PRIMEIRAS PALAVRAS:
O
presente trabalho analisa as reverberações da Revolução Islâmica de 1979, na animação Persépolis, de Marjane Satrapi e
Vincent Paronnaud, a partir da complexa relação
identitária entre a personagem Marjane e o Irã de seu tempo.
Reflexões do Projeto
janela indiscreta:
1. Persepólis
fica a 640 quilômetros de distância de Teerã, capital do lrã. Considerada o principal
sítio arqueológico do país, a cidade já ocupou o posto de capital do Império Persa,
também conhecida como Aquemênida. No século VI a.C., o imperador Dário I a
ergueu, transferindo para lá o centro das decisões, antes alocado em Pasárgada.
Dona
de uma suntuosidcide peculiar, Persépolis, que levou mais de um século para ser
concluida, foi destruída por Alexandre Magno, na década de 330 a.C, ficando soterrada
por mais de 2 mil anos, quando ressurgiu após escavações (1930). Hoje, a cidade
é uma das atrações turísticas de maior destaque do Irã e uma de seus 13 Patrimônios
Culturais da Humanidade. Persépolis é, portanto, para os iranianos, símbolo de
resistência e orgulho de um passado glorioso..
2. Sinopse: Marjane
é uma jovem iraniana de oito anos, que sonha em ser uma profetisa do futuro,
para assim salvar o mundo. Querida pelos pais cultos e modernos e adorada
pela avó, ela acompanha avidamente os acontecimentos que conduzem à queda do xá
e de seu regime brutal. A entrada da nova República Islâmica inaugura a era dos
“Guardiões da Revolução”, que controlam como as pessoas devem agir e se vestir.
Marjane, que agora deve usar véu, deseja se transformar numa revolucionária.
Mas, para tentar protegê-la, seus pais a enviam para a Áustria.
O QUE MUDA ENTRE
A CRIANÇA E A JOVEM?
3.
Baseado na novela em quadrinhos autobiográfica de Satrapi, a história, que
poderia reduzir-se a um relato de vida apenas, ecoa na memória dos iranianos
que, como ela, vivenciaram a luta do povo para destituir Mohammad Reza Shah
Pahlavi e sofreram o impacto da Revolução Islâmica, ocorrida no final da década
de 1 970 e que até hoje determina os modos de vida no lrã.
4.
O que poderia resumir-se em uma simples biografia ganha uma dimensão
político-histórica deveras significativa, pela maneira como se compõe a narrativa.
Ao revelar a genealogia de sua família, Marji nos contextualiza quanto ao
passado do Irã. Seu avô era príncipe da dinastia Qad jar, derrotada quando Reza
Shah Pahlavi, com o apoio da Inglaterra, toma o poder e se torna imperador até
ceder a pressões que o fazem abdicar em favor de seu filho, Mohammad Reza Shah
Pahlavi.
5.
Em 1979, com apenas nove anos de idade, Marji, assim como muitas crianças, não consegue
compreender a revolta do povo que deseja retirar o Shah do poder, pois o seu
deus e, sobretudo, a sua professora afirmam que ele era o escolhido divino para
governar o país. Por pertencer a uma família incomum, formada por intelectuais
e militantes políticos, ela se encanta com as histórias de seus antepassados e
passa a defender o fim do império. No curto período entre a destituição do
monarca e a ascensão da República Islâmica, sob a égide do aiatolá Khomeini, o
encontro de Marji com seu tio Anoush que, como importante ativista, acredita no
sucesso da revolução, dó a dimensão da esperança sentida pelo povo iraniano ao
se ver livre do então governo.
6. Mas a república chega rápido, impondo um novo
modelo de repressão, pautada na moralidade e na religiosidade, levando o povo a
um novo contexto de vida.
7.
A pequena, assim como toda a população iraniana, vê-se, então, obrigada a
adaptar-se a essa nova realidade, que para as mulheres começa com a
obrigatoriedade do uso do xador, uma espécie de lenço que cobre os cabelos, ao
andar nas ruas e lugares de circulação pública.
8.
