O
MUNDO DO MENINO IMPOSSÍVEL
Fim da tarde, boquinha da noite
com as primeiras estrelas
e os derradeiros sinos.
Entre as estrelas e lá detrás da igreja,
surge a lua cheia
para chorar com os poetas.
E vão dormir as duas coisas novas desse mundo:
o sol e os meninos.
Mas ainda vela
o menino impossível
aí do lado
enquanto todas as crianças mansas
dormem
acalentadas
por Mãe-negra Noite.
O menino impossível
que destruiu
que os vovós lhe deram:
o urso de Nürnberg,
o velho barbado jugoeslavo,
...
o carrinho português
feito de folha-de-flandres,
a caixa de música checoslovaca,
o polichinelo italiano
made in England,
o trem de ferro de U. S. A.
e o macaco brasileiro
de Buenos Aires
moviendo la cola y la cabeza.
O menino impossível
que destruiu até
os soldados de chumbo de Moscou
e furou os olhos de um Papá Noel,
brinca com sabugos de milho,
caixas vazias,
tacos de pau,
pedrinhas brancas do rio...
“Faz de conta que os sabugos
são bois...”
“Faz de conta...”
E os sabugos de milho
mugem como bois de verdade...
e os tacos que deveriam ser
soldadinhos de chumbo são
cangaceiros de chapéus de couro...
E as pedrinhas balem!
Coitadinhas das ovelhas mansas
longe das mães
presas nos currais de papelão!
É boquinha da noite
no mundo que o menino impossível
povoou sozinho!
A mamãe cochila.
O papai cabeceia.
O relógio badala.
E vem descendo
uma noite encantada
da lâmpada que expira
lentamente
na parede da sala..
O menino poisa a testa
e sonha dentro da noite quieta
da lâmpada apagada
com o mundo maravilhoso
que ele tirou do nada...
Xô! Xô! Pavão!
Sai de cima do telhado
Deixa o menino dormir
Seu soninho sossegado!
Jorge de Lima, Obra Completa – Vol. I,
Rio de Janeiro, Editora José Aguilar Ltda, 1959, 1.ª
ed O “Menino impossível”
Associe
a metáfora do menino impossível ao ideal de brincadeiras da infância e escreva
um texto dissertativo sobre a crise do lazer e ludicidade no século XXI. É
obrigatório um comparativo histórico.REDAÇÃO MODELO
1.
Por
um mundo aprimorado
Dos
dominós chineses aos videogames multisensoriais, as brincadeiras infantis
refletem as transformações socioculturais da humanidade no decorrer histórico.
Tendo em vista tal égide, a Revolução Tecnocientífica impulsionou a produção de
variados adventos tecnológicos que, diante dos interesses das grandes
instituições capitalistas, foram associados aos ideais de felicidade. Sendo
assim, a crise de ludicidade, no século XXI, surge como consequência de uma
sociedade da liquidez imersa na instantaneidade e em uma rotina caótica.
Para
Jean Piaget, a infância é o tempo de maior criatividade da vida humana. Nessa
perspectiva, as atividades lúdicas constituem um instrumento essencial para
estimular o desenvolvimento cognitivo da criança, pois as crianças refletem, nas
brincadeiras, a sua verdadeira visão de mundo. Partindo desse princípio, os
aparatos tecnológicos, tão presentes na pós-modernidade, devem constituir uma
ferramenta de suporte educacional. Contudo, diante da perpetuação de uma
sociedade capitalista movida pelos interesses de uma elite minoritária, a
tecnologia tem sido usada para remodelar os brinquedos infantis de forma a
propulsionar a formação de futuros consumidores nos moldes do capitalismo.
A
concepção de lazer pós-moderno encontra-se estritamente associada aos adventos
tecnológicos, visto que, desde espetáculos musicais com shows pirotécnicos até
games que estimulam a violência e a não interação social, a perspectiva de
diversão contemporânea tem sido delineada por valores capitalistas. Consequentemente,
as crianças, por serem mais facilmente manipuláveis, tem sido pré-moldadas e
estimuladas desde sempre a consumirem tecnologia, pois não conseguem discernir
o que é realmente lúdico do que é meramente entretenimento. Além disso, essa
crise de ludicidade também surge como consequência de pais que imersos em uma
rotina caótica e em uma sociedade instantânea, transferem a função de educar os
filhos para as instituições, para as babás ou para as novas tecnologias.
Nessa
perspectiva, dos bonecos de argila pré-históricos, passando pelas bonecas
medievais até os ultra computadores pós-industriais, o ideal de brincadeira
infantil tem sido transformado a partir das concepções sócio históricas
vigentes. Sendo assim, a tecnologia e o lúdico devem se associar de forma que o
lazer possa estimular a criatividade, a socialização e a formação de leitura de
mundo ampla. Desse modo, seguiremos a máxima de Paulo Freire, de que estamos no
mundo não apenas para se adaptar, mas também para aprimorá-lo.
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