mulher e a semear a discórdia. O
lavrador quer saber o que faz. O delegado nada diz, mas insinua que a melhor
solução era matar Herculinão. Zé Centeralfe entende e apanha uma arma do
delegado. Deixam a delegacia o marido, o delegado e o narrador. Encontram na
saída com Herculinão. Ouvem-se dois tiros. O facínora está caído com
duas balas: uma lhe acertara o marido; a outra, o delegado. O destino se
cumprira. Os caminhos deles se cruzaram.
Seqüência
Voltamos a nos
deparar com a força do destino, dentro da concepção roseana. Uma vaca abandona
a propriedade onde está, na tentativa de retornar para sua querência, isto é, o
local onde costumava ficar antes de ser vendida para a fazenda de seu Rigério.
No percurso, ela se livra de vários percalços. O filho de seu Rigério vai atrás
da vaca buscá-la. A vaca adianta-se e chega na frente dele à fazenda do Major
Quitério. Lá chegando o rapaz, ele se depara com as quatro filhas do major e se
apaixona pela segunda filha. O destino se cumpria.
O Espelho
Esboço de uma teoria
sobre a alma humana. Texto complexo, repleto de reflexões filosóficas centradas
na questão da imagem. O narrador afirma que “os olhos são a porta do engano”.
Um dia, o narrador se vê num espelho de um lavatório público e sente repulsa,
náusea. Desde então, busca ver a si — “o eu por trás de mim” — nos
espelhos e usa todos os artifícios para isso. Tenta, em seguida, descobrir
algum traço animal na sua imagem. Descobre-se uma onça. Depois, abandona essa
tarefa de trabalhar a imagem. Fica meses sem se olhar num espelho. Um dia, sem
nenhuma intenção, mira-se num espelho e não vê reflexo algum. Seria um desalmado?
Anos depois, começa a ver um rosto se delineando: era o de um menino — seu
“eu-interior”. Ele termina perguntando à pessoa para quem relatou e a quem
chama apenas de senhor: “Você chegou a existir?”
Nada e a nossa
Condição
Tio Man’Antônio é
logo no início comparado pelo narrador a um rei ou príncipe de um conto de
fadas. Trabalhador, amava sua esposa, Tia Liduína, a qual morre repentinamente.
Abalado, visita a casa onde morara tantos anos, com sua amada. Pai de três
filhas, ele tenta responder à pergunta que a mais nova fizera: “Pai, a vida
é feita só de traiçoieros altos - e - baixos ? Não haverá, para a gente,
algum tempo de felicidade, de verdadeira segurança?” Sua resposta é uma
frase que repete várias vezes ao longo do conto: “Faz de conta, minha
filha... Faz de conta...” No aniversário da esposa falecida, faz uma festa.
As filhas encontram nessa festa seus respectivos futuros maridos. Casam-se e
partem da fazenda. O viúvo começa a organizar-se para doar tudo o que tem, exceto
a casa-sede. Reparte tudo com as filhas e doa terras aos empregados, mas
permanece na residência. Torna-se um incômodo para os novos proprietários das
terras. Quando morre, inesperadamente, tem seu último desejo realizado: é
cremado dentro da casa, que é incendiada.
O Cavalo que bebia
Cerveja
O narrador é
Reivalino Belarmino, que trabalha numa propriedade de um italiano, Seo
Giovânio, o qual ele julga ser muito estranho devido a seus hábitos, entre eles
o de dar cerveja para os cavalos. O narrador desconfia do patrão e não consegue
superar essa má vontade insistente, nem quando o italiano lhe ofereceu dinheiro
para que ele comprasse remédio para a sua mãe, que estava doente.
Surgem dois homens
da capital, que pedem para que o subdelegado sirva de intermediador para um
negócio: fazer com que Reivalino espione seu patrão, já que há suspeita de que
ele seja um perigoso fugitivo. Mesmo reticente de início, o narrador aceita o
papel de alcagoete. O que mais lhe intrigava na residência era o fato de
existirem quartos permanentemente fechados. Ele relata isso para o policial,
que vai até a fazenda fazer uma investigação, por insistência do narrador. Num
dos quartos, havia um cavalo branco empalhado.