Enquanto cresce, Marjane vai revelando uma personalidade forte que não a
permite aceitar possivamente todas os imposições desse novo regime. Suas
transgressões revelam, implicitamente, as angústias da população iraniana, que
se via num constante conflito entre o que gostava e não tinha mais a liberdade
de fazer, simplesmente porque não cabe no recente modo religioso, político e
cultural de vida.
Seus
pais, então, decidem enviá-la para estudar na Áustria, como medida de proteção.
É nesse lugar de contato com o Ocidente que Marji vivencia novas experiências
ao lado dos colegas rebeldes do Liceu Francês; conhece o preconceito e aprende
o lidar com a vergonha de se assumir iraniana na Europa; torna-se mulher;
conhece o amor, a traição e o desencanto; passa fome e frio e decide voltar ao
seu país para estudar artes.
9.
Embora esse longo trecho do filme volte-se à vida pessoal de Marjane, ele não deixa
de falar do Irã. A dor vivenciada por ela ao ser traída pelo namorado pode ser
simbolicamente associada ao sentimento de traição sentido pelo povo diante das imposições
da esperada república, da mesma forma que as feições sisudos dos freiras que
gerenciam o pensionanto no qual Marji passa uma temporada lembram o Basij, a polícia
da moralidade, instituída pelo novo regime.
10.
O retorno de Marji a Teerã, em 1988, apresenta-nos um panorama cinzento e desalentador,
resultante da guerra entre o Irã e o Iraque, em associação à depressão vivida
por ela diante dessa nova realidade.
Com a ajuda do seu deus-consciência e um
conselho de Karl Marx, Marjane recupera a vontade de viver e vai, aos poucos, revelando-nos
os ditames islâmicos que incidem sobre o cotidiano de uma mulher.
Nesse
contexto, destaca-se a presença da sua avó, que traz o contraponto da experiência
a orientar a neta nos seus novos caminhos. E ela quem incentiva Marji a divorciar-se
do seu marido, com quem se casou apenas para poder atender às determinações da
República Islâmica que, entre outras coisas, proibe os casais de namorados de
andarem de mãos dadas pelas ruas.
11. Com o apoio da família, Marjane decide
mudar-se definitivamente para a França. A sequência final, também colorida como
a primeira, revela, através do choro convulsivo de Marji a olhar o aeroporto
pelo retrovisor do táxi, a dor daqueles que encontram no exílio a única forma
de continuar a viver.
12.
Persépolis é, portanto, um filme singular, pois, através da narrativa pessoal
de Satrapi, descortina uma realidade por vezes velada ou mal compreendida,
vivenciada pelo Irã ao longo das últimas décadas do século XX. Delicadamente,
ele revela como o povo iraniano consegue conciliar a dor das mortes com momentos
de alegria e festividade, ainda que eles aconteçam na cladestinidade.
13.
Com leveza, emociona o espectador que se
sente envolvido com a narrativa contada pela protagonista, suscitando uma reflexão
política e cultural sobre os caminhos que tomam a humanidade diante da sua própria
condição de autonomia. Perpassando por temáticas que dizem respeito a valores
éticos e humanos, Persépolis nos deixa a lição de que, se guardados conosco, os
asmins da integridade, da fortaleza e do amor nunca deixarão de perfumar a nós
e àqueles que conosco convivem.
Macelle Khouri é mestre em Jornalismo (UFSC) e
professora da Uesb, campus de Vitória da Conquista..
1.
Em Teerã, ela testemunhou o processo revolucionário iraniano, no final dos anos
1970, e viu de perto os horrores da patética guerra entre o Irã e o Iraque, já
nos anos 1980.
2.
Após desembarcar no aeroporto de Orly, a protagonista revive sua história. E
são curiosos os elementos que a compõem.
3. Sob a
liderança do aiatolá, o Irã passa o ser uma república teocrática. E, aos
poucos, a garota e sua família vão percebendo que a supressão das liberdades da
população apenas mudou de lado.
4.
