Do trapiche à cracolândia
A
realidade da criança e do adolescente brasileiro está aquém daquela proposta em
estatutos e leis mal aplicadas por um Estado omisso e convenientemente
opressor. Partindo desse pressuposto, a obra de Cecília Amado, apesar de basear-se
em uma realidade dos anos 30 encaixa-se perfeitamente nos tempos hodiernos,
quando também se observa homens em corpos de meninos lutando pela
sobrevivência, sendo isso um dos maiores
horrores do Brasil do século XXI com suas favelas que espalham terror e a
violência assimilada.
O
ECA tornou-se exemplo global de lei para a garantia dos direitos da criança e
do adolescente, mas, assim como o SUS, chega a ser utópico quando comparado à
realidade testemunhada socialmente. Essa premissa é facilmente observada nas
ruas brasileiras onde jovens, marginalizados pela falta de oportunidades e
consequente exclusão social, tornam-se pedintes, bandidos ou dependentes
químicos. Ao invés, porém, de serem socorridos pelo Estado, são oprimidos,
fisicamente pela polícia e socio-moralmente por quem não enxerga além dos muros dos shoppings.
Em
sua fase panfletária, Jorge Amado em 1937 escreve Capitães da Areia como
denuncia dos maus tratos do Estado para com as crianças do seu tempo. Nessa
obra a baianidade contracena com a história de meninos que compartilhavam a
adulta responsabilidade de sobreviver. É possível assim estabelecer uma
analogia com os jovens não assistidos no século XXI sem deixar de notar, porém
a significativa piora nesse contexto. É bem provável que, se escrito
atualmente, as personagens do livro, como Pedro Bala ou Boa Vida, não sairiam
do trapiche para viver a luta grevista ou viver a música, mas sim para morrer
nas cracolândias.
Eduardo
Galeano defende que apesar de não sabermos como será o futuro, temos o direito
de imaginar como queremos que seja. Diante dessa égide faz-se necessário dar
subsídios educacionais, familiares e sociais para a efetivação do ECA nos
cuidados com nossos jovens. Dessa forma essas crianças, hoje sem perspectivas poderão,
assim como o “professor” personagem de Jorge Amado, imaginar um futuro
promissor.
Redação de Hélio Ribeiro
O menino é o pai do homem
No
despontar da contemporaneidade, o Brasil alcançou a condição de país emergente
e vive um eufórico crescimento econômico. Por outro lado, a nação brasileira
ainda convive com os abismos sociais não solucionados pela democracia e que
afetam, em especial, as famílias com menor poder aquisitivo e, por conseguinte,
as crianças. Tal conjuntura corrobora para a perpetuação e agravamento de
dilemas sociais, a serem enfrentados pelo Estado e pelos cidadãos, os quais
abarcam desde a marginalização até à exploração infantil.
Para
Milton Santos, a globalização converteu-se em globalitarismo, visto que, o
cenário geopolítico mundial encontra-se dominado por um minoritário grupo de
corporações internacionais, que sobrepõem o lucro a quaisquer princípios de
dignidade humana. Seguindo esta ótica capitalista, o Brasil tem consolidado uma
estrutura injusta, visto que, parte do “boom” no PIB é resultado do trabalho
infantil, que segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) só
têm crescido desde 2000, principalmente, na faixa etária de 10 a 13 anos. Tal
realidade se consolida, pois muitas crianças e famílias preferem o trabalho à
marginalização ou ao crime organizado.
Diante
da conjuntura hodierna, o abismo entre o que a leis defendem e aquilo que é posto
em prática tornou-se pungente, uma vez que, mesmo existindo um Estatuto da
Criança e do Adolescente que “garante” a integridade e a dignidade humana dos
menores de idade, a realidade infantil no Brasil é repleta de perigos,
violência e exploração. Tal verdade aponta para a ineficiência do Estado em
garantir assistência adequada a essa faixa etária, essencial para o futuro de
quaisquer nações. Visto que, é através das crianças e dos jovens que a memória
histórico-cultural se preserva, que os valores morais são difundidos e que
novos e melhores modelos socioeconômicos surgem no futuro como solução para a
injustiça do atual.
Para
além disso, Karl Mannheim já apregoava que aquilo feito agora com as crianças é
o que elas farão no futuro com a sociedade. Seguindo tal premissa, a nação
brasileira deve compreender que o “menino é o pai do homem”, ou seja, o jovem
de hoje ensinará os seus futuros filhos os valores apreendidos a partir de sua
vivência na contemporaneidade. Sendo assim, o Estado, por seu caráter
abarcativo, não deve reprimir, mas sim garantir uma assistência psicossocial e
educativa de qualidade às crianças, além disso, também cabe à sociedade civil
assistir os menores abandonados, visto que, eles são a possibilidade de um
mundo melhor no futuro.
Orlando Junior
Ensaio de um novo olhar
No transcorrer de seu perpassar histórico,
nunca em toda humanidade, as propostas de amparo ao menor foram piamente
desbravadas. No entanto, no despontar da pós-modernidade, o abismo entre a
parcela infanto juvenil e o poder público aumenta, e exalta a necessidade de
uma nova proposta de vida para as crianças, ora vítimas, ora infratoras.
No fim da década de 1980 o
legislativo brasileiro alavancou a criação da eternizada Constituição Cidadã
que trouxe em seu bojo, o ECA e com ele a esperança de assistir com outros
olhos esse público. Todavia, se em tese a Carta Magna apresentara um desfecho
ideal de proteção ao menor abandonado, uma análise mais criteriosa aponta seus
sinais de falência. Nesse sentido, o mapa da exploração infantil aponta para um
Brasil detentor de 2% de suas crianças em regime de trabalho e uma nação em
vias de crescimento que ainda permeia a periferia dos rankings de educação mundial.
Para além disso, é preciso ressaltar que numa conjuntura social
marcada pela ausência do Estado, os pequenos são obrigados a assumir
genuinamente a responsabilidade com sua sobrevivência em detrimento da perda da
infância. Nesse viés, Jorge Amado, apresenta homens sob corpos de criança, que
abominados pela autoridade se aproximam da marginalidade e convivem entre trapiches e falta de formas de ser.
Entretanto, por outro lado, os capitães meninos da contemporaneidade estão além
da simples transgressão de regras. Desta vez, as “Doras” e os “Sem Pernas”
atuais personificaram-se na figura dos novos
homicidas, que migraram dos trapiches para as
cracolândias.
Para Milton Santos, o mundo contemporâneo é feito pelo que
existe e de fato, pelo que também ainda pode existir. Partindo dessa premissa é
preciso perceber que na construção de uma nova nação, a redução do desamparo social
ofertado historicamente à infância perpassa antes de tudo pelo cumprimento das
leis que permeiam a máquina pública em seu caráter abarcativo, e a assimilação
de um olhar mais clarividente à tal classe.
Lucas
Viana Rocha, Vitória da Conquista - BA.
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