Descobre-se depois
que o outro quarto era ocupado pelo irmão de Seo Giovânio, vítima de ferimentos
de guerra, e que morre. Comovido por ver seu patrão tão abalado, Reivalino se
arrepende de ter traído a confiança daquele e resolve partir. O patrão pede
para que ele leve seu cachorro e o cavalo que bebia cerveja. Tempos depois, o
italiano morre e deixa a propriedade para o narrador, que ergue um túmulo para
o ex-patrão, enterra o cavalo branco e vende a chácara. O narrador termina
bebendo cerveja “para fecho de engano”.
Um Moço Muito Branco
“Na noite de 11 de
novembro de 1872”,
um fenômeno luminoso “se projetou no espaço, seguido de estrondos, e a terra
se abalou.” Muitas catástrofes naturais aconteceram em decorrência disso.
Algum tempo depois, um moço assustado, perdido, desmemoriado, mudo,
muito branco, com uma claridade forte aparece perto da residência de Hilário
Cordeiro, que generosamente o acolhe. Muitos curiosos vêm para conhecer
o forasteiro, cujo maior amigo se torna o preto José Kakende, escravo meio alforriado
que tinha alucinações. Duarte Dias, pai da bela Viviana, não gostou do rapaz.
Levaram-no na missa e ele comportou-se adequadamente. José Kakende fala
sobre visões que teve na margem do rio, no dia do fenômeno. Ninguém dava
atenção. Fatos estranhos ocorrem: o moço branco dá uma semente para o cego
Nicolau, que a planta tempos depois, fazendo surgir flores que nunca
haviam sido vistas na região. Hilário Cordeiro prospera como nunca. Numa festa
de São João, o moço branco encontra Viviana e põe a mão no seu seio. Ela
nunca mais deixou de sorrir. O pai da moça vê a cena, interpreta- a com
malícia e exige que haja um casamento. Nem o padre apóia Duarte Dias nesta
idéia. Tempos depois, Duarte Dias declara ter afeição pelo rapaz, que o
leva pela mão até um local da sua propriedade e indica para que cavem.
Encontram diamantes. No dia da festa de Santa Brígida, o moço branco
desaparece, auxiliado por José Kakende, que tem novas “visões” para contar.
Luas-de-mel
Na propriedade de
Joaquim Norberto e Sa-Maria Andreza chega uma carta do compadre Seo Seotaziano,
pedindo para que acolhessem um casal de amantes fugitivos. Finalmente algo
acontecia para quebrar a monotonia da vida do casal. Os fugitivos chegam e o
padre é chamado para concretizar o casamento. Teme-se qual seria a reação do
pai da moça. Joaquim Norberto arma-se para defender os jovens de eventuais
ataques e convoca pessoas para auxiliá-lo nesse propósito. Chega notícia da
parte da família dela: o irmão da noiva vem visitá-la, numa “missão de paz”. O
jovem casal é convidado para ir tomar a bênção do pai da noiva e para participarem
de uma recepção por ele promovida. O convite é extensivo ao casal que os
acolhera. Joaquim envia seu filho como representante, prefere ficar com sua
esposa. O amor do jovem casal reavivou o seu amor por Sa-Maria Andreza.
Partida do Audaz
Navegante
Num dia de chuva,
estão brincando na cozinha, sob o olhar rigoroso da mãe, três meninas e um
primo, Zito. Das três, a mais sapeca é Brejeirinha, garota inventiva que lidava
bem com as palavras e gostava de contar histórias com enredos complexos, nos
quais utilizava, por vezes, vocabulário rebuscado. Ela conta a estória do Audaz
Navegante. A chuva passa e pedem permissão para irem até as proximidades do
riacho. A mãe permite, já que o primo está junto. Zito fica particularmente
feliz, pois está de namorico com uma das irmãs, Ciganinha. Chegando lá, as
irmãs, por galhofa, indicam um estrume de vaca ressequido como sendo o Audaz Navegador.
