Limiar
A linha tênue
entre o equilíbrio e a sandice é um desafio no exercício da Medicina. Se por um
lado a possibilidade de salvar vidas atribui ao médico características dignas a
um herói, por outro, o constante desgaste emocional frente à natureza estressante da profissão faz dele uma suscetível vítima
da própria virtude. Nesse contexto, ressalta-se a necessidade de um alerta para
a saúde psíquica dos médicos, tendo em vista que a lucidez é imprescindível na
dinâmica dessa profissão.
De fato,
a medicina é uma arte sublime. No entanto, este profissional, é apenas um homem
comum que saiu da própria caverna em busca do entendimento acerca do corpo
humano. Nessa perspectiva, a Medicina descrita por Hipócrates continua a ser
iluminada pela fusão entre razão e emoção. Essas luzes do conhecimento, no
entanto, tornam-se instrumentos de risco, ao passo que potencializam a obsessão
pelo saber inerente ao Homem. Nesse sentido, médicos como Mengele, considerado
louco por muitos estudiosos por cometer atrocidades para fins científicos, são
exemplos de que a compulsão pela ciência médica pura, em detrimento da prática
humanística, manifesta-se como sinônimo de insanidade.
Em
contrapartida, os riscos psíquicos também estão presentes na excessiva
dedicação à profissão. Recentemente, uma pesquisa do Departamento de Ciências
Médicas da Universidade de São Paulo constatou que cerca de cinquenta por cento
dos médicos brasileiros apresentam vulnerabilidades à doenças psíquicas. Dentre
eles, mais da metade utilizam álcool ou outras drogas a fim de potencializar o
corpo para as longas jornadas de trabalho e estudo, subjugando a máxima latina
“mens sana in corpore sano”. Assim, tornam-se algozes da própria existência e
põem em xeque a capacidade de exercer o sacerdócio da cura.
Desse modo, Medicina é
um paradoxo entre a totalidade do ser e as limitações humanas. Portanto, a
prática médica deve aliar-se à sanidade daquele que a exerce. Tendo em vista
que todo excesso racional ou emotivo, torna-se prejudicial à sua plenitude.
Afinal, até a virtude necessita de limites.
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