Percebe-se, nesse momento, que Marjane prosseguiu o luto encampada por seu avô
e seu tio, mas em outras frentes. Eles se entregaram à causa da liberdade e
morreram por ela. A garota também perseguia o direito de ser livre, mas a vida
a levou a outros caminhos. Ela, então, optou por adquirir, primeiro, sua própria
liberdade. Após a difícil decisão, cujo preço foi a renúncia à família, Marjane
continua sua luta pela liberdade de seu povo, só que se valendo dos armas de
que dispõe — entre elos, o livro e o filme de que tratamos aqui.
5.
As imagens são coloridas apenas nos momentos em que a personagem central é
retratada em seu momento atual (fumando à espera de um táxi, no Aeroporto de
Orly). A maior parte da história acontece em flashback e, por isso, está em
preto e branco. O forte contraste entre as duas cores no filme, semelhante ao
visto nas xilogravuras brasileiras, reforça o tom dramático de um ambiente em
permanente situação de guerra e privação de liberdade.
*GiI Brito é graduado em Comunicação Social
— Jornalismo (Uesb) e chargista.
1. Vejo como
características internas que valorizam o filme: a sua originalidade, a abordagem
cômica, a sua dimensão política, a crítica ao fundamentalismo religioso, a luta
das mulheres pelos seus direitos e um atrito entre o indivíduo e o Estado.
2. Para um olhar ocidental, esse filme meio triste,
meio cômico traz uma história rica, que permeia alguns temas, como o valor da
família, o respeito ao idoso, o patriotismo, a religiosidade, a política, uma
guerra, suas vítimas e seus mandantes, a construção de uma identidade, a escola
como aparelho ideológico do Estado, choque cultural, uma mulher apaixonada e
uma vencedora.
3.
O filme retrata a história da guerra entre Irã e Iraque, perdas humanas, lucros
bélicos e desejo de poder. Quem ganhou com a guerra foi quem vendeu armas para
os dois países. Como prêmio de consolação, às ruas foram dados nomes das
famílias dos soldados mortos.
4.
Como formas de dominação, eram usados o patriotismo, o fanatismo religioso e o analfabetismo
da população. Promessas de mulheres em um paraíso distante para os jovens que
se sacrificassem na guerra. Certamente quem prometia não queria ir.
5.
Todos nós temos o nosso véu, só não queremos vê-lo. Ninguém tem sua carta de alforria,
pois isso é da condição humana. Todos somos e sempre seremos escravos do desejo.
No busca pela democracia (ela existe?), “o proletariado reinará”. Mas ‘nunca se
esqueça de quem você é e de onde veio”.
*Roque Trindade é doutor em Engenharia
Elétrica e de Computação (UFRN) e professor da Uesb, campus de Vitória da
Conquista.
O que dizem os estudiosos da obra
Nesse sentido,
‘Persépolis’ é uma grande obra na literatura e no cinema que, devidamente analisadas, não só
representam, mas apresentam de maneira encantadora
histórias e sujeitos do nosso tempo.
1. Naquela
época eu tinha uma vida tranquila. vida de uma menina. Adorava batatas fritas
com Ketchup e filmes do Bruce Lee, usava
tenis Adidas e tinha duas obsessões:Depilar as pernas e me tornar a última
profetiza.
2. - Eu, Marjane,
futura profetiza, decidi que: Primeiro, todos devem ter um
bom comportamento.
Segundo, todos devem dizer boas palavras. Terceiro, todos devem fazer uma boa
ação. Quarto, os pobres devem poder comer um frango frito todos os dias.
Quinto, nenhuma mulher idosa sofrerá novamente.
- Marji, se vai ser
assim, eu serei a sua primeira discipula.
- Sério? Ótimo!
- Como tem certeza
de que elas não sofrerão mais?
- Será proibido.
3. - Bom Dia! Por
que quer criar uma República? Você poderia ser Imperador!
- Eu? Imperador?
- Claro! É melhor do
que ser Presidente. Você terá poderes absolutos. Um país como o seu, precisa de
alguém forte como você para o governar.
-
Isso é verdade.
- Além disso, sabia
que o Clero é contra a República? Cá
entre nós, eles têm razão.
- O que devo fazer?
- Nada. Você nos da o
petróleo e nós cuidaremos do resto.