Brejeirinha enfeita o estrume com flores e coloca-o no curso do riacho. Nesse
momento, um trovão assusta a menina, que é socorrida pela mãe, que viera atrás
das crianças. A chuva recomeça.
A Benfazeja
Mula-Marmela era uma
mulher velha, suja, feia e guia de cegos. Era uma assassina: matara o marido,
Mumbungo, que não prestava, pois matava os outros por prazer. Ele só respeitava
a mulher. Parecia saber que nas mãos dela estava seu destino. E o destino se cumpriu:
ela o mata, esfaqueando-o. Todos se sentem aliviados. Daí o título do conto: A
Benfazeja. Apesar de assumir o filho do falecido, Retrupé, e ter
livrado o local de tão mau homem, ela não recebe nada em troca, apenas
desprezo. Pressentindo que Retrupé teria o mesmo hábito cruel, ela o cega. Como
o pai, ele teme Mula-Marmela. Ele pede esmolas sempre em tom ameaçador e anda sempre
com um facão. Um dia, tenta matá-la. Não conseguindo, arrepende-se e chama-a de
mãe. Ela o recompõe e chama-o de filho. Nessa noite, ela o mata e parte sem
deixar rastros. Antes de sumir, vê um cachorro morto e carrega-o nas costas:
será talvez para ter companhia na hora de sua própria morte?
Darandina
Outro conto com
forte teor anedótico.
O narrador, um
médico, relata a estória da qual foi testemunha: um homem é perseguido, já que
supostamente havia furtado. Correndo, o homem esconde-se no alto de uma
palmeira. A multidão avoluma-se na praça para ver o acontecimento. Lá está o narrador
e seu amigo Adalgiso. Dizem que o homem na árvore é o Secretário de Finanças
Públicas. A multidão está em polvorosa. Os médicos fazem elocubrações a
respeito do problema do louco: muito falam, pouco resolvem. A multidão se
agita. São chamados os bombeiros. Chega então, à praça, o verdadeiro Secretário
das Finanças. O homem se despe. Os bombeiros tentam resgatá-lo. Ele sobe ainda
mais alto na árvore. De repente, recobra a lucidez. Sente-se envergonhado. A
multidão enlouquece: acabaria o espetáculo? Querem linchá-lo. Ao chegar ao
solo, ele volta a dizer frases desconexas e a multidão carrega-o em triunfo.
Substância
Conto carregado de
lirismo. Maria Exita teve um destino cruel: a mãe a abandonara para “cair na
vida”, o pai era leproso, o irmão era criminoso, entre outros infortúnios.
Nhatiaga foi a única bondade que o destino lhe reservara: mulher boa,
auxiliou-a para conseguir um emprego na fazenda do Samburá, em que trabalhava
com polvilho. Foi aceita, mas fazia o trabalho mais árduo. Cresceu e tornouse uma
bela mulher. O patrão, Sionésio, a viu e se encantou. Um dia, propõe-lhe
casamento. Ela aceita de imediato. Entretanto, ele teme que o destino do qual
ela fora vítima se reproduza para ele. O amor, porém, é mais forte e eles se
decidem pelo casamento.
Tarantão, meu patrão
Conto que remete à
história de D. Quixote e Sancho Pança. Iô João-de-Barros, fazendeiro, tem por
empregado Vagalume, o narrador da história. Idoso e sem muito juízo mental, o
patrão decide ir para a cidade atrás de um sobrinho médico. A família enviara
Iô para a fazenda, para se livrar de suas sandices. Vagalume não agüentava mais
trabalhar para o homem. Mas submetia-se, pois precisava do dinheiro. Com uma
faca, o velho diz que vai matar o sobrinho, que lhe fizera uma lavagem
intestinal e lhe aplicara injeções. No caminho até a cidade, ele arregimenta
uma série de “out-siders” que o acompanham. Chegando num arraial, há uma festa
com fogos e o “novo D. Quixote” acha que a recepção é para ele. Joga moedas
para o povo. Novas pessoas se juntam ao grupo do cavaleiro. Todos o acompanham
rumo à cidade. Lá chegando, vai à casa do sobrinho, que festejava o batizado do
filho. Iô João-de-Barros faz um discurso que emociona os familiares presentes.
