Sobre pedras e humanismo
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas
ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”. Essa premissa enseja
uma reflexão: a necessidade de valorização do idoso pelos egressos da área de
saúde, de modo a garantir-lhes não somente quantidade de anos vividos, mas
principalmente qualidade de vida, consolidando os caminhos para uma medicina
multifatorial e humanística.
A Medicina Ocidental, em consenso com o fundamento
mecanicista de Descartes, fundamenta a sua máxima na valorização da tecnologia
em detrimento do próprio médico. No entanto, apesar dos avanços no conhecimento
e habilidades técnico-científicas contribuírem para o prolongamento da vida, o
entendimento do toque, acolhimento e cuidado para com o assistido é ainda mais
essencial. Nesse sentido, diante da realidade de envelhecimento da população
brasileira, consultas mecanizadas, com tempo de atendimento pré-definido, devem
ser substituídas por práticas como anamnese e sondagem; hospitais e clínicas
que antes mercantilização seus serviços, devem se reconfigurar de modo a
garantir um caráter mais acolhedor para os herdeiros de Matusalém. Desse modo,
a saúde transcenderá para um olhar “holos” na cura, cuidado ou prevenção.
“É dever de todo médico ter o mínimo que seja de aptidão
ética e técnica para intervir na saúde do ser humano”. Partindo desse
princípio, os vocacionados para a saúde devem embasar o seu labor na prática de
uma medicina complementar, que priorize não somente o uso de fármacos e
diagnósticos no cuidado para com os idosos, mas também uma alimentação
adequada, atividades físicas, bem como saúde mental e emocional para a
manutenção da homeostase psico-física desses indivíduos. Portanto, não basta
apenas prolongar a vida, para além disso, cabe ao médico honrar o seu juramento
e promover o bem-estar biopsicossocial no tocante ao cuidar.
Destarte, a negligência para com a população idosa
configura-se como uma “pedra no caminho” da cidadania. Nessa perspectiva, o
resgate de uma medicina hermenêutica, solidária e participativa é a chave para
que o método anátomo-clínico não ultrapasse as barreiras da empatia. Assim, é
necessária uma ação conjunta por parte do Estado, disponibilizando serviços que
visem inserir os anciãos em projetos de socialização, como atividades intelectuais
e artísticas em consonância com as Escolas de Saúde, que busquem formar
profissionais não somente com o conhecimento tecnobiológico, mas também com
consciência social, aliados empaticamente com o paciente. Afinal, além de
ciência, Medicina é arte, por isso não há como negar-lhe o humanismo, mesmo que
do mais pragmático.
Ana Luiza Dutra
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