- Agora eu sou o
rei! Tudo que pertence à vocês é meu.
4. Os que nos
torturavam tinham sido treinados pela CIA.Estão na vanguarda em tudo o que diz
respeito a tortura
5. Vou começar pelo
princípio. Eu tinha 18 anos quando o meu tio e os seus amigos proclamaram a
independênci da província Iraniana do Azerbeijão. Fereydoun nomeou-se a si
próprio ministro da Justiça dessa República. “A justiça é a base da
democracia.Todos os homens são iguais perante a lei”.
Eu me tornei seu
secretário. (...) É importante que saiba isto. A memória da família não pode
ser esquecida. Mesmo que isso seja difícil e que não compreenda tudo.
- Não se preocupe,
tio Anouche. Nunca esquecerei.
6. No espaço de dois
anos, o nosso cotidiano mudou. E nós também.
7. Eu sofri muito.
Criei os meus cinco filhos com as lágrimas dos meus olhos. Agora querem levar o
meu filho mais velho em troca desta chave. Sempre fui dedicada à religião.
Rezei, usei um véu e fui obediente. Se é assim que as coisas são, não quero
acreditar em mais nada.
8. Ir a essas festas
era perigoso,mas eram os únicos momentos de liberdade que nos restavam.
9. Os filhos acabam
sempre partindo mais cedo ou mais tarde. Mas se ver separado do filho de 13
anos por causa da guerra é um absurdo! Isso pode despedaçar o coração de uma
pessoa.
10. Vou te dar um
conselho que será sempre útil. Na sua vida, vai encontrar muitos idiotas. Se
lembre sempre que é a estupidez que os leva para o mal. Isso vai te impedir de
responder à maldade deles. Porque não existe nada pior do que amargura e
vingança. Tem que ser sempre respeitável e verdadeira com você mesma.
11. Nunca se esqueça
de quem é e de onde veio.
12. - O meu tio não
morreu por uma brincadeira. Seu idiota!O meu sentimento de desordem era enorme.
Eu estava em segurança enquanto a minha família estava sofrendo com a guerra.
Não conseguia me livrar desse sentimento
de culpa.Eu só queria viver como uma garota da minha idade.
13.
Acha que é fácil ser Iraniana? As pessoas olham para mim como se eu fosse uma
selvagem. Não passamos de fanáticos aos gritos que lutam uns contra os outros.
14. A guerra
terminou, isso é certo. Mas as pessoas se esqueceram por que passamos 8 anos em
guerra.
15. Um milhão de
mortos pra nada.Os últimos dias da guerra foram terríveis. Um mês antes do
cessar-fogo, o Iraque bombardeou Teerão diariamente.Como se precisassem
varrê-lo do mapa.
16. Poderiam
renunciar aos seus ideais sendo fieis ao regime e cumprirem a pena deles ou ser
executados. A maioria foi executada.
17. Era uma
estrangeira na Áustria e me tornei uma no meu próprio país.
18. - O que está
fazendo aqui, minha pequena?
- Bem, estou morta.
A sua hora ainda não
chegou, minha filha.
- Sério?
- Ainda tem muito
para dar, minha filha.
Ele tem razão para
variar! Tem muitas coisas para fazer. Acorde para a vida. Vá e faça o que tem
para fazer. Não se esqueça que a luta continua!
19. Você disse que
os nossos capuzes são curtos, que as nossas roupas são indecentes, que usamos
muita maquilagem, etc. Eu passo muito tempo no estúdio. Preciso estar à vontade
para desenhar. Um capuz comprido torna isso mais difícil. As nossas calças
escondem, de forma eficiente, as nossas formas. Sabendo que essas calças estão
na moda, coloco a questão: A religião está defendendo a nossa integridade
física, ou está, simplesmente, contra à moda?
Fazem comentários
sobre nós, enquanto os irmãos aqui presentes
usam diferentes roupas e cortes de cabelo. As vezes, até conseguimos ver
as suas roupas intimas. Por que é que, sendo mulher, não tenho permissão para
sentir nada quando olho para eles, enquanto os homens podem ficar excitados com
os nossos capuzes curtos?
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