É convidado para participar da festa, convite que é aceito com uma condição: tirar
todos os que o haviam seguido pudessem sentar à mesa e participar da refeição.
Os Cimos
Este conto é como o
encerramento de um ciclo, já que retoma a personagem o Menino, do 1o conto do
livro. Agora, ele está triste, pois apesar de retornar para o mesmo local,
Brasília, o motivo da viagem é outro: a mãe adoecera e a família acha por bem
afastá-lo desse momento doloroso. Ele não está feliz. Nada o atrai. Entretanto,
ele vê um dia um tucano e se encanta. Era um pouco de distração, já que ficava
o dia inteiro pensando na mãe. O tucano voltava todo dia no mesmo horário.
Chega um telegrama: o tio fica apreensivo. O menino começa a mentalizar
pensamentos positivos. Deu certo: a mãe se recuperou.
Mia questões:
O trecho a
seguir foi extraído do conto Nada e Nossa Condição, da obra Primeiras estórias,
de Guimarães Rosa. Vejamos:
Enfim, tornou para
junto delas, de sua Liduína – imovelmente – a o século, como a quisessem: num
amontôo de flores. Suspensas, as filhas, de todo ao não entender, mas
adivinhar, dele a crédito vago esperassem, para o comum da dor, qualquer
socorro. Ele, por detrás de si mesmo, pondo-se de parte, em ambíguos âmbitos e
momentos, como se a vida fosse ocultável; não o conheceriam através de figuras.
Sendo que refez sua maciez; e era uma outra espécie, decorosa, de pessoa, de
olhos empalidecidamente azuis. Mas fino, inenganador, o rosto, cinzento moreno.
Transluz-se que, fitando-o,
agora, era como se súbito as filhas ganhassem ainda, do secesso de seus olhos,
o insabível curativo de uma graça, por quais longínquos, indizíveis reflexos ou
vestígios. Felícia, apenas, a mais jovem, clamou, falando ao pai: – "Pai,
a vida é feita só de traiçoeiros altos-e-baixos? Não haverá, para a gente.
Algum tempo de felicidade, de verdadeira segurança?" E ele, com muito
caso, no devagar da resposta, suave a voz: – "Faz de conta, minha filha...
Faz de conta..." Entreentendidos, mais não esperaram. Cabisbaixara-se, Tio
Man`Antônio, no dizer essas palavras, que daí seriam as suas dele, sempre.
Sobre o que, leve, beijou a mulher. Então, as filhas e ele choraram; mas com o
poder de uma liberdade, que fosse qual mais forte e destemida esperança.
Tia Liduína, que
durante anos de amor tinham-na visto todavia sorrir sobre sofrer – só de ser,
vexar-se e viver, como, ora, dá-se – formava dolorida falta ao uso de afeto de
todos. Tia Liduína, que já fina música e imagem. (Guimarães Rosa, Nada e Nossa Condição in
Ficção Completa, vol. II: Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1995).
1. A partir de uma leitura atenta do trecho assinale a
incorreta:
(A) O trecho relata
o velório de Tia Liduína, marcado entre outras passagens em de sua Liduína –
imovelmente – ao século.
(B) Tio Man'Antônio
esforça-se por assumir uma feição de segurança diante das filhas, porém não
consegue disfarçar completamente sua dor, o que fica evidente no trecho em que
aparece o neologismo inenganador, no primeiro parágrafo).
(C) O trecho é o
relato da festa de casamento das filhas de Tio Man'Antônio.
(D) Tio Man'Antônio assumirá, ao longo da narrativa, uma
dimensão mítica de justiça e de proteção, típica da figura paterna dos contos
de fadas. O que já se insinua no trecho Faz de conta, minha filha... Faz de
conta..., no segundo parágrafo.
(E) No trecho Tia
Liduína, que durante anos de amor tinham-na visto todavia sorrir sobre sofrer
notamos uma construção típica de Rosa, como a conciliação dos opostos
"sorrir" e "sofrer".
2. (PUC-SP) E o
tucano, o vôo, reto, lento como se voou embora, xô, xô! mirável, cores
pairantes, no garridir; fez sonho. Mas a gente nem podendo esfriar de ver. Já
para o outro imenso lado apontavam. De lá, o sol queria sair, na região da
estrela-d’alva. A beira do campo, escura, como um muro baixo, quebrava-se, num
ponto, dourado rombo, de bordas estilhaçadas. Por ali, se balançou para cima,
suave, aos ligeiros vagarinhos, o meio-sol, o disco, o liso, o sol, a luz por
tudo. Agora, era a bola de ouro a se equilibrar no azul de um fio. O Tio olhava
no relógio.Tanto tempo que isso, o Menino nem exclamava. Apanhava com o olhar
cada sílaba do horizonte.
2. Sobre o trecho acima, do conto Os cimos, de
Guimarães Rosa, é incorreto afirmar que:
a) é texto
descritivo caracterizador da natureza, representada pela presença da ave e do
amanhecer.
b) utiliza recursos
de linguagem poética como a onomatopéia, a metáfora e a enumeração.
c) descreve o
tucano, utilizando frase nominal e de encadeamento de palavras com força adjetiva.
d) apresenta um estilo
repetitivo que confunde o leitor e impede a manifestação da força poética do
texto.
e) pinta com luz e
cor a linha do horizonte, onde em “dourado rombo, de bordas estilhaçadas”,
nasce o sol.
3. (UFLA) No conto Os Cimos (Primeiras Estórias,
Guimarães Rosa), o menino mostra-se essencialmente
a) corajoso b)
determinado c) esperto d) revoltado
e)
inseguro
4. Sobre os contos
presentes em Primeiras Estórias (1962), de João Guimarães Rosa (1908-1967),
considere as afirmativas a seguir.
I. Em “Os Irmãos
Dagobé”, a norma, considerando-se os valores do sertão, seria o assassinato de
Liojorge, uma vez que aí a vingança é a lei. Acontece que Liojorge não é
assassinado, pois os irmãos sertanejos resolvem mudar de vida, optando pelos
valores da cidade.
II. Em “Fatalidade”,
a norma seria o assassinato de Herculião Socó, uma vez que a estória se passa
no sertão. Zé Centeralfe prefere, no entanto, esquecer o acontecido, não
chegando sequer a dirigir-se à delegacia de Amparo, onde certamente contaria
com o auxílio da polícia.
III. No final do
conto “Sorôco, sua mãe, sua filha”, a comunidade acompanha Sorôco a sua casa,
assumindo o canto de loucura dele, canto este que foi por ele tomado da mãe
louca, que, por sua vez, em ato de solidariedade, tomou-o da neta em estado de
completo delírio. O canto une a comunidade.
IV. Em “A terceira
margem do rio”, o sentimento de fracasso do filho deriva do fato de não ter
amparado sua mãe no momento de infortúnio, deixando-a, juntamente com seus
irmãos, à mercê do destino e de um padrasto cruel.
Estão corretas
apenas as afirmativas:
a) I e II. b) I e III. c) II e IV.
d) I, III e IV. e) II, III e IV.
(PUC-SP) O livro Primeiras Estórias, de João Guimarães
Rosa, começa com o conto As margens da alegria e termina com Os cimos.
Há uma semelhança
entre eles que é a caracterização do mundo interior de um menino, através de
recursos do discurso indireto livre. Sobre esses dois contos, é possível
afirmar que:
a) os contos
tratam do mesmo tema, ou seja, relatam situações vividas por um menino em
companhia de seus tios, situações essas marcadas por envolvimentos emocionais
diferentes.
b) o segundo conto é
uma continuação do primeiro e, em ambos, a viagem se faz em estado de sonho.
c) as personagens e
o contexto são os mesmos e em ambas as narrativas o menino se encanta com a
beleza e o esplendor de um tucano.
d) o primeiro conto
é marcadamente psicológico e poético e o segundo é mais satírico e prosaico.
e) o desfecho de
ambos é trágico e inusitado e nega os títulos de ambas as narrativas.